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Foram Joice e Bruna, minhas amigas de longa data, que apareceram em minha porta com sorrisos cúmplices e uma proposta que parecia absurda.
– Portugal, Diana – disse Joice, os olhos brilhando. – Está na hora de você respirar outro ar.
– Lá é diferente, você vai ver – completou Bruna. – Vai trabalhar, sim, mas também vai viver.
No início achei exagero, fantasia delas. Mas, mais tarde, soube a verdade: Edmundo havia pedido a elas que me convencessem. Ele sabia que eu não diria “sim” de imediato se fosse diretamente a mim.
Meus olhos se voltaram para minhas filhas. Keila(15) e Kiara (12)estavam radiantes com a ideia. Eram adolescentes quase adultas, mas ainda minhas meninas. Sempre as criei para sorrir, mesmo quando o mundo desabava em cima de mim. Nunca permiti que a dor do divórcio pesasse sobre elas. Pelo contrário, fiz questão de que aceitassem Jaqueline, madrasta delas, como parte da família.
Jaqueline era uma mulher boa, dedicada, e acima de tudo, apaixonada por Fernando. Eu sabia disso porque a paixão dela era quase possessiva. Eu evitava me aproximar demais justamente por respeito.
Fernando… meu ex-marido. Policial Federal, bonito, simpático. Aos 47 anos ainda chamava atenção por onde passava. Depois da separação, continuou me procurando. E eu, tola, caí algumas vezes em seus braços. Uma dessas vezes, Jaqueline nos flagrou. Eu não sabia que eles já estavam juntos naquela ocasião, e quando vi a dor nos olhos dela, senti como se estivesse repetindo uma história que não queria viver.
Ele me dizia que eu era mais importante, que queria voltar, mas eu sabia que não. Se ela estava disposta a perdoá-lo, eu faria o possível para não me intrometer. Desde então, evitei encontros, evitava até visitas mais longas.
Minhas filhas nunca reclamaram de Jaqueline. Pelo contrário, eram felizes na casa do pai. E isso me bastava. Por mais que Fernando fosse o pai delas, e por mais que ainda tivesse poder sobre mim, decidi que ele jamais encostaria em mim novamente.
E foi nesse silêncio, entre memórias dolorosas e promessas quebradas, que o convite de Portugal cresceu dentro de mim. Talvez fosse isso que eu precisava: um recomeço distante, um lugar onde nem fantasmas, nem amores mal resolvidos pudessem me alcançar.
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Portugal me recebeu com um céu claro e frio. O vento tinha cheiro de novidade, e eu tentava acreditar que aquela mudança era mesmo real. Ao lado de Edmundo, senti uma pontada de conforto. Ele havia sido mais que um padrasto, fora um guia silencioso em muitos momentos da minha vida.
A clínica era imponente, organizada, com um movimento constante de médicos, pacientes e enfermeiros. Eu observava tudo com olhos atentos, tentando absorver cada detalhe.
Edmundo abriu um sorriso quando percebeu meu fascínio.
– Filha, seja bem-vinda.
– Obrigada, Muh – respondi com meu jeito carinhoso de chamá-lo.
Ele riu, mas logo fez um gesto sério.
– Agora, você vai encarar sua primeira missão terrível: vá até a sala do Edgar e lembre-o da reunião em dez minutos.
Eu arregalei os olhos.
– Nossa, Muh… isso é trote?
– (risos) Aqui é ótimo de se trabalhar, você vai ver.
– Ótimo? Estando longe do amargurado, né? – retruquei, com ironia.
Ele soltou uma gargalhada curta.
– Um dia ele vai entender de onde vem tanta amargura. Vai parar de lutar contra o que sente.
Revirei os olhos, divertida.
– Se isso me ajudar a ficar em paz, eu mesma vou ao Tibete buscar um monge pra ele se encontrar.
– (rindo) Não é de monge que ele precisa.
– Ah, já sei! Um bordel? – brinquei, rindo sozinha da minha ousadia.
– Não, filha… – disse Edmundo, olhando-me de um jeito que me deixou inquieta. – Do que ele precisa, você vai descobrir junto com ele. Só tenha paciência. Edgar passou por momentos difíceis também.
Respirei fundo, tentando afastar a estranha sensação de que Edmundo estava vendo algo que eu não queria admitir.
Com passos firmes, segui em direção ao consultório de Edgar. E foi ali, ao abrir a porta sem bater, que encontrei a cena que não queria ver: ele, encostado na mesa, os lábios colados aos de uma colega de jaleco.
Meu coração disparou, não por ciúmes, mas por lembranças. Era o mesmo garoto insolente de antes, apenas em corpo de homem.
– Edgar – disse firme, sem encarar a mulher que ajeitava o jaleco apressada. – Reunião em dez minutos.
Ele levantou o olhar para mim, frio, e um sorriso torto surgiu em seus lábios.
– Até aqui você vai me dar ordens, Diana?
Meu estômago gelou. O reencontro havia começado.
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Bruna
Joice
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Atualizado até capítulo 80
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