Máscaras e Veneno

O palácio dos Dávros tinha esse efeito estranho: quanto mais eu caminhava por seus corredores, mais parecia que as paredes cochichavam segredos que ninguém ousava dizer em voz alta. O silêncio não era paz. Era ameaça. Era como estar no tabuleiro de um jogo em que cada passo errado poderia custar a minha vida.

Naquela manhã, fui convocada para o café da família. A mesa era gigantesca, cercada por candelabros de prata e pratos delicadamente alinhados, como se alguém tivesse coreografado até a posição das colheres. E lá estavam eles: Nikolai, sério como sempre, de traje preto impecável; Dmitri, com aquele ar debochado de quem esconde intenções por trás de cada sorriso; e, claro, Lady Evelynn, que parecia presidir a cena como uma rainha gótica.

E, sentada do outro lado da mesa, como se fosse uma pintura viva, estava Isabella Marlowe. A mocinha. A “inocente”. A rival. Vestida em tons claros, cabelos dourados em ondas perfeitas, como se a própria luz do sol tivesse decidido morar nela. O contraste com os Dávros era gritante — e proposital.

“Claro, ela está aqui. Não basta roubar a narrativa, ainda quer o café da manhã junto”, pensei, tentando não revirar os olhos.

— Aurora, sente-se — disse Lady Evelynn, com um aceno calculado. Sua voz não era um convite. Era uma ordem.

Engoli seco e me acomodei ao lado de Nikolai. A proximidade dele ainda me deixava em alerta, como se um simples olhar pudesse atravessar minha pele e encontrar a estranha verdade: que eu não era a Aurora que eles conheciam.

O silêncio durou pouco. Dmitri foi o primeiro a quebrar.

— Parece que o mundo ficou mais interessante com sua volta, Aurora — disse, mordendo um pedaço de pão com descaso. — Achei que não resistiria à pressão.

Sorri com doçura falsa.

— Surpresas acontecem, Dmitri. Talvez você devesse se acostumar.

Ele arqueou a sobrancelha, divertido.

— Tsc. Insolente como sempre. Só espero que não esteja jogando um jogo que não pode vencer.

Nikolai não desviou os olhos do prato, mas a tensão em seu maxilar denunciava que ele prestava atenção em cada palavra. Já Evelynn observava como uma juíza silenciosa.

E então Isabella entrou em cena.

— Eu só fico feliz que Aurora esteja bem. — Sua voz era mel, mas o olhar escondia navalhas. — Esta família já passou por tantas turbulências… seria trágico perder mais alguém.

Ah, a sutileza. Quase soltei uma gargalhada.

— Você tem razão, Isabella — respondi, erguendo minha xícara de chá. — Mas não se preocupe. Não pretendo ir a lugar nenhum tão cedo.

Nikolai ergueu o olhar pela primeira vez. Seus olhos cinzentos encontraram os meus, intensos, avaliadores, perigosos.

— Isso é o que vamos ver.

O café terminou como uma partida de xadrez em que ninguém se levantou vitorioso, mas todos saíram com novas estratégias na manga.

---

Mais tarde, fui arrastada para os jardins pelos corredores de pedra fria. Isabella estava lá, esperando, como se tivesse previsto cada movimento.

— Você mudou — ela disse de repente, o tom mais sério, longe da fachada angelical. — Não sei o que aconteceu, mas não é mais a mesma Aurora que eu conhecia.

“Parabéns, mocinha. Acertou em cheio.”

Cruzei os braços, fingindo descaso.

— Talvez eu só tenha cansado de brincar de vilã e decidi reescrever minha própria história.

Os olhos dela brilharam com algo entre raiva e medo.

— Reescrever histórias tem um preço. E aqui… ninguém foge do destino.

Ela saiu antes que eu pudesse responder, a saia branca arrastando pelo chão como uma sombra de luz. Mas as palavras dela ficaram ecoando. “Ninguém foge do destino.”

---

À noite, Nikolai apareceu em meu quarto. Não bateu na porta. Apenas entrou, como se tivesse todo o direito.

— Você provocou Evelynn hoje — disse, a voz baixa, controlada, mas carregada de eletricidade. — Ela não gosta quando alguém joga fora do script.

Levantei o queixo.

— Talvez seja hora de mudar o roteiro, não acha?

Ele se aproximou lentamente, cada passo pesado como um trovão. Quando ficou perto o bastante, pude sentir o calor do corpo dele, o perfume de especiarias escuras misturado ao perigo.

— Cuidado, Aurora — ele murmurou, o olhar fixo no meu. — Jogar contra Evelynn é como brincar com veneno. E veneno… não perdoa erros.

Meu coração disparou, mas não deixei que ele visse medo.

— Talvez eu tenha aprendido a ser imune.

Por um segundo, juro que vi algo se quebrar no olhar dele. Como se a muralha de ferro que o cercava tivesse rachado levemente. Um lampejo de surpresa, talvez até de… curiosidade.

Ele se afastou de repente, o ar pesado se desfazendo junto com sua presença.

— Vamos ver até onde vai essa sua imunidade.

E saiu, me deixando sozinha com meus pensamentos acelerados.

---

Deitada na cama, encarei o teto, tentando organizar tudo. Evelynn me testava, Isabella me odiava, Dmitri me observava, e Nikolai… bem, ele parecia dividido entre querer me destruir e querer me decifrar.

E no meio disso tudo, havia o Acordo de Sangue. O mistério que podia ser a chave de todo esse jogo.

Eu respirei fundo. Se antes eu tinha medo de ser apenas uma peça descartável nesse tabuleiro, agora eu tinha uma certeza:

Eu não ia ser peça.

Eu ia ser jogadora.

E, custasse o que custasse, não ia deixar que essa história seguisse o roteiro original.

Se a Aurora original tinha sido apenas a noiva descartável do vilão…

Eu seria a mulher que mudaria as regras do jogo.

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Comments

viclinda

viclinda

🤣

2025-09-20

1

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