Acordei antes do sol.
Aquele silêncio que antecede o dia parecia sussurrar promessas que só eu poderia ouvir. Fiz meus exercícios matinais, alongando cada músculo, sentindo o corpo despertar junto da mente. Cada respiração era um lembrete: o mundo lá fora não me possuía. Eu me possuía.
Ao sair do banho, envolta em toalha, alcancei minha maleta preta que Thomas havia garantido que eu trouxesse. Ele sempre preocupado, sempre protetor, insistira em carregar algumas injeções dentro dela.
— Apenas precaução — ele dissera, com o olhar sério. — Não que você precise, mas não custa nada estar preparada.
Não precisava delas com frequência, mas o gesto me confortava. Segurá-las era sentir o cuidado dele atravessando o espaço que me separava de casa, uma corda invisível conectando nossos mundos.
Vesti-me com calma e precisão, como se cada escolha de roupa fosse um pequeno escudo contra o caos do campus. Ajustei a maleta em meu ombro e respirei fundo.
O dia começava.
Minha primeira aula seria de TI, o início do curso que escolhera não por pressão, mas por paixão. Caminhei pelos corredores com passos firmes, mantendo a postura que Thomas tanto me ensinara. Cada olhar que me seguia parecia perder força diante da firmeza da minha determinação.
Sentei-me na primeira fileira, abrindo meu caderno. Os códigos, os algoritmos, as possibilidades digitais… tudo parecia mais fácil de compreender do que lidar com olhares curiosos ou aromas inebriantes.
E ali, entre linhas de programação e comandos que ganhavam vida no monitor, percebi: o mundo poderia ser confuso, pesado e cheio de regras, mas dentro daquele universo de zeros e uns, ao menos, eu sabia exatamente como me mover.
O meio do dia trouxe um alvoroço inesperado.
Vozes altas ecoavam pelos corredores, carregadas de excitação e especulação.
— Ela está de volta! — gritavam alguns alfas, como se meu nome fosse uma chama prestes a incendiar tudo ao redor.
Ignorei-os.
Continuei sentada na sala de aula, concentrada nos códigos que surgiam diante de mim na tela. O mundo podia gritar lá fora; aqui dentro, ao menos, eu mantinha o controle.
O tempo passou, lento e rápido ao mesmo tempo, até que o sinal anunciou o fim da aula. Arrumei meus materiais e me preparei para a próxima.
No corredor, entretanto, nem tudo era tão simples quanto o silêncio das telas. Dois garotos betas surgiram do nada, com sorrisos que misturavam arrogância e tentativa de intimidação. Tentaram encostar um pouco mais do que o aceitável.
Meu corpo reagiu antes mesmo da mente processar: girei, acertei os pontos baixos de ambos e vi-os cambalear para trás, soltando gritos de dor. Sem esperar por reações adicionais, corri pelo corredor, buscando escapar da situação.
Foi então que bati em alguém.
O choque me deixou imóvel por um instante.
Olhos nos olhos.
Não eram iguais.
Eram diferentes. Íris de cores distintas, quase hipnotizantes. Um azul profundo e um verde intenso que se entrelaçavam de forma quase impossível, tornando impossível desviar o olhar.
O aroma que a envolvia chegou aos meus sentidos como uma brisa suave e inebriante. Não havia possessividade, nem imposição, apenas presença. Um aroma que, de algum modo, me chamou sem invadir, me atraiu sem que eu quisesse.
Por um instante, meu corpo e minha mente congelaram.
E eu soube, sem precisar de palavras, que nada ali seria como antes.
— Você está bem? — a voz dela, firme, mas calma, cortou o torpor que me paralisava.
Eu apenas balancei a cabeça, incapaz de falar.
Algo dentro de mim já sabia: esse encontro mudaria tudo.
E naquele instante, entre corredores cheios e olhares curiosos, o mundo ao redor deixou de existir.
Ainda tentando recuperar o fôlego do impacto anterior, senti novamente passos se aproximando.
Os dois garotos betas, que antes haviam tentado me tocar, agora vinham até nós, com sorrisos arrogantes e olhos cheios de desafio.
O primeiro deles falou, a voz cheia de audácia e provocação:
— Amélia, dá ela pra gente! Ela é nossa!
Meu corpo congelou por um instante, e o coração bateu mais rápido, mas não havia medo. Ao meu lado, Amélia permanecia firme, quase indiferente, como se estivesse acostumada a lidar com esse tipo de insolência.
Ela ergueu o queixo, olhou nos olhos do garoto com calma absoluta e disse, devagar, cada palavra carregada de autoridade:
— Ela não é sua propriedade.
— E é melhor você ir embora daqui agora… antes que eu te faça lembrar os tempos antigos.
O silêncio que se seguiu foi quase ensurdecedor.
Os outros alunos começaram a perceber, alguns recuando, outros cochichando com curiosidade.
Os garotos, por um instante, pareceram avaliar se aquilo valia a pena. Mas nos olhos de Amélia havia algo que não podia ser ignorado: força, presença, e uma ameaça silenciosa que não precisava de gestos para ser compreendida.
Um dos betas engoliu em seco, tentando manter a postura, mas era visível que a arrogância começava a derreter.
— Tá… tá bom… — murmurou, recuando, levando o outro junto consigo.
Quando se afastaram, Amélia voltou sua atenção para mim. O aroma que a envolvia ainda me preenchia os sentidos, mas agora havia algo mais: proteção.
— Está bem? — perguntou, sem julgar, apenas verificando se eu estava intacta.
Balancei a cabeça, sentindo que, pela primeira vez desde que cheguei à faculdade, não precisava me defender sozinha.
E naquele instante, soube que ela seria mais do que apenas um rosto encontrado por acaso nos corredores.
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Atualizado até capítulo 45
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