O Mundo Não é Gentil

A neve fina ainda caía, cobrindo o pátio do internato Volkova com aquela camada silenciosa e imaculada que contrastava com a rigidez do lugar. O dia começava cedo, como sempre, o frio cortante não impedia que as alunas percorressem os corredores largos e gelados rumo aos treinos e aulas matinais. Helena e Irina caminhavam juntas, mas em silêncio, como se o barulho da própria respiração fosse intruso naquela manhã.

Helena, com o rosto levemente corado pelo frio, ajeitou o casaco antes de olhar para a amiga.

— Preciso ir agora, Irina. Minha aula de dança começa daqui a pouco.

Irina arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços. Não havia surpresa na sua voz, apenas a curiosidade que sempre carregava.

— Só você tem essas aulas, não acha estranho? — perguntou, firme, como quem busca entender uma regra invisível do internato. — Por quê? Qual o intuito disso tudo?

Helena suspirou, cansada de repetir respostas que não tinham sentido para ela mesma.

— Já te disse… minha mãe quer que eu faça. Não sei exatamente o porquê. Talvez seja algo que ela faz lá fora. Talvez queira que eu continue fazendo. Só vou saber quando sair daqui.

Irina não sorriu, não se impressionou. Apenas assentiu, deixando escapar um leve suspiro.

— Hm. Claro. Faz sentido… ou não.

O pátio do internato começava a se encher com outras alunas, todas alinhadas para os primeiros exercícios do dia. Algumas caminhavam com passos firmes, outras ainda sonolentas. O som de botas batendo contra o chão gelado ecoava pelos corredores, lembrando que aquelas meninas estavam ali para aprender muito mais do que letras e números. A rotina incluía horas de treino físico, aulas de autodefesa, manobras táticas, muito estudo e estratégias, e, para Helena, aquelas aulas de dança que ninguém mais sabia, além de Irina.

Enquanto Irina observava Helena se afastar, seu olhar parecia medir cada gesto da amiga. Ela conhecia cada passo da rotina, cada pequena peculiaridade de Helena, mas aquela diferença, aquelas aulas secretas, sempre a deixavam pensativa.

— Então é isso… — murmurou para si mesma, cruzando os braços. — Só você tem que fazer movimentos estranhos e sensuais enquanto as outras só levantam pesos e correm. — Que chato! — Bufou.

No ginásio, a madeira do piso rangia sob os passos de Helena. A professora, uma mulher alta, de expressão séria e olhos que avaliavam cada movimento, aguardava no canto da sala. Helena se aproximou, ajustando a postura. A respiração dela estava calma, quase mecânica, mas havia uma tensão contida, como se cada músculo soubesse que aquele treino era mais do que físico — era preparação.

Irina saiu do seu treino antes que começasse e correu para ver Helena. Entrou devagar no ginásio e se escondeu atrás dos bancos.

Helena se alongava, os músculos se esticando lentamente, ela parecia concentrada, quase desligada do mundo ao redor, mas o olhar firme mostrava determinação. Irina não se impressionava com a graça dos movimentos nem com a disciplina. Ela apenas refletia sobre como cada passo de Helena era imposto por uma figura distante, por uma mãe que aparecia uma vez por ano e exigia algo sem que Helena compreendesse de verdade.

— Não sei como você consegue — murmurou Irina, ainda observando. — Eu não suportaria ficar sendo moldada desse jeito.

O treino se intensificou. A música voltou a preencher a sala, vibrando através do chão e das paredes, e Helena se moveu, cada gesto calculado e elegante. Ela girava, saltava, arqueava o corpo com precisão, como se cada movimento fosse estudado para algum propósito que só ela desconhecia. Irina não desvia o olhar; seu julgamento é racional, quase clínico. Ela sabe que a amiga é diferente, mas ainda não entende completamente o que aquelas aulas significam.

Após alguns minutos, Helena parou, apoiando as mãos nos joelhos, respirando profundamente. O suor começava a escorrer pelo pescoço, mas os olhos ainda brilhavam com determinação.

— Está difícil hoje — disse, num tom leve, mas sem esconder o cansaço. — Meu corpo reclama.

Ella a professora apenas observou, mantendo-se firme.

— Você é a melhor do que as outras que eu ensino, e é difícil porque ninguém realmente sabe o que está fazendo. Pare de pensar nisso... — ela hesitou — Você só tem que se deixar levar pela batida.

— Se eu soubesse ao menos porque disso tudo. — Questionou Helena, com um olhar que praticamente implorava por uma resposta.

— Helena. — Começou Ella mais fez uma pausa. — O mundo lá fora não é nada gentil, nem sua mãe será, quando chegar o dia que deixar esse lugar, e conhecer outra realidade vai desejar nunca ter saído daqui.

— Mais por que? O que me aguarda lá fora?

— Chega, agora vá até a barra do pole. — Ella mandou indo até o som. — Quero sensualidade e sem erros.

Helena assentiu, sem responder com palavras. Não precisava. Sabia que aquela rotina era uma preparação, que cada passo, cada giro, cada movimento sensível era parte de algo que em breve ela saberia.

E ainda confusa, seguia obediente e disciplinada, mesmo que o coração carregasse dúvidas e curiosidade sobre sua própria mãe e o motivo de tudo aquilo.

O treino acabou. Helena se alongou mais uma vez antes de caminhar para fora. Irina permaneceu mais um instante ali , observando a amiga desaparecer pelo corredor que levava aos quartos. O silêncio pairava, mas não era vazio.

Era um silêncio carregado de perguntas, da expectativa do que viria depois, da certeza de que, em breve, ambas teriam que enfrentar o mundo além dos muros do internato.

No quarto, à noite, a conversa retomou seu lugar. As camas estavam arrumadas, o calor do quarto contrastando com o frio lá fora. Helena se jogou na cama, cansada, enquanto Irina se sentava na beira da dela, os olhos ainda atentos.

— Então, daqui a seis meses você completa dezoito, não é!

Helena assentiu, mexendo nos cabelos.

— Sim… e você daqui a três semanas, logo você vai estar fora daqui.

Irina respirou fundo.

— E o que vai acontecer quando sairmos? Você sabe que meu tio já tem planos para mim. — O tom não era de reclamação, mas de certeza. — Ele não vai deixar que eu faça o que eu quiser.

Helena desviou o olhar, olhando para a janela coberta de neve.

— Sei… você não terá escolha, como sempre. Mas… pelo menos teremos liberdade para tentar, você sempre fala que é filha de leão, mostre a ele que não pode decidir por você.

Irina permaneceu em silêncio por um tempo, refletindo. Não havia palavras que pudessem mudar o futuro, ela conhecia bem o tio, a professora de Helena tinha razão o mundo lá fora podia ser cruel e impiedoso.

— Vamos vai ficar bem, Lena. — Irina finalmente disse, quase como uma promessa. — Não sei como, mas vamos conseguir.

Helena sorriu, um sorriso pequeno, mas sincero.

— Espero que sim. Por nós duas.

O silêncio voltou, mas não era pesado. Havia cumplicidade, havia força. Mesmo sem entender completamente o motivo das aulas de dança, das regras rígidas, ou do que o mundo aguardava fora daquele internato, ambas sabiam que tinham uma à outra, por enquanto.

O internato Volkova não era apenas uma prisão; era uma preparação silenciosa, um molde de mulheres fortes, obedientes, capazes de sobreviver e lutar, quando o mundo decidisse usar cada uma delas como peça de um jogo, e acredite, elas seriam de uma forma ou de outra.

Enquanto a noite avançava, a neve continuava a cair lá fora, e embora o futuro fosse incerto, no quarto 202 a força das duas amigas estava consolidada — pronta para o que viesse, ou não!

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Comments

Carolina Luz

Carolina Luz

acho que essa mulher sequestrou Helena de alguma família Mafiosa por vingança,e vai preparar ela pra virar dançarina de boate, e conquistar alguém com muito poder usando ela como trampolim 🤔🤔

2025-09-09

2

Dulce Gama

Dulce Gama

será que essa mulher é realmente a mãe de Helena está um pouco estranho 🌟🌟🌟🌟🌟🌟🌹🌹🌹🌹🌹🌹🌹🎁🎁🎁🎁🎁🌹❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️👍👍👍👍👍👍

2025-09-09

0

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