Pouco tempo depois, os portões pesados do salão se abriram. Um homem baixo, de cabelos desgrenhados e olhar inquieto, adentrou apressado. Carregava uma pequena caixa de madeira marcada por símbolos estranhos.
O imperador se endireitou no trono, os olhos brilhando com antecipação.
— Ruda… espero que tenha feito o que lhe pedi.
O inventor se curvou profundamente.
— Claro, meu senhor. Mas como avisei antes… precisamos de um híbrido para saber se o artefato funciona de fato.
O imperador inclinou a cabeça, um sorriso predatório se abrindo em seus lábios.
— Oh… isso logo acontecerá.
Ruda abriu a caixa com cuidado. Dentro, repousava uma espécie de coleira de metal negro, gravada com runas vermelhas que pulsavam como brasas vivas. Ele a ergueu, o brilho sinistro refletindo no salão.
— Tive a ajuda do feiticeiro imperial para a construção, meu senhor. É mais que uma coleira: ela liga o espírito do portador ao encantamento, forçando a obediência.
O imperador soltou uma gargalhada grave, quase animalesca.
— Perfeito… absolutamente perfeito.
Ruda manteve-se de cabeça baixa, mas não conseguiu esconder o orgulho em sua voz.
— Só precisamos testar… e, então, qualquer raposa se curvará como um cão domesticado.
O imperador se levantou, descendo um degrau de seu trono e passando os dedos pelo metal frio da coleira.
— Excelente trabalho, Ruda.
Ele então se virou para Ayumi.
— Onde exatamente as patrulhas foram atacadas?
— No lado norte da floresta, senhor.
O sorriso cruel voltou ao rosto do imperador.
— Ótimo.
Ele ergueu a coleira, o reflexo vermelho das runas iluminando seus olhos sombrios.
— Logo mais… testaremos sua invenção. E veremos se é possível domesticar uma raposa.
O salão mergulhou em silêncio, apenas o riso do imperador ecoando, como uma promessa de tormento.
Ruda segurava a coleira com reverência, o metal sombrio refletindo as tochas do salão.
— Esta peça não só força a submissão, meu senhor. — disse ele, a voz grave. — Ela também impede a transformação para a forma de raposa. Assim, não haverá perigo algum dessas feras resistirem.
O imperador inclinou-se para frente, os olhos azuis brilhando como gelo partido. Um sorriso lento se formou em seus lábios.
— Ótimo…
Ele passou os dedos pelo metal frio, quase acariciando-o como se fosse uma joia rara.
— E eu já sei exatamente qual monstro usará essa coleira primeiro.
Seus pensamentos voaram até a lembrança da jovem de olhos amarelos e cauda negra que vira naquela noite. A filha de Shai. A raposa de seis caudas.
O sorriso dele se alargou.
— Que comece a caçada.
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No coração da floresta, em contraste, Aiyra permanecia no alto de uma montanha. O vento frio da noite brincava com seus longos cabelos negros, fazendo-os dançar como sombras vivas. Suas orelhas se mexiam em alerta, captando cada ruído da floresta.
— Koda… sei que está aí.
Do nada, uma risada suave ecoou. Koda surgiu das árvores, cruzando os braços.
— Suas habilidades estão melhorando, grande líder.
Aiyra sorriu, um brilho orgulhoso em seus olhos dourados.
— Aprendi com a melhor raposa que já conheci… — murmurou, lembrando-se de Shai.
Seu olhar desceu para a vila ao pé da montanha. Crianças corriam, gargalhando ao redor da fogueira, enquanto os adultos compartilhavam a caça do dia. Um calor suave a tomou por dentro, misturado à dor da ausência.
— Farei qualquer coisa para manter minha promessa. Eles vão estar seguros. Sempre.
Koda a observou em silêncio, até finalmente se aproximar.
— Eu irei ajudá-la, sempre. Você nunca estará sozinha, grande líder.
Aiyra sorriu de leve, balançando suavemente sua cauda negra.
— Mas escute bem, Koda… se eu ordenar que você fuja com nosso povo, você irá. Prometa que irá protegê-los, mesmo que me deixe para trás.
O silêncio pesou no ar. Então, Raoni surgiu de trás de uma pedra, os olhos verdes faiscando.
— Isso também vale para mim, Grande líder?
Ela os fitou, um sorriso triste emoldurando seu rosto.
— Vale para vocês dois. O clã é mais importante do que eu.
Koda suspirou, resignado, mas firme.
— Assim será, grande líder.
Aiyra voltou o olhar para o horizonte, onde a lua cheia iluminava a vastidão da floresta. Seus olhos brilharam com determinação.
— Eles são minha família… e eu lutarei até o fim por cada um deles.
O vento soprou forte, como se carregasse sua promessa até os céus.
Na manhã seguinte Adom passava o pente com calma pelos fios negros como a noite. O silêncio era leve, só quebrado pelo canto distante dos pássaros e pelo barulho das crianças lá fora.
— Seus cabelos são como o luar refletido no rio, — disse ele em tom baixo, quase como se falasse consigo mesmo.
Aiyra sorriu de leve, os olhos ainda fixos no chá. — Você fala como um poeta, Adom.
— Talvez seja só o coração de um curandeiro, — respondeu ele com um pequeno riso. — Estamos sempre tentando ver beleza até nas feridas.
Aiyra ergueu os olhos, por um instante séria. — E você vê beleza nas minhas?
Adom parou o movimento por um segundo, olhando para o reflexo dourado dos olhos dela. — Nas suas feridas… vejo força. Vejo a filha de Shai, a raposa que carrega o peso do clã.
Ela desviou o olhar, apertando o copo entre as mãos. — Às vezes sinto que não vou suportar.
Ele então tocou suavemente a cauda dela, como se fosse parte do gesto de conforto. — Você não precisa suportar sozinha. Tem a mim… tem a todos nós.
Aiyra respirou fundo, deixando um sorriso pequeno escapar. — Obrigada, Adom.
O momento era simples, mas tinha algo sagrado nele: o toque, a confiança, o cuidado. Era como se, por alguns minutos, o mundo não estivesse em chamas.
Adom finalizou o penteado com cuidado, amarrando os longos cabelos negros de Aiyra em um rabo de cavalo baixo. Um laço branco segurava os fios.
— Pronto — disse ele com um sorriso suave.
Aiyra passou a mão pelo cabelo e sorriu de volta.
— Obrigada, Haru. (Haru - irmão de clã).
— Termine seu chá — insistiu Adom, apontando com o queixo para o copo.
Ela levou o líquido aos lábios, quando a porta se abriu com força. Um ancião do clã entrou, ofegante.
— Senhora… cavaleiros do Império!
Aiyra se levantou de imediato. O olhar sério pousou em Adom.
— Não saia daqui.
Ele apenas acenou em obediência, enquanto ela pegava o arco e a aljava. A respiração estava pesada; seu corpo ainda fraco pelas transformações frequentes, mas sua determinação era inabalável.
Do lado de fora, Koda e Raoni já a aguardavam. Eles a seguiram em silêncio, as caudas tremulando como sombras vivas.
Aiyra se escondeu atrás de uma árvore, os ouvidos atentos. O primeiro som de passos ecoou. Ela ergueu o arco, a flecha voou certeira, e o soldado tombou sem emitir um grito.
Mais guerreiros surgiram da mata, erguendo suas armas. O ferro reluzia contra a penumbra.
Foi então que Ayumi avançou, descendo de seu cavalo. Seus olhos se arregalaram por um instante ao encarar a raposa diante dele. Os olhos amarelos de Aiyra brilhavam com ódio, mas sua beleza selvagem o paralisou por um instante. Belíssima, pensou ele, sem conseguir negar. Uma criatura feita de mistério e poder.
Um riso ecoou atrás.
— Finalmente nos vemos.
O imperador emergiu das sombras das árvores, com o sorriso vitorioso de quem acreditava ter vencido apenas por estar ali.
— Eu vim em paz — disse, espalhando as palavras como veneno doce. — Tenho uma proposta para você… criatura.
Aiyra apertou o arco com força, os olhos faiscando.
— Não quero nada de você, humano.
O riso do imperador ecoou pelo bosque como se zombasse da própria morte.
Aiyra não se moveu. A flecha permanecia firme, tensionada no arco, apontada diretamente para o coração dele.
— Juro perante os deuses — disse ele, com a voz calma demais para o momento — que não irei tocar em você. Posso, ao menos, contar minha proposta… se abaixar isso.
Aiyra franziu a testa, os olhos dourados faiscando. Atrás dela, Raoni rosnava baixo, o som grave reverberando como trovão contido. Os soldados recuaram um passo instintivo, o medo escorrendo em seus rostos. Para eles, não havia dúvida: estavam diante de feras selvagens.
— Hmph… — o imperador passou a mão pelo queixo, num gesto debochado, ignorando o risco da flecha. — Muito bem, vou dizer assim mesmo. Mesmo você mirando sua arma contra mim.
O sorriso dele cresceu, cínico, carregado de algo mais do que simples interesse. Seus olhos azuis deslizaram por Aiyra, admirando cada detalhe como se ela fosse um prêmio raro.
Aiyra rosnou em resposta, os lábios curvados num meio-sorriso feroz, denunciando desprezo e ódio.
Do lado, Ayumi observava em silêncio. Seu peito subia e descia, pesado. Havia um respeito involuntário queimando em seus olhos. Admirava a coragem daquela raposa… mas também sua beleza mística, impossível de ignorar.
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Atualizado até capítulo 26
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