Na manhã de sábado, o sol entrava preguiçoso pela janela da cozinha. Clara já estava sentada no chão, rodeada por bonecas e peças coloridas, inventando um mundo onde todas as princesas eram também guerreiras. Elisa olhava para a filha e sentia uma ternura que quase a salvava de si mesma. Quase.
Arthur havia saído cedo, alegando uma reunião emergencial. Elisa não acreditava mais nessas desculpas, mas não ousava perguntar. Guardava as palavras na garganta como quem segura um copo de vidro: sabendo que, se deixasse cair, o estrondo seria irreversível.
Foi Marina quem ligou, a voz animada do outro lado da linha:
— Preciso te tirar de casa hoje. Café, cinema ou até feirinha de rua, você escolhe.
Elisa pensou em recusar, como vinha fazendo nas últimas semanas. Mas, ao olhar para o recibo que ainda guardava na memória — o restaurante caro, do outro lado da cidade —, sentiu que precisava respirar fora daquelas paredes.
— Café está ótimo — respondeu, a voz mais fraca do que pretendia.
O encontro aconteceu em uma cafeteria charmosa do centro. Marina chegou com sua energia habitual, cabelos soltos ao vento, um sorriso largo que sempre parecia iluminar os espaços. Elisa, por outro lado, entrou carregando um silêncio que não sabia como traduzir.
— Você está abatida, amiga. — Marina não demorou a observar, apoiando a mão sobre a dela. — O que está acontecendo?
Elisa desviou os olhos para a xícara, observando o café preto refletir a luz da manhã. O coração batia forte, como se quisesse empurrar as palavras para fora. Ainda assim, demorou.
— Acho que Arthur… — começou, mas a voz falhou. Respirou fundo e recomeçou. — Acho que ele não é mais o mesmo.
Marina franziu a testa, inclinando-se para mais perto.
— O que você viu?
Elisa não contou tudo. Não falou do perfume, da voz baixa no escritório, do recibo escondido no bolso do paletó. Limitou-se a dizer:
— Ele anda distante. E eu sinto que tem alguma coisa errada.
Marina ficou em silêncio por alguns segundos, avaliando as palavras com cuidado.
— Elisa, você sempre foi generosa demais. Mas não pode ignorar sinais. Precisa abrir os olhos.
A frase bateu fundo, como um empurrão. Elisa sabia que Marina estava certa. Mas encarar significava admitir. E admitir significava desmoronar o mundo que havia construído com tanto esforço.
Quando voltou para casa, encontrou Clara adormecida no sofá, abraçada a uma das bonecas. Arthur não estava. Sobre a mesa, apenas um bilhete rápido: Reunião demorou, volto tarde. Não me esperem.
Elisa o leu em silêncio, passou a mão sobre o papel como se pudesse decifrar algo nas entrelinhas. Mas só encontrou o vazio.
O vento frio da noite trouxe o cheiro das árvores do quintal. Elisa abraçou os próprios braços, tentando se aquecer, mas percebeu que o frio vinha de dentro. Havia algo que não se dissipava com casacos ou mantas. Era um vazio que se expandia.
Ela pensou em ligar para Marina de novo, mas não quis parecer frágil. Guardou o celular na mesa, como quem teme que o aparelho revele mais do que deve. Os olhos insistiam em buscar a tela acesa, na expectativa de uma mensagem de Arthur, alguma justificativa, qualquer palavra que quebrasse o silêncio. Mas nada chegou.
Lá pelas onze, a porta da frente se abriu. Arthur entrou, já sem paletó, a gravata desfeita, o perfume adocicado novamente impregnando o ar. Ele tentou sorrir, mas o sorriso não chegou aos olhos.
— Vocês jantaram? — perguntou, como se o cuidado ainda fizesse parte de si.
Elisa apenas assentiu, olhando de longe.
— Clara já está dormindo.
Arthur se aproximou, deu-lhe um beijo breve na testa e subiu as escadas. Nenhuma explicação, nenhum detalhe, apenas a pressa em se recolher.
Elisa ficou sozinha na sala, o coração batendo como se tentasse avisá-la de algo que a mente não queria ouvir. Foi até o sofá, recolheu a manta caída, e ao ajeitá-la percebeu o celular de Arthur esquecido entre as almofadas.
A tela ainda acesa mostrava uma prévia de mensagem: “Foi perfeito. Já com saudade.”
O coração vermelho pulsava no canto da notificação.
Elisa congelou. Os dedos tremeram, a respiração falhou. Por um instante, pensou em deslizar a tela, abrir a conversa, arrancar de vez o véu da dúvida. Mas a mão recuou. Deixou o aparelho ali, como se queimasse.
A mente se dividiu em duas vozes: uma que gritava que precisava saber, e outra que implorava para manter a farsa, pelo menos mais um pouco.
Ela escolheu o silêncio. Subiu as escadas, deitou-se ao lado dele, fingindo não ver, fingindo não sentir.
Mas, naquela noite, a palavra confiança se quebrou dentro dela como um vidro fino. Não em pedaços grandes — que se varrem, se juntam —, mas em estilhaços miúdos, impossíveis de recolher.
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Atualizado até capítulo 47
Comments
Sandra Camilo
que raiva Elisa, acorda, já estou ansiosa, posta mais capítulos hj por favor autora linda
2025-09-06
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Maria Jussara
menina vc tem sangue frio demais ,eu teria lido essas mensagens todas já
2025-09-06
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MARIA RITA ARAUJO
misericórdia, isso que é ser paciente demais 🤦🏻♀️
2025-09-07
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