O Corredor dos Olhares

Antes mesmo de alcançar as portas do alojamento, o ar já denunciava o que me esperava.

O cheiro.

Forte, denso, quase sufocante. A presença de alfas espalhava-se como um manto invisível que tentava dominar cada canto. Era selvagem, marcante — e para mim, que tantas vezes aprendera a desconfiar, soava como um aviso constante. Alguns aromas me causavam até náusea, como se meu corpo gritasse em defesa antes que minha mente pudesse reagir.

Ainda assim, respirei fundo e lembrei das palavras de Thomas: “Ande sempre de cabeça erguida, Callie.”

E foi o que fiz.

Atravessei os corredores de cabeça alta, ainda que meus instintos implorassem para recuar. Garotos e garotas se encostavam pelas paredes, rindo, cochichando, alguns deixando que os olhos me seguissem com descarado interesse. Senti os olhares pesarem sobre mim como lâminas, ouvi os sussurros que se entrelaçavam atrás dos meus passos. Mas não hesitei.

Eu era ômega, sim.

Mas não seria um reflexo de fragilidade, nem uma presa fácil.

Meu caminhar precisava ser firme, minha postura, erguida — como quem desafia sem precisar dizer uma única palavra.

Meu quarto ficava no fim do corredor, o último de uma fileira que parecia se estender eternamente. Cada passo ressoava dentro de mim como um pequeno ato de coragem. Quando finalmente alcancei a porta, senti um alívio súbito, como quem encontra um refúgio depois de atravessar um campo de batalha.

Empurrei a maçaneta.

O interior me recebeu com o silêncio do abandono.

O quarto estava vazio. As duas camas intocadas, o chão empoeirado, as cortinas ainda fechadas, como se ninguém tivesse passado por ali há muito tempo. Não havia malas, roupas, nem vestígios de outro alguém. Apenas paredes nuas, esperando histórias para preencherem seu vazio.

Por um instante, fiquei parada à soleira da porta, o coração batendo forte. Eu sabia que não estaria sozinha para sempre. Mais cedo ou mais tarde, alguém dividiria aquele espaço comigo. Mas, por agora, a solidão era meu único consolo.

Deixei minhas malas no canto e caminhei até a cama mais próxima da janela.

Era estranho… aquele quarto, ainda vazio, parecia me observar, como se aguardasse pelo que estava por vir.

E no fundo, eu também aguardava.

Escolhi a cama ao lado da janela, como quem escolhe uma promessa de escape. Gostava de imaginar que, sempre que o mundo se tornasse pesado demais, bastaria abrir as cortinas e deixar o vento me lembrar de que a liberdade ainda existia.

Comecei a arrumar o quarto.

Troquei os lençóis gastos por tecidos claros que trouxera de casa, cada dobra um gesto de cuidado, cada detalhe uma forma de dizer: “Este lugar agora é meu refúgio.” Coloquei sobre o travesseiro dois pequenos bichinhos de pelúcia, companheiros de infância que ainda guardavam minhas memórias mais suaves.

Não sabia se era permitido, mas com certa facilidade consegui fixar uma pequena estante na parede. E, pouco a pouco, os livros começaram a ocupar seus espaços, como se fossem pedras que sustentavam a estrutura invisível da minha alma.

Foi então que o som seco de três batidas ecoou na porta.

Meu coração disparou.

Abri, e diante de mim surgiu uma mulher alta, elegante, de olhar firme. Não precisei de muito para reconhecer o que ela era. Alfa. Seu aroma preencheu o ambiente de imediato, denso e envolvente, mas diferente dos outros que tantas vezes me fizeram querer recuar. Esse era… quase agradável, inebriante, como se tivesse o dom de adoçar o ar sem sufocá-lo.

— Boa tarde, senhorita Calliope — sua voz era firme, mas não hostil, carregada de uma autoridade que se impunha sem esforço. — Sou a reitora da faculdade. Vim pessoalmente recebê-la.

Endireitei a postura, lembrando das lições de Thomas, e respondi com um aceno respeitoso.

Ela continuou:

— Normalmente, seria a representante do alojamento quem faria essa apresentação inicial. Mas temos um pequeno problema… — pausou, um leve sorriso nos lábios, como quem conhece a fraqueza de seus subordinados. — A representante não consegue se conter diante das ômegas. Então, por prudência, achei melhor assumir essa função.

Senti o rosto corar.

Era estranho ouvir aquilo dito de forma tão direta, tão despida de véus. Ainda assim, a sinceridade da reitora trazia consigo um certo conforto.

— Entendo — murmurei, em voz baixa, mas firme o suficiente para que ela ouvisse.

Ela assentiu, os olhos percorrendo rapidamente o quarto que eu tentava tornar meu.

— Vejo que já começou a organizar o espaço. É bom. Mostra determinação. Espero que mantenha esse mesmo cuidado com seus estudos e sua postura aqui dentro.

E então, estendeu a mão, firme, como um pacto silencioso.

— Vamos. Eu lhe mostrarei a faculdade.

Por um instante, hesitei. O quarto ainda tinha cheiro de solidão, e eu não sabia se estava pronta para enfrentar os novos olhares, as novas vozes, os novos destinos que me aguardavam além daquela porta. Mas aceitei a mão dela, deixando que a autoridade inebriante da reitora me conduzisse.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!