O bolo de frutas foi cortado em pedaços generosos. O cheiro doce ainda se espalhava pelo ar quando minha tia, colocou a fatia diante de mim, sorrindo.
Me sentei, percebi o olhar atento de tio Miguel. Ele ainda não havia tirado os olhos da pulseira no meu braço, mas dessa vez parecia estar esperando o momento certo para falar. Ele limpou a garganta, endireitou-se na cadeira e assumiu aquela postura que eu já h bem demais. Era seu "modo sério", como eu costumava pensar.
— Bruna — começou ele, entrelaçando os dedos sobre a mesa —, agora que você completou dezoito anos, é hora de conversarmos sobre assuntos mais... adultos. Sua tia e eu tivemos longas conversas sobre seu futuro. E chegamos à conclusão de que está na hora de você conhecer alguém apropriado.
Senti meu estômago dar um nó. Onde essa conversa queria chegar?
— Como assim, tio Miguel? — perguntei, tentando manter a voz firme.
E falou.
— Agora que completou dezoito anos, é hora de pensarmos no seu futuro.
Olhei para ele, desconfiada.
— Meu futuro? — repeti, tentando entender aonde queria chegar.
Minha tia pigarreou, ajeitando-se na cadeira ao lado dele.
— Sim, querida. — Ela tentou sorrir, mas a expressão parecia forçada. — Seu tio e eu conversamos com o pastor João. Achamos que seria bom para você ter um pretendente.
Minha colher parou no meio do caminho.
— Um... pretendente? — repeti, incrédula.
— Exato — respondeu tio Miguel, firme. — Um rapaz decente, trabalhador, da família de um amigo do pastor João. Gente séria, valores corretos. Ele tem trinta e cinco anos, está estabelecido e procura uma esposa honesta para construir uma família.
Meu coração disparou de indignação.
— Mas eu não pedi isso! — soltei, a voz mais alta do que deveria.
Minha tia franziu o cenho, tentando me acalmar.
— Bruna, não precisa reagir assim. Nós só queremos o melhor para você.
— O melhor? — perguntei, sentindo a raiva queimar dentro de mim. — O melhor seria me deixar escolher o que eu quero!
Tio Miguel apoiou as mãos pesadas sobre a mesa, inclinando-se para a frente.
— Escolher? — repetiu com ironia. — Você mal saiu da infância, menina. O mundo lá fora está cheio de homens que não prestam, que só querem usar e depois jogar fora. Não vou permitir que estraguem sua vida.
— E a solução é me entregar para alguém que nem conheço? — retruquei, sem conseguir conter a indignação. — Isso não faz sentido!
O olhar dele se estreitou, severo.
— Faz sentido, sim. — Sua voz era como um trovão contido. — O rapaz é confiável, e sua tia e eu já conversamos com a família dele. Queremos garantir que você tenha estabilidade e respeito.
— Respeito não se arranja em conversas de família! — rebati, apertando a pulseira no meu pulso sem perceber. — Respeito se conquista. Amor se conquista. Eu não vou aceitar ser negociada como se fosse um objeto!
Um silêncio pesado caiu na mesa. Minha tia respirou fundo, tentando aplacar o clima.
— Bruna, não estamos te negociando...
— Está, sim — interrompi, firme, mesmo com a garganta apertada.
Minha tia se mexeu desconfortável na cadeira, mas acenou em concordância.
— Ele é um bom homem, Bruna. Educado, a mãe dele vai à igreja todos os domingos...
— Não me interessa, tia.
Tio Miguel interviu com gravidade.
— O pastor João conhece a família há anos. São pessoas íntegras, conservadoras, que criaram o filho com os mesmos princípios que nós valorizamos.
Senti o sangue subir à cabeça.
— Vocês estão brincando comigo? — minha voz saiu mais alta do que pretendia. — É o meu aniversário de dezoito anos! Acabei de fazer dezoito anos e vocês já querem me empurrar para alguém que eu nem conheço?
— Bruna, abaixe a voz — advertiu tio Miguel, franzindo o cenho. — Não é questão de empurrar. É questão de orientar você para uma escolha sensata.
— Sensata? — repeti, incrédula. —Vocês decidiram meu futuro sem me perguntar nada.
Tio Miguel bateu a mão na mesa, fazendo o prato de bolo tremer.
— Cuidado com as palavras, menina. — Seus olhos faiscavam de raiva contida. — Acha que pode desafiar quem só quer o seu bem?
Eu o encarei, sentindo as lágrimas arderem nos olhos, mas me recusei a abaixar a cabeça.
— O meu bem sou eu quem sei — respondi, a voz firme apesar do nó na garganta.
— Não importa. O que importa é que o filho da senhora Lisboa é uma escolha segura. Ele pode oferecer estabilidade, respeito, um futuro sólido.
Levantei-me da cadeira, sentindo as lágrimas se formarem nos meus olhos.
— Eu não quero estabilidade! Não agora! Quero viver, experimentar, descobrir quem sou antes de me amarrar a qualquer pessoa!
— Descobrir quem você é? — tio Miguel riu com desdém. — Você é uma jovem de família tradicional, criada com valores cristãos. Isso é quem você é. E o rapaz compartilha desses mesmos valores.
— Vocês não podem fazer isso comigo — murmurei, a voz tremendo de raiva e desespero. — Não podem simplesmente decidir com quem vou me casar como se fosse uma boneca sem vontade própria.
Minha tia se aproximou, tentando me acalmar.
— Bruna, querida, pelo menos conheça o rapaz antes de rejeitar a ideia.
— O mal é que vocês estão tirando minha liberdade de escolha! — explodi. — E se eu já gosto de outra pessoa? E se já tenho alguém em mente?
Os olhos de tio Miguel se estreitaram perigosamente.
— Tem? Tem alguém em mente, Bruna?
Senti meu coração acelerar. Pensei nos três vizinhos, mas não podia contar nada disso.
— Não é isso... eu só... eu só quero ter o direito de escolher quando e como isso vai acontecer.
— O direito de escolher mal, você quer dizer — ele retrucou. — Bruna, você pode confiar em nós. O pastor João conhece o rapaz desde criança. Temos certeza que ele é exatamente o tipo de homem que pode te fazer feliz.
— Como vocês podem saber que tipo de homem me faria feliz se nem eu sei ainda?
O silêncio que se seguiu foi pesado, carregado de tensão. Minha tia olhava do marido para mim, claramente dividida.
— A reunião já está marcada — ele disse finalmente, com voz firme. — Domingo que vem, após a missa. A família Lisboa virá almoçar aqui. Você vai conhecê-lo, vai conversar educadamente e vai dar uma chance para essa amizade se desenvolver.
— E se eu me recusar?
— Você não vai se recusar — a voz dele soou como uma sentença final. — Porque você é uma moça bem educada que respeita os mais velhos e confia em quem quer o seu bem.
Olhei para minha tia, esperando algum apoio, mas ela apenas baixou os olhos.
— Tia? — implorei silenciosamente.
— Ele é realmente um bom rapaz, Bruna — ela disse em voz baixa. — E você... você precisa de alguém que te proteja das... influências erradas.
Minha tia tentou segurar a minha mão, mas eu a retirei delicadamente.
— Eu vou para o meu quarto — anunciei, tentando controlar a voz.
Fechei a porta do quarto atrás de mim e me joguei na cama.
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Atualizado até capítulo 21
Comments
Lucy
Um capítulo melhor que o outro 👏
2025-09-23
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Julia
Caramba vamos ver que rumo isso vai dar
2025-09-23
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