8h30 da manhã: E o Apocalipse Pessoal Começa.
O celular explodiu em uma sinfonia irritante, o volume no máximo parecendo a sirene de evacuação de um míssil nuclear. Abri os olhos no pânico, mas o pânico dobrou ao checar a hora. O alarme estava configurado de forma épica e catastrófica. Eu tinha acabado de acordar duas horas inteiras depois do previsto. Duas. Horas. Perdidas. Sério, um brinde à minha competência matinal.
Eu tinha uma reunião de trabalho crucial... tinha. Porque agora, cruzar a linha de chegada a tempo seria um milagre maior do que ganhar na loteria duas vezes seguidas. Aliás, se o universo tivesse a decência de me dar um pingo de sorte na vida, eu estaria milionária, tomando croissant e café au lait em Paris, e não prestes a infartar no meio de um rush matinal caótico em Tóquio.
Joguei no corpo o uniforme da sobrevivência: uma calça preta de alfaiataria e uma blusa social no tom oposto. Praticidade é meu sobrenome, o oposto de "pente", "escova" ou "chapinha". Luxos que não me pertenciam. Enfiei os dedos no cabelo, puxei num rabo de cavalo rápido e pronto: look "executiva de alto escalão que desistiu da vida e está a três segundos de um colapso". No espelho, minha cara pálida de terror zumbi me encarava. A solução? Um batom vermelho venenoso. Nada grita "estou no controle absoluto" como lábios de femme fatale em cima de olheiras de panda.
Saí do apartamento ignorando o café da manhã. Ele também parecia ter entrado na greve universal contra mim.
As ruas de Shibuya, lá embaixo, estavam no seu estado habitual de caos coreografado: milhões de pessoas fluindo, carros deslizando, o mundo girando em uma rotina implacável. Por um segundo patético, me iludi, pensando que talvez o dia ainda pudesse ser salvo... até que o destino resolveu parar, apontar o dedo na minha cara e dar uma gargalhada histérica.
De repente, a multidão parou. Gritos. Olhei para a frente. Um banco na mesma rua estava sendo assaltado. Isso mesmo, assaltado. E como eu estava em um reality show só de desgraças, o criminoso em fuga precisava de um álibi de última hora. Ele varreu o olhar pelo mar de gente, ignorou todos os pedestres mais fortes ou mais rápidos... e adivinha quem ele escolheu como escudo humano? Exato: eu. A atrasada, descabelada e de batom vermelho. Porque, obviamente, se existe uma fila para a má sorte, eu não sou apenas a primeira, sou a atendente VIP. Às vezes, eu nem acho que é azar. É um patrocínio direto do universo. Ele investe pesado na minha ruína.
O homem era pura adrenalina e desespero, agarrando meu braço como um torno e empurrando um canivete enferrujado para o meu pescoço. "Pra trás! Todo mundo pra trás ou ela morre!" ele berrou, a voz rachada, enquanto arrastava meu corpo em choque. A multidão, antes uma maré, virou uma parede de concreto apavorada.
― Excelente, - pensei, com aquela calma fria que só o terror absoluto proporciona. ― Refém. Agora, além de atrasada, vou virar estatística no noticiário das 10.
Então, aconteceu. A mão dele tremeu, talvez pela sirene que finalmente rasgava o ar ou pelo foco vermelho de um sniper que, eu soube depois, estava a postos. Ele fez um movimento brusco e descontrolado, não para matar, mas para reafirmar o poder. Senti um arrepio gélido e, em seguida, uma dor fina e quente.
Ele tinha feito um corte superficial, mas inegável, bem na lateral do meu pescoço.
O susto foi o gatilho que a polícia precisava.
No instante seguinte, o mundo se resumiu a um clarão e um som seco e abafado vindo de algum lugar distante. O bandido cambaleou, o aperto no meu braço se desfez e, em um lapso de câmera lenta bizarro, seu corpo despencou sobre mim.
O impacto me derrubou. Mas antes que eu pudesse sequer processar a queda, senti um líquido espesso e quente me atingir, não como uma gota, mas como um respingo violento e quase artístico.
Abri os olhos, ofegante, sentindo a adrenalina pura correr pelas veias. O criminoso estava inerte ao meu lado. Olhei para a minha blusa social, que até dois minutos atrás era o uniforme da executiva atrasada e impecável.
Ela estava tingida. Uma mancha enorme, vibrante, de um vermelho profundo, espalhada pela gola e pelo meu peito, manchando de vez a alfaiataria branca.
O batom vermelho femme fatale no meu rosto agora parecia uma piada cruel. Eu tinha conseguido meu visual "estou no controle", só que agora estava literalmente coberta pelo caos dos outros. Eu estava viva, ilesa exceto por um arranhão que logo estaria coberto por um Band-Aid, mas parecendo que tinha acabado de sair do set de um filme de terror.
Senti o próprio sangue escorrer do meu pescoço e se misturar ao do homem, um gotejar patético que anunciava: eu sobrevivi ao assalto, mas meu dia de trabalho estava oficialmente, e de forma sangrenta, arruinado.
O helicóptero de notícias já pairava sobre a rua. Eu era a refém que virou a pintura da tragédia. E eu ainda tinha que ligar para o meu chefe e explicar por que não chegaria a tempo para a reunião. Boa sorte para mim.
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Atualizado até capítulo 28
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