O Acordo Que Eu Nunca Fiz

Quando abri os olhos, a primeira coisa que pensei foi:

“Por que meu teto parece cenário de novela mexicana?”

O gesso trabalhado, o lustre gigante, as cortinas de veludo que sozinhas custariam meu salário inteiro (se eu tivesse um)… nada disso fazia sentido. Ontem à noite, eu tinha tropeçado no banheiro da minha casa, batido a cabeça e—bom, digamos que a última lembrança era mais digna de um meme do que de um final de vida.

Mas agora eu estava deitada em uma cama tão grande que dava pra estacionar um carro nela. E, o mais assustador, não era só o quarto. Era eu.

Corri até o espelho dourado que ocupava meia parede e quase desmaiei de novo.

A garota que me encarava não era eu. Pele de porcelana, cabelos negros caindo até a cintura como seda, olhos verdes que brilhavam de um jeito quase sobrenatural. Uma beleza fria, perigosa. Aurora Blackthorn.

Sim. Eu sabia quem era.

Porque eu já tinha lido essa história.

E, se minha memória não estivesse me traindo, Aurora não passava do estereótipo clássico da “noiva do vilão”. Falsa, arrogante, cruel com a mocinha e… destinada a morrer. No capítulo trinta.

“Não. Não, não, não.” Eu murmurei, sentindo o coração disparar.

Se o destino era me transformar em cadáver antes mesmo da metade do livro, então eu precisava de um plano. Urgente.

Antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa, a porta do quarto se abriu.

E ali estava ele.

Nikolai Dávros.

Imagine um homem com presença tão forte que até o ar parecia mudar quando ele entrava. Alto, ombros largos, cabelo escuro jogado de forma descuidada, olhos cinzentos que lembravam tempestade prestes a explodir. O terno preto caía como armadura, e cada passo seu tinha a calma de quem sabe que pode matar você sem precisar levantar a voz.

Ele era o vilão. O monstro da história.

E, pra minha infelicidade, o meu noivo.

— Vejo que finalmente acordou, — ele disse, a voz grave ecoando pelo quarto. — Já começava a achar que minha futura esposa fosse frágil demais para sobreviver até o casamento.

Futura esposa.

Caramba. Isso estava realmente acontecendo.

Eu engoli em seco, tentando controlar o pânico. No enredo original, Aurora aceitava esse destino de cabeça erguida, até porque ela tinha ganância e gostava do poder que a família Dávros oferecia. Mas eu não era ela. Eu era eu. Uma garota que preferia maratona série do que negociar casamento com mafioso.

— Eu… — gaguejei, antes de me forçar a sorrir. — Estou surpresa. Pensei que tudo isso fosse só um… mal-entendido.

Os olhos dele se estreitaram, perigosos.

— Um mal-entendido?

Droga. Bom, parabéns pra mim: mal acordei e já estava cutucando o lobo com vara curta.

— Quero dizer… — continuei, improvisando —, talvez estejamos indo rápido demais. Afinal, eu nem… nem te conheço direito, Nikolai.

Silêncio. Pesado. Cortante.

Até que, para meu choque, ele deu uma risada baixa. Não era um riso leve, mas algo escuro, quase debochado.

— Não se preocupe, Aurora. Vai ter tempo de sobra para me conhecer. — Ele se aproximou, cada passo ressoando como se marcasse a contagem regressiva da minha sentença. — Afinal, não se trata de escolha. É destino.

Eu queria rir na cara dele, gritar que isso era só um livro ruim que eu já tinha lido, que ninguém era obrigado a nada. Mas minhas pernas tremiam tanto que duvidei conseguir ficar em pé.

— Destino? — forcei um tom irônico. — Engraçado, nunca fui fã de histórias com finais previsíveis.

Os olhos cinzentos me examinaram, como se ele tivesse ouvido algo errado. A verdadeira Aurora nunca teria dito isso. Ela seria submissa à família, desejosa do poder. Eu estava me contradizendo desde o primeiro minuto.

Mas ao invés de se irritar, ele pareceu… intrigado.

— Então mostre-me um final diferente, Aurora, — ele disse, a voz mais baixa, quase um sussurro. — Estou curioso para ver até onde você ousa ir.

Meu coração disparou. Não pela sedução da frase (ok, talvez um pouco), mas porque isso não estava no roteiro. Nikolai não deveria reagir assim. Ele deveria me tratar como posse, como um objeto descartável. Mas agora ele me olhava como se eu fosse um enigma.

E enigmas, eu sabia, eram perigosos demais para despertar em vilões.

Antes que eu pudesse responder, outra voz ecoou da porta.

— Nikolai, precisamos conversar. — Era um homem loiro, de expressão fria como gelo. O irmão. Dmitri Dávros.

No livro, Dmitri era ainda mais perigoso que Nikolai, porque não precisava da força bruta: só da inteligência afiada e da crueldade calculada.

Nikolai lançou-lhe um olhar duro, mas assentiu.

— Depois voltamos a falar, Aurora. Descanse. Você vai precisar de forças para o que vem.

E saiu, com Dmitri logo atrás.

Eu fiquei sozinha no quarto, respirando fundo, tentando não surtar.

Então era isso. Eu estava dentro da história.

Mas se Nikolai já estava agindo diferente… talvez eu tivesse chance de mudar o final.

Olhei para meu reflexo no espelho mais uma vez. A garota de olhos verdes não parecia tão assustada agora. Talvez fosse isso: eu não precisava ser a vilã. Nem a vítima.

Se eu ia sobreviver aqui, teria que aprender a jogar.

E, pela primeira vez, um sorriso verdadeiro surgiu no rosto de Aurora Blackthorn.

“Beleza. Se é jogo, eu sei blefar.”

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