O portão da faculdade erguia-se diante de mim como um limiar — não apenas de ferro e tijolos, mas de caminhos que eu ainda não conhecia. O vento da manhã brincava com meus cabelos, como se quisesse me lembrar de que o tempo não volta, apenas segue. Ao meu lado, firme e silencioso, caminhava Thomas, meu irmão.
Thomas era alfa.
Não o tipo de alfa que eu aprendera a temer, mas um que carregava em si o dom raro da gentileza. Sua presença era abrigo, nunca prisão. Talvez por isso, mesmo quando seu instinto protetor transbordava, eu não conseguia me irritar. Havia carinho até em seus exageros.
Ele parou comigo diante da porta principal e colocou a mão em meu ombro, seu toque pesado, mas cálido, como quem teme deixar escapar o que mais ama.
— Callie… — sua voz grave saiu embargada, como se quisesse segurar mil advertências em uma só palavra. — Qualquer problema, qualquer coisa que te incomode… me chama. A qualquer hora. Entendeu?
Não consegui evitar o sorriso.
Thomas, sempre Thomas. Ele ainda me via como a garotinha que tropeçava correndo pelos corredores de casa, os cabelos soltos em desalinho e um livro maior que minhas mãos apertado contra o peito.
— Eu não sou mais uma menininha, Thomas — respondi, tentando disfarçar a ternura que me inundava. — Eu sei cuidar de mim.
Ele me olhou como quem não acredita, mas prefere se calar. Seus olhos tinham a intensidade dos alfas, mas ali não havia controle, apenas preocupação.
— Eu sei que cresceu — disse, finalmente. — Mas isso não significa que precisa enfrentar o mundo sozinha.
Fiquei em silêncio por um instante. O mundo que ele mencionava, eu conhecia bem demais. E talvez ele tivesse razão… ainda assim, havia em mim uma fome de independência que nenhuma proteção, nem mesmo a dele, poderia saciar.
Dei um passo à frente, sentindo o coração pulsar mais forte. O portão se abriu. A faculdade me recebia, e eu sabia: dali em diante, cada batida do meu coração escreveria uma nova parte da minha história.
O campus se abria diante de mim como um jardim interminável. Campos verdes, árvores altas que sussurravam segredos com o vento, e caminhos entrelaçados que mais pareciam trilhas de um labirinto. Caminhava devagar, com o mapa aberto entre as mãos, tentando decifrar linhas e indicações que se confundiam com a ansiedade que me queimava o peito.
Era o primeiro passo da minha vida longe das paredes conhecidas de casa.
O alojamento.
O lugar onde, ao menos por agora, meu corpo poderia descansar sem cobranças, e minha alma talvez encontrasse algum respiro.
Eu estava tão absorta em seguir o traço do mapa que só percebi quando duas vozes femininas ecoaram juntas, quebrando o silêncio suave da manhã.
— Está perdida? — perguntaram.
Levantei os olhos e dei de cara com duas garotas idênticas. Eram gêmeas. Mesmo sorriso, mesmo brilho de malícia nos olhos claros, mesmo tom de curiosidade que soava mais como desafio.
Balancei a cabeça, forçando um sorriso educado.
— Não, não estou perdida… mas agradeço a preocupação.
Elas se entreolharam com uma cumplicidade silenciosa e, em seguida, uma delas riu baixinho. A outra não demorou a completar:
— O alojamento das ômegas fica ao sul. Está indo para o lado errado.
Apontei para o mapa que ainda segurava firme.
— O meu dormitório não é ao sul. — respirei fundo, encarando as duas. — O meu fica a leste.
Foi como se minhas palavras tivessem congelado o ar por um instante.
As gêmeas pararam de sorrir e, quase em perfeita sincronia, viraram o rosto para mim, como se apenas naquele instante tivessem realmente me enxergado. Seus olhos se fixaram na minha pele morena, nos cabelos escuros que caíam soltos sobre os ombros, e finalmente, nas linhas firmes da minha expressão.
Então, juntas, como um sussurro carregado de surpresa e revelação, disseram:
— Você está no alojamento misto!!
Um arrepio percorreu minha espinha.
Eu, uma ômega, destinada desde sempre a ser separada, protegida e vigiada… agora dividindo espaço com todos os outros. Alfas, betas… e quem mais o destino decidisse colocar no meu caminho.
Eu não sabia se deveria sorrir ou estremecer.
Só sabia que o coração batia mais forte — como se pressentisse que aquela simples descoberta mudaria tudo.
As palavras delas ainda ecoavam dentro de mim: “Você está no alojamento misto!!”
Como se fosse uma sentença, um aviso, ou até mesmo uma provocação.
Meu coração acelerou. Eu sabia o que significava. Sabia das histórias que cresci ouvindo — do perigo, da tensão, da constante vigilância que deveria acompanhar cada respiração de uma ômega cercada de alfas. E, por um instante, senti o chão sumir sob meus pés.
As gêmeas perceberam. Talvez tenham visto no meu rosto a sombra do receio, ou talvez tenham apenas se divertido em esticar o suspense. Uma delas deu um passo à frente e, num tom mais leve, comentou:
— Não precisa ficar assim. O alojamento leste tem mais betas do que alfas.
A outra completou, num meio sorriso, como se buscasse suavizar o golpe:
— O dormitório das ômegas já está lotado, sabe? Muitas transferências recentes. Então acabaram reorganizando. Não é tão terrível quanto parece.
Olhei para as duas com uma mistura de desconfiança e alívio. Queria acreditar. Queria pensar que não havia armadilha, que o destino não estava apenas me testando mais uma vez.
Respirei fundo e deixei o vento da manhã atravessar meus pulmões, tentando apagar o nó que se formava ali dentro. Talvez, afinal, esse fosse apenas mais um dos caminhos inesperados que eu teria de aprender a trilhar.
Sorri com educação.
— Obrigada pelo aviso.
Elas se entreolharam novamente, como sempre em sincronia, e riram baixinho, antes de seguirem adiante, deixando-me sozinha no campo verde, com o mapa ainda aberto nas mãos.
E enquanto eu observava a direção do leste, o coração pulsava forte em meu peito.
Porque, embora não soubesse explicar, havia em mim a sensação de que o “alojamento misto” não era apenas um acidente de organização. Era um prenúncio.
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Atualizado até capítulo 45
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