Enquanto Gael afogava sua fúria em uísque, Sérgio Montfleur sentava-se na quietude de seu próprio domínio, analisando a mesma crise com a frieza de um patologista examinando um cadáver. Seu escritório, no andar financeiro, não tinha a ostentação tradicional de Gael nem a vista imperial de Yaruan. Era um ambiente de controle absoluto. As paredes eram de um cinza-claro, adornadas não com mapas ou fotos de família, mas com obras de arte abstrata que eram, antes de tudo, investimentos sólidos. A única planta era uma orquídea branca solitária, perfeitamente simétrica. Não havia um único papel fora do lugar. O ar cheirava a nada, purificado ao extremo.
Em sua tela, não havia um holograma vistoso, mas uma cascata de números e gráficos de linhas. Custos de combustível, taxas portuárias, flutuações cambiais, o preço das ações da Montfleur Global que havia subido 1.7% nos trinta minutos após o anúncio da solução de Yaruan. Sérgio observava os dados com uma concentração impassível, seus dedos longos e finos pairando sobre o teclado.
Ele não sentia a raiva quente de Gael. Raiva, para Sérgio, era uma emoção grosseira, ineficiente. Um desperdício de energia. O que ele sentia era uma mistura complexa de admiração relutante e desprezo calculado. A jogada de Yaruan, ele admitia para si mesmo, fora brilhante em sua audácia. Tinha o toque de um jogador de pôquer que vai all-in com um par de setes e faz a mesa inteira acreditar que ele tem um royal flush. Funcionou. Desta vez.
Mas Sérgio via as rachaduras que ninguém mais via. Ele via o custo exorbitante do transporte ferroviário emergencial, um número que Yaruan convenientemente omitira de sua apresentação triunfante. Ele via o capital político gasto com o governo tailandês, um favor que não poderia ser pedido novamente por pelo menos uma década. E, o mais importante, ele via a arrogância. Yaruan não havia resolvido uma crise; ele havia dançado na beira de um abismo e, por pura sorte e exibicionismo, não caiu. Ele expôs uma rota logística alternativa vital, um segredo que deveria ter sido guardado para uma crise muito maior. Agora, todos os seus concorrentes sabiam daquela carta na manga.
Sérgio tomou um gole de seu café espresso, amargo e sem açúcar. Ele olhava para seus irmãos como um mestre de xadrez observando dois amadores. Gael era a Torre: forte, direto, movendo-se apenas em linhas retas, incapaz de qualquer sutileza. Sua raiva o tornava previsível, quase patético em sua fúria. Um peão glorificado. Yaruan era o Cavalo: imprevisível, saltando sobre os outros, com movimentos que confundiam os oponentes menos atentos. Perigoso, sim, mas seu caminho não era linear e sua arrogância o deixava exposto a armadilhas bem planejadas.
Sérgio via a si mesmo como a Rainha. Capaz de se mover em qualquer direção, controlando o tabuleiro inteiro a partir do centro. Seu poder não estava na força bruta ou em lances espetaculares, mas em uma teia de influência e controle financeiro que se estendia por toda a Montfleur Global e além. Seus movimentos eram silenciosos, muitas vezes invisíveis, até o momento do xeque-mate.
Ele pensava no plano que vinha tecendo lentamente nos últimos meses, uma obra-prima de engenharia financeira. Não era sobre sabotar freios de carro. A ideia era tão tosca, tão típica de Gael. A violência física era suja e deixava rastros. A verdadeira destruição, a aniquilação completa, acontecia nos balanços, nos livros contábeis, nos sussurros nos ouvidos de auditores e reguladores.
Com alguns cliques, ele abriu uma série de arquivos criptografados. Eram estruturas de empresas de fachada em paraísos fiscais, contas numeradas, transações em pequena escala que, isoladamente, não significavam nada. Mas, juntas, formavam uma trilha. Uma trilha falsa, é claro, mas impecavelmente lógica, que ele estava construindo pacientemente. Uma trilha que, quando "descoberta", levaria diretamente ao escritório de Yaruan. A acusação seria fraude, desvio de fundos para projetos pessoais, traição da confiança do conselho.
A jogada de mestre de Yaruan na crise de Singapura, na verdade, ajudava o plano de Sérgio. O custo da operação, que Yaruan havia escondido, criaria um buraco nos relatórios trimestrais. Um buraco que Sérgio poderia, com alguma manipulação criativa, ampliar e atribuir às supostas atividades ilícitas de seu irmão. A arrogância de Yaruan seria a pá com a qual ele cavaria a própria cova.
Sérgio olhou para o relógio. Era hora de sua reunião semanal com o chefe do departamento de auditoria interna, um homem cauteloso e vaidoso que Sérgio controlava não com ameaças, mas com informações privilegiadas sobre ações e um fluxo constante de elogios à sua "diligência". Hoje, Sérgio não faria nada drástico. Ele apenas plantaria uma semente. Uma pequena dúvida.
— Eu só estou preocupado, Mário — diria ele, com um ar de confidência e preocupação fraterna — Yaruan é um gênio, todos nós sabemos, mas essas operações de alto risco... Eu só quero ter certeza de que todos os nossos controles financeiros estão sendo rigorosamente seguidos. Talvez devêssemos fazer uma revisão extra nos projetos de alto custo. Apenas para proteger a empresa. Para proteger meu irmão.
A semente estava plantada. Mário, querendo provar seu valor, começaria a cavar. E Sérgio garantiria que ele encontrasse exatamente o que ele queria que fosse encontrado.
Ele fechou os arquivos, e sua tela voltou a exibir os gráficos de mercado. Para qualquer um que entrasse, ele era apenas o Diretor Financeiro, calmamente monitorando os ativos da empresa. Ninguém veria a teia sendo tecida. Ninguém ouviria o som suave da armadilha se fechando.
Diferente de Gael, Sérgio não queria ver Yaruan morto. Isso seria um desperdício de um bom ativo. Ele queria vê-lo arruinado, humilhado. Queria ver o dia em que o conselho, e principalmente seu pai, se voltaria para Sérgio, o filho estável, o estrategista silencioso, e finalmente o reconheceria como o verdadeiro e único herdeiro do império Montfleur. Ele tomou o último gole de seu café. A paciência, ele sabia, era a mais letal de todas as armas. E ele tinha toda a paciência do mundo.
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Atualizado até capítulo 49
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