O Jogo dos Dávros

O silêncio voltou a dominar o quarto assim que Nikolai e Dmitri fecharam a porta. Mas não era um silêncio de paz, era um silêncio pesado, como se as paredes observassem cada respiração minha.

“Beleza, Aurora,” pensei, me encarando no espelho. “Você caiu no pior clichê possível: noiva do vilão. Agora a questão é simples: como não morrer no capítulo trinta?”

Minha mente corria tentando se lembrar dos detalhes da história original. Eu lembrava do enredo geral: Aurora era prometida a Nikolai, mas, cega pelo poder, acabava se tornando arrogante demais. Isso a colocava em rota de colisão com Isabella Marlowe, a mocinha perfeita e sofredora da narrativa.

Resultado? Aurora morria cedo, abrindo espaço para Isabella e Nikolai seguirem a rota do clichê “amor redentor”.

Só que agora eu era Aurora. E não ia dar palco pra mocinha brilhar às minhas custas.

Meus pensamentos foram interrompidos por uma batida firme na porta.

— Senhorita Aurora, — uma voz feminina soou, séria. — Lady Evelynn deseja vê-la.

Arrepios percorreram minha espinha. Lady Evelynn.

A matriarca dos Dávros. No livro, ela era a verdadeira mente por trás do poder da família, sempre manipulando os filhos como peças de xadrez. Uma mulher elegante, fria, e absolutamente perigosa.

“Ótimo. Mal acordei e já vou ter que encarar a sogrinha do inferno.”

Segui a criada por corredores longos e sombrios. O palácio dos Dávros parecia uma mistura de castelo antigo com mansão moderna, cada quadro e cada detalhe respirando arrogância e ameaça. Era o tipo de lugar onde você podia jurar que os olhos das pinturas te seguiam.

A sala de Lady Evelynn era um espetáculo à parte: janelas enormes cobertas por cortinas pesadas, móveis de madeira escura e um perfume forte de rosas misturado com fumaça de vela.

E lá estava ela.

Lady Evelynn não precisava levantar a voz para impor respeito. Sentada em uma poltrona imponente, usava um vestido preto impecável, cabelos grisalhos presos em um coque elegante e olhos azuis penetrantes que pareciam atravessar minha alma.

— Aurora, — ela disse com um sorriso delicado, mas vazio. — Vejo que sobreviveu à noite.

A vontade de responder com sarcasmo quase escapou, mas me contive. Se Nikolai era o vilão, Evelynn era o chefão final.

— Sim, Lady Evelynn, — falei, tentando soar respeitosa. — Estou… me adaptando.

Ela inclinou a cabeça, avaliando cada palavra minha.

— Hm. Adaptando-se. Curioso. A Aurora que conheço não costumava falar em adaptação. Ela acreditava que o mundo deveria se adaptar a ela.

Droga. Peguei no pulo. Eu não era a Aurora original, e essa mulher parecia sentir o cheiro da diferença.

— As coisas mudam, — retruquei, forçando um meio sorriso. — Talvez eu tenha amadurecido.

Os olhos de Lady Evelynn brilharam, como se eu fosse uma carta nova em seu baralho.

— Espero que seja isso, de fato. Afinal, não estamos apenas lidando com um casamento, mas com um acordo de sangue.

A palavra ecoou na minha mente: acordo de sangue.

No livro, eu lembrava vagamente de uma cerimônia estranha, algo que amarrava as famílias em um pacto sobrenatural. Mas não era tão detalhado.

Será que esse era o segredo sombrio que ligava Aurora aos Dávros?

Antes que eu pudesse perguntar, Evelynn se levantou, caminhando até mim com a elegância de uma rainha.

— Quero que entenda, Aurora, — ela sussurrou, tão perto que senti seu perfume enjoativo. — Neste mundo, ou você é predadora… ou presa. E nós, os Dávros, nunca fomos presas.

Ela me olhou fundo nos olhos, e por um segundo eu juro que vi algo se mover lá dentro. Como se não fosse apenas uma mulher. Como se algo… mais antigo e mais escuro habitasse nela.

Meu coração disparou, mas forcei a manter o queixo erguido.

— Então talvez seja hora de eu aprender a caçar, Lady Evelynn.

O sorriso dela se alargou, satisfeito.

— Excelente resposta. Talvez você não seja tão inútil quanto pensei.

Ufa. Primeira rodada: empate técnico.

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Mais tarde, de volta ao meu quarto, sentei na cama tentando organizar os pensamentos.

Ok, recapitulando:

Eu estou no corpo da Aurora Blackthorn, a noiva do vilão.

Nikolai parece desconfiar de que eu não sou a Aurora que ele conhece, mas em vez de me matar… ficou curioso.

Lady Evelynn provavelmente é o verdadeiro demônio dessa história e agora está me testando.

Tem um papo de “acordo de sangue” que pode ser a chave de tudo.

Enquanto eu processava isso, a porta se abriu sem cerimônia.

E lá estava Isabella Marlowe.

Alta, loira, com aquele ar angelical de mocinha perfeita que parece saída de propaganda de perfume. Vestia branco, claro. Porque o clichê nunca falha.

— Aurora, — ela disse com voz doce, mas carregada de veneno. — Vim dar-lhe as boas-vindas de volta.

“Boas-vindas de volta”? Tsc. Essa mulher devia estar rindo por dentro. No livro, Isabella era a favorita da família Dávros em silêncio, como se fosse a candidata óbvia a substituir Aurora.

— Obrigada, Isabella, — respondi, sorrindo como se não quisesse esganá-la. — Sempre tão gentil.

Ela se aproximou, os olhos azuis brilhando de falsa inocência.

— Só espero que esteja pronta para o que está por vir. Esta família… não perdoa erros.

Minha vontade era soltar: “Ah, não se preocupa, querida. Eu já sei como a história acaba, e não vai ser você que vai rir por último.”

Mas engoli as palavras. Ainda era cedo para declarar guerra.

Quando Isabella saiu, deixei escapar um riso nervoso.

Ok. Nikolai, Evelynn, Dmitri, Isabella… Cada um era uma bomba-relógio.

Mas, se eu conseguisse jogar com inteligência, talvez transformasse meu destino.

Eu não precisava ser a vilã. Nem a mocinha.

Eu podia ser a jogadora.

E no xadrez dos Dávros, eu já tinha feito meu primeiro movimento.

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