— Acha que ela está viva?
— Claro que está, Atlas. Não seja estúpido. — Era uma voz feminina, firme, quase glacial.
— Nunca se sabe, olha o estado da pobrezinha.
— Ogro, não se fala da aparência de uma garota enquanto ela está dormindo.
Anastasia se esforçou para abrir os olhos; a cabeça pesava, como se estivesse submersa em mercúrio. Seu corpo parecia ser sacudido e virado do avesso, embora estivesse imóvel. Ao abrir os olhos, a primeira coisa que percebeu foram desenhos incrustados no teto, lindos, complexos, impossivelmente detalhados. O teto parecia de mármore, altíssimo, refletindo uma luz dourada suave. Sentiu um leve arrepio ao imaginar o trabalho de quem tinha que limpar tudo aquilo. Era uma pintura clássica, grega, com Poseidon segurando um tridente enquanto o mar se levantava em ondas ameaçadoras. Só podia ser Poseidon.
Ela ergueu os olhos pelo aposento, absorvendo cada detalhe. Toda a arquitetura era grega, imponente, antiga, como se tivesse atravessado séculos e agora a acolhesse nesse espaço onírico. Definitivamente, não estava no navio.
O pânico a dominou. Anastasia sentou-se na cama, tentando absorver o choque. Os lençóis eram luxuosos, macios e pesados, dignos de um imperador. E ao redor dela, duas figuras observavam — provavelmente os donos das vozes que ouvira antes.
Seu olhar pousou em uma garota que Anastasia jamais esqueceria. Um rosto perfeito, cada ângulo esculpido com precisão. Um nariz delicado, lábios em formato de coração, cabelos vermelhos caindo em cachos esvoaçantes. Os olhos cinza observavam-na, desinteressados, mas atentos, e a carranca no rosto só aumentava a intimidação. O coração de Anastasia bateu mais rápido, os ossos quase tremendo de nervosismo.
Ela desviou o olhar para o garoto de antes, o mesmo que fizera comentários sobre sua aparência. O cabelo loiro parecia ter sido atingido por um choque elétrico ou simplesmente não era penteado há dias. Ainda assim, havia algo atraente nele, mesmo sem esforço.
Então, seu olhar encontrou outro: James. Os olhos azuis dele a atravessaram. O que ele estava fazendo ali? E onde ela estava?
— Aonde… — Sua garganta estava seca, ardendo. — Aonde estou?
— Lost Atlantis. — A garota de cabelos vermelhos respondeu calmamente, oferecendo um copo de água ao perceber o desconforto de Anastasia. Ela bebeu de uma vez, sentindo um alívio imediato, quase suspirando.
— Lost Atlantis? — Anastasia murmurou, rindo baixinho de nervosismo. Talvez fosse alguma ilha perdida no Atlântico, ou uma referência à lenda de Atlântida.
— Como eu vim parar aqui?
Nenhuma resposta.
— Onde está minha mãe?
Novamente, silêncio.
— Quem são vocês?
— Pelos Deuses, Anastasia, você tem muitas perguntas. — O garoto loiro murmurou, divertido
Ela franziu o cenho. Ele sabia seu nome? Nunca o vira antes.
— Como você sabe meu nome? — perguntou, desconfiada.
— Você é famosa por aqui. — Apenas isso. A confusão de Anastasia aumentou.
Ela olhou para James, buscando apoio.
— Não dê ouvidos ao Atlas. — Ele disse, apontando para o garoto loiro.
Annie apenas assentiu, sem saber o que dizer.
— Quem são vocês? — insistiu, olhando para James.
— Amigos.
Ela arqueou as sobrancelhas.
— Onde eu estou?
— Em um barco. — Respondeu Cecily, a garota de cabelos vermelhos.
— E você é?
Cecily apenas a encarou, olhos avaliando-a como se fosse um rato desprezível. Anastasia engoliu em seco.
— Ela é Cecily. Ignora o hábito dela de nos encarar como se fôssemos meros mortais. — Atlas disse, sorrindo provocativo.
Anastasia se levantou, tonta, e só então percebeu as roupas da garota: um vestido azul medieval, incrustado em detalhes dourados, como se fosse feito para uma festa real. Um pingente delicado em forma de floco de neve chamava a atenção, quebrando a rigidez de Cecily.
— Combina com seus olhos. — Anastasia disse, quase sem pensar. Cecily desviou o olhar, escondendo o pingente. James lançou-lhe um olhar que dizia “não se importe”.
— Isso é algum tipo de peça? Vocês são atores? — Anastasia perguntou, percebendo que os garotos também vestiam roupas medievais. — Sinto muito por ter atrapalhado a gravação. Quero voltar para o meu navio.
O silêncio que se seguiu parecia pesar toneladas.
— Sinto em dizer. — Uma voz sombria cortou o ar. Anastasia virou-se para a sombra de onde veio o som. Um rapaz emergiu, sorrindo de forma perturbadora. — Mas isso está fora de questão.
Deuses… Onde ela estava se metendo? A vontade de gritar por socorro era quase incontrolável. Tudo parecia tão real, embora fosse impossível.
O estranho carregava uma aura de perigo. Quando saiu das sombras, Anastasia sentiu calafrios. Ele era bonito, de forma hipnótica, mas assustadora. Seus olhos verdes lembravam o oceano, profundo e misterioso, e o cabelo preto como piche era quase palpável, intenso. Uma cicatriz cortava seu rosto da sobrancelha até metade da bochecha, lembrando que a beleza também podia esconder dor e mistério.
Anastasia precisou desviar o olhar, puxando uma lufada de ar. Que sentimento era aquele tão intenso? Fascínio? Medo? Algo que ela não conseguia nomear, mas que a deixou imóvel, presa na tensão daquele sonho vivo e impossível de escapar.
Annie mal teve tempo de se surpreender ao notar que Levi também vestia roupas estranhas. A blusa branca de linho, com babados nas mangas que pareciam quase vivos, fazia-o parecer uma debutante perdida no tempo. A calça preta, elegante mas antiquada, trazia detalhes dourados nos bolsos, e o colete preto lembrava um pirata saído de um livro antigo. Um leve cheiro de couro e lã misturava-se à maresia imaginária do ambiente, confusão que fazia o sonho parecer quase real.
— Você é um pirata? — Annie falou antes que pudesse se conter. Idiota, claro que ele não era um pirata; isso sequer existia mais.
Levi ergueu a sobrancelha, olhos verdes profundos fixos nela, estudando cada reação, cada tensão em seus músculos. Um arrepio percorreu a espinha de Annie. Ela considerou, por um instante, se jogar no chão e chorar — talvez assim algum sentimento de pena a salvasse. Mas não havia tempo nem segurança para isso.
— Um pirata? Já fui chamado de coisa pior. — A voz dele era grave, reverberando pelo aposento, ecoando de um jeito que fazia o ar parecer maisdenso.
— Ser chamado de pirata não é um insulto. —Mais uma vez, sua boca falou antes do cérebro.
— Não mesmo. — Ele esboçou um sorriso sutil, divertido, quase cruel.
— E então?
— O quê?
— Você é um pirata ou não?
— Bom ver que você já não está mais preocupada com sua partida… ou a falta dela. E não, não sou um pirata.
— Ele é um criminoso, então dá na mesma. — Atlas comentou, entediado, enquanto o vento imaginário do sonho levantava levemente os fios de cabelo de Annie.
A garganta de Annie secou. Criminoso? Sua mente correu por todos os cenários possíveis, todos terminando de forma trágica — quase sempre com ela servindo de almoço para os peixes. Sempre teve certeza de que seria a primeira a morrer em um filme de terror.
— Veja bem, se você estava planejando algum tipo de resgate, minha mãe não dá a mínima.
Se sua partida dependesse da mãe, estava perdida. Narcisista, egoísta, indiferente; não moveria um dedo por Anastasia.
— Resgate? — Levi levou a mão às costas e surgiu com uma adaga, o metal refletindo a luz dourada do aposento. Puta merda. Ela congelou. Ele tinha uma adaga? Um brilho divertido surgiu em seus olhos, frio e afiado como a lâmina. — Não costumo pedir resgate pelos meus convidados. Não é educado.
— Eu não sou uma convidada. Estou aqui contra a minha vontade. Quero ir embora agora.
Ele ignorou o pedido, balançando a cabeça em desaprovação, como se ela tivesse feito algo errado. Idiota. Pensamentos assassinos dançaram em sua mente.
— James? Você obrigou a pobre garota a pular no oceano? Ela diz que está aqui contra a vontade dela. — Levi balançou a cabeça em negativa. — Que brutamontes sem modos. Se eu estivesse no seu lugar, ela iria implorar até…
Um sorriso felino se formou em seus lábios. Ele se divertia com a tensão que causava. Annie olhou para os outros, talvez pudesse convencê-los a deixá-la ir. Mas Atlas parecia distante, como se estivesse em outro mundo. Cecily? Presa em si mesma, parecia lutar com impulsos internos, como se quisesse bater a própria cabeça na parede ou nos outros.
— Oceano? — Anastasia murmurou. — Mas eu não pulei no oceano.
— Não? — A voz de Levi era calma, mas tinha um peso que fez Annie questionar suas próprias memórias, até mesmo seu próprio nome.
— Cale a boca, Levi. — James avançou alguns passos, colocando a garota atrás de suas costas. Annie nem sabia se podia confiar nele, mas não desperdiçaria qualquer aliado. — Não estamos sequestrando ela; pode ir embora quando quiser. Controle esses instintos sociopatas.
Anastasia quase suspirou aliviada, a mão coçando para acariciar a cabeça de James e dizer “bom garoto”.
— Ele nem deve saber o que esse termo significa. — Atlas comentou, voltando ao mundo real. — Aliás, como você sabe? O termo ainda não se popularizou.
— Essa palavra existe há anos. Em que mundo você vive? — Anastasia quase soltou suspiros exasperados como sua mãe. Eles eram bons atores, mas levavam a situação sério demais. Certamente não era saudável.
— Atlantis. — Atlas respondeu, como se ensinasse a uma criança que um mais um é dois.
— Lost Atlantis. — Cecily corrigiu, ansiosa.
— Dá no mesmo. — Atlas deu de ombros.
— Você acha que vive em uma ilha mitológica engolida pelo oceano séculos atrás, provocando a fúria de Poseidon? — Ela tentou se divertir, mas a fantasia histórica parecia surreal demais agora.
— Não foi Poseidon. O velho não dava a mínima. Pelo menos não até Hera; tudo culpa daquela velha rabugenta.
— Atlas. — Cecily o repreendeu. — Tenha mais respeito com os Deuses.
— Hera?
— Ela ficou com ciúmes. Atlantis era muito mais civilizada que o Olimpo. Talvez até mais avançada em poder e inteligência. Mortais superando Deuses. Tudo que aconteceu? Hera incitou.
— Você fala como se tivesse presenciado a história.
— Eu li livros. — Atlas disse, com um tom de superioridade, quase provocativo.
— Anastasia. — Levi chamou. A voz dele tinha um comando inegável; ela se virou automaticamente.
— Sim?
Ele avançou alguns passos. A garota ficou hipnotizada pelos movimentos dele, nem percebendo a carranca de James ou o olhar severo de Cecily. Nem mesmo a adaga na mão de Levi despertou seu instinto de fuga até que fosse tarde demais.
— Está na hora de acordar. — Ele disse, e Anastasia sentiu o cabo frio da lâmina pressionar sua testa. Um arrepio percorreu todo seu corpo, um frio gelado misturado ao calor súbito de seu coração acelerado. O chão parecia desaparecer sob seus pés, a luz dourada cintilava e girava, e de repente… ela sentiu-se rasgando o véu entre sonho e realidade, o coração quase saindo pela boca, respirando ofegante no escuro de sua cabine.
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Atualizado até capítulo 24
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