Capítulo 4 - Trato.

— Vamos fazer assim, criatura… — o imperador ergueu o queixo, a voz carregada de falsa doçura. — Minha proposta é simples: quero que venha comigo para o palácio. Se o fizer, irei parar de caçar o seu povo. Os deixarei em paz.

Koda rosnou, os olhos ardendo de fúria:

— Drenn! — (Ódio).

Aiyra voltou o rosto para ele, a cauda se erguendo em alerta, e respondeu em sua língua, firme, mas suave:

— Neyra shai. — (Calma).

Ela então encarou novamente o imperador, a flecha ainda tensionada no arco.

— Eu não confio em você, humano.

O imperador riu, uma risada baixa e arrogante, os olhos azuis brilhando como lâminas frias.

— Eu prometo, criatura… não atacarei seu povo. — Ele fez uma pausa e ergueu a mão.

Imediatamente, dezenas de soldados levantaram suas armas, apontando para as famílias que estavam logo atrás de Aiyra. — Mas, se você se negar… terei que levá-la à força. E seu clã inteiro será exterminado.

O sorriso dele se alargou, venenoso, ao notar a hesitação em seus olhos.

Aiyra respirou fundo. O peso do arco em suas mãos parecia dobrar. Sua mente se encheu da lembrança do último ataque — das crianças chorando, de Adom carregando os feridos, dos corpos de seu povo queimados no chão. Eles não resistiriam a mais uma carnificina.

Mas se entregar… seria se lançar para dentro da jaula de um predador.

Aiyra baixou o arco lentamente, a tensão do fio soltando como um suspiro. Então ergueu a voz, firme, para que todos de seu povo ouvissem:

— “Povo Katsune, veyra sharu.” — (Povo Katsune, ouçam o espírito).

— “Eu irei com o humano, e vocês ficarão seguros com Raoni e Koda.”

— “Mas não confiem nas palavras desse homem.”

— “Vão para mais fundo da floresta Norte. Minha mãe disse que lá existem mais de nós.”

— “Digam a eles que a última descendente da raposa os chama.”

— “Quando for a hora… venham me buscar. Matem todos os humanos. Só assim ficaremos livres.”

— “Por agora, pela segurança de vocês… eu irei.”

Um murmúrio triste percorreu o clã. Olhos marejados se encontravam com os dela.

Raoni deu um passo à frente, agarrou o braço de Aiyra com força, rosnando em sua língua:

— “Kiyen drah!?” — (Está louca!?) — “E se não voltar viva?"

Aiyra o fitou com serenidade dolorida, as seis caudas ondulando com o vento.

— “É o sacrifício que tenho que fazer pelo bem de todos.”

Ela pousou a mão sobre a dele e completou:

— “Façam o que eu disse… eu confio em vocês.”

Koda e Raoni baixaram a cabeça, derrotados, mas com respeito. Ambos acenaram em concordância, mesmo com os olhos ardendo de raiva e tristeza.

O povo inteiro estava aflito, lágrimas e lamentos misturados ao silêncio pesado. Ao longe, Adom apertava os punhos, o olhar suplicante, negando com a cabeça — mas Aiyra não cedeu.

Ela apenas se virou, firme, encarando o imperador.

Ele sorria como um caçador diante da presa.

— Espero que não estejam planejando nos atacar agora… — disse ele, a voz carregada de deboche e triunfo.

Aiyra ergueu o queixo, a flecha ainda em suas mãos, mas o olhar fixo no homem loiro diante dela.

— Diferente de você, humano… eu não condenaria meu povo a um ataque em desvantagem. — suspirou, as orelhas baixando levemente. — Muito bem… eu irei com você. Mas mantenha sua palavra.

O imperador sorriu satisfeito, os olhos azuis faiscando com prazer cruel.

— Ótima escolha, pequena raposa.

Num gesto, os soldados avançaram. Algemas frias de ferro mágico se fecharam nos pulsos de Aiyra. O som metálico ecoou pela floresta, como o estalar de correntes em um ritual de aprisionamento.

Koda e Raoni rosnaram em uníssono, os olhos faiscando, prestes a se lançar contra os homens. Mas o rugido de Aiyra — um rosnado gutural e autoritário — cortou o ar. Era a ordem da grande líder: não ataquem.

Ambos recuaram, cabisbaixos, orelhas baixas, a fúria tremendo em seus corpos.

Dois soldados começaram a puxar Aiyra pelas correntes, arrastando-a para junto do imperador. Aiyra deu um último olhar para trás. Viu crianças chorando, mulheres abraçadas em pranto, guerreiros de cabeça baixa, vencidos pelo peso da escolha dela.

Adom, incapaz de suportar, rompeu em disparada em direção a ela, gritando:

— AIYRA!

Mas Koda e Raoni o seguraram com firmeza, impedindo-o de avançar. Os olhos de Adom se encheram de lágrimas e ódio, sua cauda branca eriçada como um estandarte de desespero.

Aiyra virou o rosto, sentindo o coração se partir em silêncio. A tristeza crescia dentro dela, queimando como fogo preso, mas sabia que era melhor assim.

Enquanto os soldados a arrastavam, Ayumi observava de longe. Seus punhos cerrados tremiam contra a armadura. Ele sempre desaprovara aquela obsessão do imperador… mas como os demais, era apenas um servo.

E naquela noite, a lua foi testemunha do momento em que a última descendente da Raposa Negra foi levada em correntes para a escuridão do império.

Aiyra caminhava de cabeça baixa, os grilhões pesando em seus pulsos como se carregasse todo o fardo do clã. Atrás dela, soldados marchavam em silêncio, e à frente, o imperador montado em seu cavalo branco a observava com um sorriso satisfeito.

— Aiyra… — ele murmurou, saboreando cada sílaba. — Um nome bonito, diferente… soa agradável, não acha, Ayumi?

— Sim, senhor. — respondeu o guerreiro, mas seus olhos estavam fixos nas costas da jovem raposa, sentindo um peso que não ousava expressar.

O imperador aproximou seu cavalo de Aiyra, os cascos soando fortes contra a terra. Sem aviso, inclinou-se e a puxou com força, erguendo-a pelo braço e acomodando-a em seu colo, à frente da sela.

Aiyra se debateu furiosa, a cauda agitada como uma labareda negra.

— ME LARGUE, HUMANO! — seu rugido ecoou, selvagem e indignado.

O imperador apenas riu, apertando-a contra si. Mas no instante seguinte, sentiu a dor aguda da mordida: as presas afiadas de Aiyra cravaram fundo em seu braço, atravessando a pele e rasgando carne.

— Senhor?! — Ayumi avançou alarmado, a mão na espada. Os guardas cercaram, tensos, prontos para matar a raposa se fosse necessário.

Mas o imperador não gritou. Ele riu. Um riso baixo e perverso.

— Selvagem… demais. — disse, encarando os olhos dourados da raposa que rosnava, ainda presa a seu braço. — Uma coleira vai lhe servir muito bem.

Ele baixou o tom, a voz carregada de ameaça.

— Pare com isso… ou eu desfaço nosso acordo.

As palavras atingiram Aiyra como uma lâmina. Seus olhos se arregalaram. A imagem de seu povo ainda nas clareiras da floresta, vulneráveis, encheu sua mente. Se ela insistisse, eles seriam massacrados.

Devagar, ela soltou o braço ensanguentado. Cuspiu o sangue com nojo, virando o rosto para o lado, encarando o vazio da estrada. Seus olhos queimavam de ódio, mas estavam úmidos pela dor de ceder.

O imperador sorriu satisfeito, o ferimento pingando sangue sobre suas vestes luxuosas.

— Ótimo… já está começando a entender.

Ayumi a observava em silêncio, o coração pesado. Havia pena em seu olhar, mas também impotência.

O imperador limpou o sangue do braço com a própria mão e riu novamente.

— Devia estar feliz, pequena raposa. Estou poupando você de andar até o palácio.

Aiyra não respondeu. Seus olhos permaneceram fixos na estrada diante dela, negros como a noite e cheios de ódio contido.

 

Ao cruzar os grandes portões de ferro, Aiyra foi tomada por uma onda de cheiros que a confundiam. O aroma adocicado dos perfumes, o tempero das comidas e até o metal das armaduras misturavam-se em seu olfato aguçado. Mas havia algo que se sobressaía a todos os outros: o cheiro acre e sufocante da pólvora. Ele invadia suas narinas como veneno, enjoando-a a cada respiração.

O imperador ainda a segurava colada contra o próprio corpo. Aiyra se contorcia, tentando se afastar, mas quanto mais ela lutava, mais firme ele a prendia, rindo baixo, como se saboreasse sua repulsa.

A cada passo dos cavalos dentro do pátio, dezenas de humanos se amontoavam para ver a cena. Murmúrios ecoavam por todos os lados:

— É uma criatura do norte…

— Olhem suas orelhas! A cauda!

— Ele a trouxe viva…

Os olhos curiosos, invejosos e amedrontados pesavam sobre Aiyra como correntes invisíveis. Sua cauda se agitava em irritação, e seus olhos ardiam de ódio.

O imperador, percebendo o desconforto dela, apenas sorriu com mais satisfação. Quando os cavalos finalmente pararam diante da escadaria principal, Aiyra tentou descer sozinha. Mas, antes que seus pés tocassem o chão, ele a puxou de volta para o colo como se fosse um troféu.

— Você não precisa se apressar, pequena raposa. — disse em tom debochado, os olhos faiscando prazer em ver a resistência dela.

Aiyra o encarou com os olhos estreitos, cheios de veneno. Mas nada disse. Sabia que, por ora, não podia lutar.

Ayumi, atrás deles, observava tudo com um peso no coração. Ele suspirou longo, como quem gostaria de intervir, mas não podia. Seus olhos sempre recaíam sobre Aiyra, como se tentassem lhe passar um pedido silencioso de perdão.

Dentro do palácio, os corredores eram imensos, decorados com tapeçarias douradas e candelabros que refletiam a luz em milhares de pontos. Os servos se curvavam ao imperador assim que ele passava, sem ousar erguer o olhar.

Aiyra, no entanto, ergueu o seu. Seus olhos felinos percorreram cada detalhe: os vitrais coloridos, os símbolos gravados em pedra, as paredes impregnadas de incenso. O cheiro era sufocante, pesado, quase insuportável para quem vinha da pureza da floresta.

O imperador notou o olhar atento da raposa. Seu sorriso se abriu ainda mais.

— Gostou? — perguntou, provocativo.

Aiyra desviou o olhar imediatamente, baixando os olhos em silêncio.

Para os servos, parecia submissão.

Para ele, parecia o início da vitória.

Mas para ela, era apenas a máscara que escolheu usar até que chegasse o momento certo.

Passos apressados ecoaram pelo corredor, aproximando-se em direção ao imperador. Antes mesmo de ver quem vinha, Aiyra sentiu o forte cheiro de perfume adocicado invadir suas narinas. O odor era tão intenso e enjoativo que ela instintivamente levou a mão ao nariz, franzindo a testa.

Logo surgiu diante deles uma mulher, trajada em um quimono luxuoso, os olhos carregados de desdém. Ela parou diante do imperador, mas seus olhos se fixaram em Aiyra como lâminas.

A raposa estreitou os olhos, baixando a voz em sua língua nativa:

— “Ela fede.” — murmurou, fazendo uma careta visível.

O imperador percebeu e deixou escapar um riso breve, divertido com a afronta.

A mulher, sem entender as palavras, mas captando o gesto, franziu ainda mais o rosto.

— Por que, senhor, está segurando algo tão… nojento? — perguntou com veneno. — Era isso que o levou a sair apressado nesta manhã? Uma criatura imunda?

O corredor ficou em silêncio. Os servos não ousavam respirar.

O imperador girou o rosto lentamente em direção a ela. Seu sorriso havia sumido; o olhar era frio, afiado como uma lâmina.

— Isso não é da sua conta. — disse em tom neutro, quase gelado, e prosseguiu o caminho, ignorando-a por completo.

Aiyra, ainda com a mão cobrindo o nariz, desviou o olhar, enjoada pelo perfume que parecia impregnar o ar. Seu instinto dizia que aquela mulher seria mais uma inimiga dentro das muralhas douradas.

— Me solte, humano. Eu sei andar sozinha! — rosnou Aiyra, o tom baixo, carregado de raiva.

O imperador sorriu com desdém.

— Só irei soltá-la quando for exatamente onde quero.

Aiyra estalou a língua num “tsk” quase inaudível; suas orelhas se mexeram, captando passos discretos. Virou levemente o rosto e viu Ayumi aproximar-se. O olhar dele encontrou o dela — firme, penetrante. Era como se Aiyra estivesse lendo o homem, estudando cada detalhe dele.

 Ayumi, talvez sem saber porquê, esboçou um sorriso contido. Ela, por sua vez, desviou o olhar, voltando a encarar o caminho à frente.

Os cheiros do palácio eram sufocantes: pólvora, perfumes, óleo queimado das lamparinas. Aiyra sentia o estômago revirar, o corpo fraco, como se fosse desmaiar a qualquer instante.

Foi então que uma voz masculina ecoou:

— Vossa majestade… Vejo que conseguiu. E não qualquer uma, mas a raposa negra…

Aiyra ergueu os olhos, fixando-os no homem com puro ódio. O desconhecido sorriu em resposta, fascinado pelo brilho selvagem daquelas pupilas amarelas.

O imperador, sem dar importância à reação dela, empurrou a porta de um quarto. Ali dentro, o ar era mais limpo, mas a sensação de prisão era ainda mais opressora. Ele finalmente a soltou no chão de madeira polida.

Aiyra, desconfiada, ergueu a sobrancelha ao ver o outro homem se aproximar com uma caixa de ferro. O imperador abriu-a lentamente, como quem exibe um troféu. Dentro, repousava a coleira metálica, fria e cruel em sua simplicidade.

Antes que Aiyra pudesse recuar ou reagir, o imperador agarrou-lhe o pescoço e prendeu a coleira ao redor. O som metálico ecoou no quarto como uma sentença.

Ela não gritou, não resistiu. Apenas levou os dedos até o aro gelado que agora envolvia sua garganta. Seu olhar, porém, ardia em fúria.

O imperador ergueu o queixo, satisfeito.

— Agora sim… você é minha propriedade.

Aiyra não respondeu. Seus olhos amarelos faiscavam em silêncio. Quando ele levantou a mão para tocá-la, ela deu um passo para trás, rosnando baixo:

— Já me tocou demais por hoje, humano.

O imperador riu, recuando a mão como quem se diverte com a ousadia de uma presa.

— Certo, certo… mas como hoje estou generoso, deixe-me explicar. Essa beleza em seu pescoço… é sua nova prisão.

Aiyra franziu a testa, desconfiada.

— O que você quer dizer?

O sorriso dele se alargou.

— Essa coleira impede que você se transforme. Ou use qualquer poderzinho da sua espécie. Você é só… uma mulher agora.

Aiyra arregalou os olhos, o coração disparando.

— O quê?! Eu tenho que me transformar…!

— Não. — ele a interrompeu, quase rindo. — Eu prefiro não correr riscos.

— Seu desgraçado! — ela rosnou, avançando um passo. — Eu vou te matar!

No mesmo instante, a coleira brilhou em um tom vermelho e descarregou uma onda de choque. O grito de Aiyra cortou o quarto. Ela caiu no chão, o corpo tremendo, a respiração falhando. Tossiu, tentando se recompor, enquanto o imperador gargalhava.

— Olha só… funciona perfeitamente!

Do outro lado, Ayumi cerrou os punhos. Cada fibra do seu corpo queria correr até ela, ajudá-la a se levantar. Mas ele permaneceu imóvel, o rosto duro, escondendo a raiva e a pena que sentia.

O imperador puxou Aiyra pelo braço, arrastando-a até o centro do quarto. Com brutalidade, prendeu uma das pernas dela ao chão com uma corrente de ferro.

— Boa estadia, raposa. — disse com frieza. — Por agora ficará aqui. Mas… se se comportar, talvez eu permita que caminhe pelos corredores.

Ele soltou uma última risada debochada antes de sair, acompanhado de seus homens.

A porta se fechou com estrondo, e o quarto mergulhou em silêncio.

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