O Sussurro do Sangue

O palácio dos Dávros nunca dormia de verdade. Mesmo na calada da noite, corredores ecoavam passos invisíveis, portas rangiam sem ninguém tocá-las e, às vezes, jurava que vozes se infiltravam pelo vento, sussurrando palavras em um idioma que não conhecia.

Naquela noite, não consegui pregar os olhos. A conversa com Nikolai ainda queimava na minha mente: “Veneno não perdoa erros.” Ele falava de Evelynn… mas a sensação era de que, no fundo, estava falando dele mesmo.

Levantei da cama e, como boa “nova jogadora” desse tabuleiro, decidi investigar. O problema era que andar sozinha pelos corredores dos Dávros era quase pedir para ser pega em flagrante. Cada quadro parecia me seguir com olhos acusadores, e as sombras ganhavam formas humanas quando a luz da lua entrava pelas janelas altas.

Foi então que ouvi.

Um som baixo, metálico, vindo da ala leste. Como se fosse… cânticos.

Segui o som, tentando manter os passos leves. Quanto mais me aproximava, mais reconhecia a cadência: não era uma música, era um ritual. O idioma parecia antigo, gutural, e reverberava pelo chão de pedra como uma promessa sombria.

Cheguei a uma porta entreaberta. Espiei.

Dentro, vi Lady Evelynn de pé diante de um altar improvisado. Velas negras queimavam em círculo, e no centro havia um cálice dourado manchado de vermelho. O detalhe que congelou meu sangue? Havia símbolos desenhados no chão com algo que parecia… sangue fresco.

— Pelo pacto feito em eras, pelo sangue que une os Dávros, que nenhum traidor sobreviva à quebra do laço — Evelynn murmurava, a voz mais grave que o normal, quase como se fosse de outra criatura falando através dela.

Um arrepio percorreu minha espinha. O Acordo de Sangue. Era real. Não apenas um detalhe vago da história. Era algo vivo, ativo… e mortal.

Quando tentei me afastar, um rangido escapou da madeira do chão. O coração quase pulou pela boca. Evelynn ergueu a cabeça de imediato, os olhos faiscando em direção à porta.

Corri.

Atravessei corredores sem olhar para trás, rezando para que ela não tivesse me visto. Só parei quando alcancei meu quarto e fechei a porta com força, encostando-me nela, arfando.

— Você realmente não aprende, não é? — a voz grave soou atrás de mim.

Virei bruscamente.

Nikolai estava ali, recostado contra a janela, como se tivesse me esperado o tempo todo.

— O que… o que você está fazendo aqui? — perguntei, tentando soar firme, mas minha voz falhou levemente.

Ele caminhou até mim, devagar, como um predador cercando a presa.

— A pergunta correta é: o que você estava fazendo lá? — Seus olhos cinzentos brilhavam, carregados de desconfiança. — Espiando Evelynn é quase um suicídio.

Engoli em seco. Não podia admitir que vira o ritual.

— Eu… só estava andando. Não consigo dormir nesse lugar.

Ele riu, um riso sem humor.

— Mentir para mim, Aurora? Péssima ideia. — Aproximou-se tanto que pude sentir sua respiração contra meu rosto. — Eu consigo sentir quando você mente.

Meu coração disparava, mas não desisti.

— Então talvez você devesse se acostumar. — O sorriso que forcei parecia corajoso, mas por dentro eu tremia.

Nikolai inclinou a cabeça, me estudando como se tentasse decifrar uma charada.

— Você não é a mesma, Aurora. — Sua voz foi baixa, quase um sussurro. — A garota que eu conhecia nunca teria coragem de me enfrentar assim.

— Talvez porque a Aurora que você conhecia estava presa em um papel que nunca foi dela — respondi, com ousadia que surpreendeu até a mim mesma. — Talvez agora eu esteja finalmente escrevendo a minha própria versão.

Por um segundo, o silêncio tomou o quarto. Então Nikolai sorriu — mas não era um sorriso doce. Era perigoso. Fascinado.

— Cuidado. Escritores da própria história… costumam terminar queimando suas páginas.

Antes que pudesse responder, ele ergueu a mão e tocou meu queixo, me forçando a encarar seus olhos. Foi como cair em um abismo de cinza e aço. Não havia ternura naquele gesto, mas também não havia ódio. Apenas um magnetismo cruel que puxava, puxava, até que respirar se tornou difícil.

— Mas admito… — ele murmurou, voz carregada de ameaça e desejo — é intrigante ver você lutar contra as correntes.

O toque dele queimava e gelava ao mesmo tempo. Eu deveria ter recuado, mas meu corpo ficou paralisado entre medo e atração. A química era um campo minado.

Ele se afastou de repente, como se tivesse decidido me poupar… por enquanto.

— Não se meta onde não deve, Aurora. O pacto dos Dávros não é algo com que você queira brincar.

O coração gelou. Ele sabia. Talvez não tivesse visto tudo, mas sabia que eu estava perto da verdade.

— Boa noite — disse ele, desaparecendo na escuridão do corredor como se fosse feito dela.

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Fiquei sozinha, mas não havia paz. As peças começavam a se mover mais rápido do que eu previa:

O Acordo de Sangue não era simbólico. Era um pacto real, selado com magia, capaz de punir quem quebrasse o laço.

Evelynn não era apenas manipuladora — havia algo nela que não era humano.

E Nikolai… ele estava dividido. Entre me destruir e me proteger.

Deitei na cama, sem conseguir dormir. Porque agora eu sabia de algo perigoso: se eu não jogasse direito, não seria só a vilã descartável da história.

Eu seria o próximo sacrifício do pacto.

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