4 A primeira reunião e seus fantasmas

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Sentei-me à mesa de reuniões com Edmundo ao meu lado. A sala era ampla, com paredes de vidro que deixavam entrar a luz suave do fim da tarde. O ambiente tinha um silêncio de respeito, mas dentro de mim o coração ainda acelerava pelo que havia acabado de ver: Edgar, preso ao corpo de uma colega, como se o tempo não tivesse passado e ele continuasse o mesmo adolescente insolente.

Edmundo ajeitou os óculos e me lançou um sorriso discreto, como quem pressentia meu desconforto.

– Fique tranquila, filha. Aqui você vai mostrar a profissional que é.

Antes que eu respondesse, a porta se abriu. Edgar entrou com passos firmes, sem olhar para os lados. Usava o jaleco aberto, as mangas arregaçadas, o crachá balançando no peito. Alto, loiro, os olhos azuis ainda mais frios do que eu lembrava.

– Finalmente – murmurou, sentando-se de frente para mim, sem cumprimentos.

O silêncio pesou por alguns segundos. Eu forcei um sorriso educado.

– É bom revê-lo, Edgar.

Ele ergueu o olhar, encontrou o meu e deixou escapar um riso breve, quase sarcástico.

– Revê-la? Eu não sabia que estava com saudade.

O ar se partiu. Edmundo pigarreou, tentando neutralizar a tensão.

– Vamos manter o foco – disse, abrindo a pasta com os papéis da clínica. – Diana vai assumir parte da coordenação de enfermagem e auxiliar nos projetos de expansão da área estética.

Edgar recostou-se na cadeira, cruzando os braços.

– Estética? – repetiu, o tom carregado de ironia. – Imaginei que, com tanta experiência em hospitais, você viria para algo mais… sério.

Mordi a língua. A vontade era responder à altura, mas respirei fundo. Não daria a ele o prazer de me ver perder o controle.

– Cuidar da autoestima é tão sério quanto uma cirurgia – retruquei calma. – As pessoas também adoecem quando não conseguem se reconhecer no espelho.

Por um instante, os olhos dele brilharam, como se não esperasse minha resposta. Mas logo voltou a frieza habitual.

– Veremos se consegue provar isso.

Edmundo interveio novamente, firme:

– Chega, Edgar. Diana é parte desta equipe. E você vai respeitar isso.

Ele não respondeu. Apenas me encarou, como se fosse uma batalha silenciosa. E naquele olhar havia algo além da hostilidade. Havia raiva, sim. Mas havia também algo que ele não queria admitir — e eu não ousava decifrar.

Saí da reunião com a sensação de que uma guerra antiga havia acabado de ser declarada outra vez.

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Edmundo me chamou para o refeitório e chegando lá tive uma grande surpresa.

— Vovô!!!

Um menino lindo veio correndo em nossa direção, lembrava muito Edgar mais novo, olhos azuis e muito marcantes

- Oi meu neto,vem aqui vc e seu irmão venham conhecer sua tia Diana!

Conhecer os filhos de Edgar foi como abrir uma porta que eu não esperava.

Maurício, de 13 anos, e Murilo, de 10, tinham olhos que lembravam o pai, mas corações muito diferentes. Me olhavam com uma curiosidade doce, sem a arrogância que sempre vi em Edgar. Murilo, o mais novo, logo criou o hábito de me chamar de Didi e até dizia, rindo, que um dia se casaria comigo. Eu ria, claro, mas no fundo aquilo aquecia um espaço em meu coração que eu acreditava estar fechado.

A mãe deles, Maria, era uma mulher serena. Enfermeira dedicada, tinha sido a primeira esposa de Edgar. Sempre percebi nela um afeto mal resolvido por Edmundo, meu padrasto, como se ainda houvesse um fio invisível os ligando. Maria me confidenciou que se separou de Edgar porque não conseguiu suportar a presença constante de outra: Suzana.

Ah, Suzana. Cardiologista renomada, elegante, 42 anos, alta como ele, cabelos castanhos lisos até os ombros, olhos verdes cortantes. Era a amante oficial de Edgar, mas sempre esteve ali, rondando a vida dele, antes mesmo da separação. Maria me disse um dia, com um sorriso amargo:

– Eu não perdi Edgar para outra mulher… eu perdi Edgar para Suzana.

E talvez fosse verdade. Suzana não era fácil de lidar. Prepotente, irritante, se comportava como se fosse superior a todos, e principalmente a mim. Muitas das provocações que vinham dela tinham raiz em Edgar, que com seu jeito cruel alimentava comparações absurdas entre nós.

– Ela desfila – dizia, com aquele tom irônico –, você rebola.

Eu odiava essas piadas. Elas me atravessavam como facas, porque vinham sempre com aquela pontada de verdade que ele usava para me ferir.

Ainda assim, havia algo em Suzana que me intrigava: ela era a única capaz de colocar Edgar no eixo. Não sei como. Entre idas e vindas, ela sempre aparecia nos momentos em que ele estava impossível. E, como um fantasma, o levava consigo. Quando voltava, voltava mansinho, domado. Era um mistério que eu preferia não desvendar.

O mais curioso é que, apesar de toda essa bagagem, Edgar não transformava o hospital em um palco de conquistas. Não precisava. As mulheres é que se lançavam sobre ele. Algumas entravam em sua vida, mas raramente saíam inteiras. Era como se ele fosse inesquecível, um vício do qual não se podia escapar. Maria precisou de terapia para seguir em frente, até entender que ele nunca mais seria dela.

Hoje, Maria Casada com Paulo, um advogado brilhante, negro, com um sorriso que iluminava qualquer ambiente. Um amigo em comum, ligado a Pietro, outro colega médico. Um homem digno, que fez Maria perceber que Edgar era apenas um capítulo doloroso do passado.

E, entre todos esses fios, lá estava eu: no meio de uma trama onde o passado de Edgar parecia sempre se misturar com o meu presente.

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Suzana Fontes

Maria Ribeiro

Paulo Vegas

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MilitaryMan

MilitaryMan

Essa história me prendeu do começo ao fim!

2025-09-06

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Capítulos
1 1 Fragmentos de uma infância e os dias atuais
2 2 O peso do Jaleco e ruptura do luto
3 3 O convite e a chegada
4 4 A primeira reunião e seus fantasmas
5 5 As primeiras impressões e silêncio
6 6 O primeiro plantão e o chefe
7 7 O eco e o pai
8 7 O irmãozinho
9 9 O refúgio
10 10 O confronto
11 11 Confissões
12 12 Perfume e Música
13 13 A ficha caindo
14 14 Era o Passado batendo a porta
15 15 Abismo
16 16 Beijo e Consequência
17 17 A casa de praia
18 18 O Guardião furioso
19 19 O segredo
20 20 O café da manhã
21 21 O Limite
22 22 O entardecer
23 23 A dança
24 24 Depois da música
25 25 Os segredos da madrugada
26 26 O Passeio de barco
27 27 A Ilha
28 28 Confissões na pedra
29 29 O retorno
30 30 A primeira vez
31 31 Aquela noie
32 32 Duas Memórias, Um Silêncio
33 33 Ele mudou
34 34 O Adeus e o Abismo
35 35 Da Liberdade ao Eixo
36 36 O Confronto
37 37 O beijo interrompido
38 38 O Rival Silêncioso
39 39 A Festa e os Olhares
40 40 A Voz da Razão
41 41 A pontada
42 42 Peter Pan e Wendy
43 43 A varanda e as Taças
44 44 Os Prisioneiros das Fadas
45 45 O Caminho de volta
46 46 Nada de planos previsíveis
47 47 Confissões de Café
48 48 O Convite Irrecusável
49 49 O Banho
50 50 O nome Proibido
51 51 Sem Máscaras
52 52 Preguiça e confissões
53 53 Pentear Tempestades
54 54 Festa Cancelada
55 55 O desfile das fantasias
56 56 O jogo da Pedrita
57 57 A dança da Tempestade
58 58
59 59
60 60
61 61 Dia de Feijoada
62 62 O Amarelo virou perseguição
63 63 O inferno ganha cor
64 64 Bem na Paz
65 65 Um Arsenal Tentandor
66 66 A saída à Francesa
67 67 Fome Contida
68 68 O despertar do cárcere
69 69 A senha
70 70 Dengosa e obediente
71 71 Bolo e café, chuva la fora
72 72 A chave Virada
73 73 A noite da porta vermelha
74 74 O silêncio dele não foi por mim
75 75 A fissura
76 76 Entre a jaula e o abismo
77 77 O Estranho no caminho
78 78 O café
79 79 O Banquete inteiro
80 80 Sem escapatória
Capítulos

Atualizado até capítulo 80

1
1 Fragmentos de uma infância e os dias atuais
2
2 O peso do Jaleco e ruptura do luto
3
3 O convite e a chegada
4
4 A primeira reunião e seus fantasmas
5
5 As primeiras impressões e silêncio
6
6 O primeiro plantão e o chefe
7
7 O eco e o pai
8
7 O irmãozinho
9
9 O refúgio
10
10 O confronto
11
11 Confissões
12
12 Perfume e Música
13
13 A ficha caindo
14
14 Era o Passado batendo a porta
15
15 Abismo
16
16 Beijo e Consequência
17
17 A casa de praia
18
18 O Guardião furioso
19
19 O segredo
20
20 O café da manhã
21
21 O Limite
22
22 O entardecer
23
23 A dança
24
24 Depois da música
25
25 Os segredos da madrugada
26
26 O Passeio de barco
27
27 A Ilha
28
28 Confissões na pedra
29
29 O retorno
30
30 A primeira vez
31
31 Aquela noie
32
32 Duas Memórias, Um Silêncio
33
33 Ele mudou
34
34 O Adeus e o Abismo
35
35 Da Liberdade ao Eixo
36
36 O Confronto
37
37 O beijo interrompido
38
38 O Rival Silêncioso
39
39 A Festa e os Olhares
40
40 A Voz da Razão
41
41 A pontada
42
42 Peter Pan e Wendy
43
43 A varanda e as Taças
44
44 Os Prisioneiros das Fadas
45
45 O Caminho de volta
46
46 Nada de planos previsíveis
47
47 Confissões de Café
48
48 O Convite Irrecusável
49
49 O Banho
50
50 O nome Proibido
51
51 Sem Máscaras
52
52 Preguiça e confissões
53
53 Pentear Tempestades
54
54 Festa Cancelada
55
55 O desfile das fantasias
56
56 O jogo da Pedrita
57
57 A dança da Tempestade
58
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59
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60
60
61
61 Dia de Feijoada
62
62 O Amarelo virou perseguição
63
63 O inferno ganha cor
64
64 Bem na Paz
65
65 Um Arsenal Tentandor
66
66 A saída à Francesa
67
67 Fome Contida
68
68 O despertar do cárcere
69
69 A senha
70
70 Dengosa e obediente
71
71 Bolo e café, chuva la fora
72
72 A chave Virada
73
73 A noite da porta vermelha
74
74 O silêncio dele não foi por mim
75
75 A fissura
76
76 Entre a jaula e o abismo
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77 O Estranho no caminho
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