O frio parecia distante de dar uma trégua. Dentro do quarto 202, o ambiente estava aquecido apenas pelo calor das duas garotas e pelo silêncio quebrado pelo tique-taque do velho relógio na parede.
— Eu não aguento mais isso. — reclamou Irina, enquanto arrumava os pertences e ajustava o uniforme. Helena observava cada movimento da amiga em silêncio.
— Três semanas, Lena. — disse Irina, sem olhar para ela, enquanto calçava as botas. — Três semanas e eu estarei fora daqui.
Helena suspirou, inclinando-se na cama, o olhar fixo na amiga.
— Sei… você vai… se sentir bem, não é?
Irina sorriu de lado, um brilho travesso nos olhos.
— Claro. Desse lugar só vou sentir falta de você. — Sorriu. — E você? Você também vai estar fora em seis meses. Já pensou nisso? — Completou Irina
— Sim… mas ainda faltam meses — respondeu Helena, tentando não demonstrar a tristeza que a consumia. — Parece tão distante… Vou sentir muito a sua falta.
Irina inclinou a cabeça, observando-a com curiosidade.
— E o seu futuro, Lena? A sua mãe já deve ter pensado em tudo! — Pausou. — Mas, se ela não vier buscá-la, me ligue e eu venho com o meu irmão.
— Seu irmão? — Helena ergueu as sobrancelhas, surpresa.
— Dimitri, claro. — disse Irina, sem perder a compostura, mas com aquele leve sorriso divertido que só ela conseguia fazer. — Quando sair, vai conhecer homens, Lena. Homens de verdade, não só as ilustrações dos livros.
— Eu sei disso.
— Quem sabe você e o Dimitri não acabam se dando bem… hã… você entende?
— Melhor não entender. — disse Helena baixinho, rindo levemente.
— Escute, Lena. — começou Irina, mudando o tom. — Você pode contar comigo. Sempre terei um lugar seguro para você. Se não gostar do que a sua mãe reservou, me ligue.
Helena acenou com a cabeça, absorvendo as palavras. Apesar de não conhecer o mundo lá fora, sentiu um conforto sutil. Ter Irina e, provavelmente Dimitri ao lado, mesmo que de forma indireta, era mais do que poderia pedir.
Os dias seguintes passaram rápido. O internato mantinha sua rotina rigorosa, treinos de autodefesa, aulas de dança para Helena, estratégias táticas e longas horas de estudo. O isolamento reforçava a disciplina, mas também criava uma espécie de bolha de segurança onde as duas amigas se apoiavam.
Helena observava Irina durante os exercícios, admirando a confiança e determinação que ela possuía. Por outro lado, Irina não parecia impressionada com nada, apenas analisando, sempre racional. A cada passo, a cada movimento, a amizade entre elas se fortalecia, silenciosa, quase instintiva.
Finalmente, o dia da partida de Irina chegou. O sol estava fraco, refletindo nas ruas ainda cobertas de neve. Helena esperava no pátio, o coração apertado. Irina ajustava a mala, sua expressão tranquila, mas com um brilho de antecipação no olhar.
— Chegou a hora. — disse Irina, colocando a mala no chão.
De repente, a porta do quarto se abriu com um rangido. Uma das funcionárias do internato entrou, o olhar severo repousando sobre Irina.
— Hora de ir, senhorita Usoian. O transporte está esperando.
— Espera! — Irina ergueu a voz, virando-se para Helena. — Posso levar a Lena comigo? Só até a porta.
A funcionária balançou a cabeça, firme.
— Não é permitido. Apenas a aluna que está saindo pode se aproximar do portão.
Irina estreitou os olhos, respirando fundo, tentando manter a calma.
— Por favor… estamos juntas há treze anos. Eu só quero me despedir da minha amiga. Ela só vai até a porta comigo, prometo. Qual é? Hoje é o meu aniversário.
A funcionária hesitou, mas por fim assentiu, soltando um suspiro.
— Muito bem, mas apenas até a entrada.
Helena sorriu, segurando firme a mão da amiga enquanto seguiam pelo corredor, sentindo o peso da despedida se misturar com a ansiedade do momento.
Antes que chegassem ao portão, o som de passos firmes ecoou pelo corredor lateral que levava à sala da diretoria. Um homem alto e bem-vestido surgiu. Sua postura era rígida, mas havia algo familiar no olhar que chamou imediatamente a atenção de Helena. Irina correu, sorrindo naturalmente
— Dimitri! — Ela o abraçou fortemente. — Que saudades!
Quando finalmente se soltaram, ele ergueu a cabeça, olhando primeiro para Irina, depois para Helena. O olhar que lançou para Helena foi direto e intenso, estudando cada detalhe, desde os cabelos até a postura elegante. Ele parecia surpreso, mas não de forma hostil — apenas impressionado. Helena sentiu um leve desconforto; afinal, nunca vira ninguém diferente ali, além da mãe.
— Oi. — disse Dimitri, firme e contido. — Você deve ser Helena.
— Sim… prazer. — respondeu ela, sentindo a estranheza daquele primeiro contato, mas mantendo a calma.
Dimitri permaneceu em silêncio por alguns segundos, analisando-a, quase como se tentasse decifrar algo. Havia gentileza em seu olhar, mas também um toque de mistério que despertava curiosidade.
Irina percebeu o olhar e sorriu discretamente, pegando a mão de Helena e conduzindo-a.
— Lena, vamos até a porta. Você merece se despedir do lado de fora.
Helena assentiu, o coração apertado. Enquanto caminhavam, sentiu o frio cortar a pele, mas o aperto na mão de Irina lhe dava conforto. Dimitri vinha logo atrás, mantendo uma distância respeitosa.
Ao chegarem ao portão, Irina falou baixo, quase como um aviso:
— Lembre-se, Lena, você pode contar conosco. Eu e Dimitri vamos garantir que você esteja segura se não gostar da vida que a sua mãe decidiu para você.
Dimitri inclinou levemente a cabeça, a voz seca, mas firme:
— O nosso tio é rígido, mas teremos um lugar para a única que aguentou a Irina.
Ambos sorriram.
Helena absorveu cada palavra, sentindo a atenção e a seriedade dele. Irina sorriu, segurando novamente a mão da amiga.
Helena respirou fundo, tentando controlar as lágrimas.
— Obrigada, Irina… obrigada, Dimitri. Vou sentir muito a sua falta. — balbuciou, abraçando Irina com força.
— Precisamos ir. — enfatizou Dimitri, e as duas se largaram, sorrindo entre as lágrimas.
Irina entrou no carro. Helena ficou no portão, olhando o veículo desaparecer entre as árvores cobertas de neve. Por um instante, tudo parecia congelar. O frio e o silêncio do internato voltaram a dominar, agora mais do que nunca — e doíam mais do que ela imaginava.
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Atualizado até capítulo 42
Comments
Carolina Luz
ahh que pena da Helena, ficar sozinha nesse lugar,mas acho que Demitry não será o par romântico dela 🤔🤭
2025-09-09
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Vera Valerio
DEVERIA TER FOTOS
2025-10-13
  0