Capítulo 2 — O Silêncio das Portas Fechadas

Na manhã seguinte, Elisa acordou antes do despertador. Ficou deitada, ouvindo a respiração compassada de Arthur ao lado, e se perguntou quando havia deixado de sentir curiosidade pelo que se passava nos sonhos dele. Levantou devagar, preparou o café, penteou o cabelo de Clara e seguiu a rotina como sempre. Mas havia algo diferente no ar.

Arthur estava mais distraído. Sorriu para a filha, mas não para a esposa. Ao se despedir, o beijo foi apenas um roçar de lábios no ar, como se tivesse pressa demais até para fingir. Elisa observou, com atenção redobrada, o celular dele vibrando sem parar sobre o balcão da cozinha. Ele o pegou com rapidez, bloqueou a tela e saiu.

— Mamãe, o papai esqueceu o abraço do elevador — disse Clara, os olhos atentos como os de quem ainda não entende, mas já percebe.

Elisa engoliu seco.

— Quando ele voltar, você pede em dobro.

O dia correu em passos arrastados. Elisa levou Clara à escola, fez as compras, organizou os armários e, mesmo assim, tinha a sensação de que faltava ar. O celular de Arthur apitava de novo, abandonado na sala. Uma notificação de mensagem apareceu na tela bloqueada. Elisa não conseguiu ler, mas distinguiu um detalhe: um coração vermelho no canto.

A vontade de tocar o aparelho queimou em seus dedos, mas ela recuou. Regra invisível. Não invadir. Não procurar. Não perguntar. A confiança sustentava a casa. Ou ao menos sustentava as paredes — ainda que, por dentro, estivessem começando a trincar.

À noite, Clara insistiu para brincar de esconde-esconde antes de dormir. Elisa aceitou, mesmo cansada. A menina correu pela casa, gargalhando, até se encolher atrás da cortina da sala. Elisa fingiu procurar em todos os cantos, arrastando o jogo para prolongar aquela alegria. Quando puxou o tecido, encontrou o rosto iluminado de Clara, os olhos brilhando de expectativa.

— Te achei! — disse, rindo junto.

A filha pulou em seu colo, rindo sem parar. No fundo da sala, a porta do escritório estava fechada. Arthur estava lá dentro há quase duas horas, e o som dos dedos no teclado parecia um idioma que Elisa não sabia traduzir.

Ela acomodou Clara na cama, contou mais uma vez a história da borboleta Dora e ficou ao lado até que a respiração se acalmasse. Depois, caminhou até a porta do escritório. Bateu de leve.

— Arthur, vai demorar?

O silêncio respondeu primeiro. Só depois veio a voz abafada:

— Quase terminando. Não precisa esperar.

Elisa encostou a mão na maçaneta, mas não entrou. Virou-se, apagou as luzes da sala e subiu para o quarto. Deitou-se, mas não dormiu.

Elisa tentou dormir, mas o relógio da cabeceira parecia zombar de cada minuto desperdiçado. Virava-se de um lado para o outro, os lençóis se embaralhando ao redor do corpo, e o som do teclado do escritório insistia em ecoar pelo corredor, mesmo quando o barulho cessava.

Quando Arthur finalmente subiu, já passava da meia-noite. O perfume que trazia não era o habitual, nem o da colônia que usava no trabalho. Era algo adocicado, suave, diferente. Elisa percebeu, mas não comentou. Fingiu estar dormindo, respirando fundo, na esperança de que a suspeita não passasse de imaginação.

Ele deitou-se devagar, afastou-se para o lado oposto da cama e, em poucos minutos, fingiu ou conseguiu adormecer. Elisa, porém, permaneceu acordada. A respiração dele soava estranha, pesada, como se carregasse um segredo que não podia ser revelado.

No dia seguinte, a rotina repetiu-se, mas Elisa passou a observar cada gesto. O beijo de despedida quase falhado. A pressa em responder mensagens. O celular sempre virado para baixo, como se aquela tela fosse uma porta que não deveria ser aberta.

Enquanto Clara brincava na sala com as pecinhas coloridas, Elisa recolhia roupas para lavar quando encontrou, no bolso interno do paletó de Arthur, um recibo amassado. O nome de um restaurante que ela não conhecia, localizado do outro lado da cidade. Um jantar caro, para duas pessoas.

O coração acelerou. As mãos suaram. Mas, em vez de guardar como prova, ela recolocou o papel no mesmo lugar, dobrando-o exatamente como estava. O gesto pareceu quase cúmplice. Como se ainda quisesse dar a ele uma chance de se explicar, de confessar.

À noite, na mesa de jantar, Arthur falou pouco. Clara contou animada sobre a apresentação de músicas da escola, imitou a professora desafinada, e os dois riram juntos. Elisa, no entanto, observava os detalhes. A forma como ele evitava os olhos dela. O jeito apressado com que limpava os lábios com o guardanapo antes de levantar-se para “voltar ao escritório”.

Ela respirou fundo, tentando afastar a sensação. Mas a fenda crescia.

Enquanto Clara dormia, Elisa passou diante do escritório e ouviu a voz baixa de Arthur, quase um sussurro. Não era a voz de quem falava sobre negócios. Era íntima, lenta, carregada de um tom que ela conhecia bem — e que já fora dirigido a ela, anos atrás.

Seu corpo gelou.

Por um instante, pensou em abrir a porta. Quase girou a maçaneta. Mas recuou, com a mesma covardia que se disfarça de prudência. Subiu as escadas, fechou a porta do quarto e sentiu que o ar da casa já não lhe pertencia.

Mais populares

Comments

Sandra Camilo

Sandra Camilo

deixa de ser trouxa, acorda , esse cretino é um traidor

2025-09-06

0

Maria Jussara

Maria Jussara

vc tem sangue frio demais mulher

2025-09-06

0

Ver todos
Capítulos
1 Prefácio — As regras invisíveis
2 Capítulo 1 — A Fenda na Rotina
3 Capítulo 2 — O Silêncio das Portas Fechadas
4 Capítulo 3 — O Peso do Não-Dito
5 Capítulo 4 — Estilhaços Invisíveis
6 Capítulo 5 — A Primeira Ruptura
7 Capítulo 6 — A Primeira Centelha
8 Capítulo 7 — O Mundo Além das Paredes
9 Capítulo 8 — A Porta Entreaberta
10 Capítulo 9 — O Primeiro Sim
11 Capítulo 10 — Entre Vidros e Silêncios
12 Capítulo 11 — O Olhar por Trás do Vidro
13 Capítulo 12 — Depois do Vidro, a Cidade
14 Capítulo 13 — Entre o Rigor e o Acaso
15 Capítulo 14 — O Desconforto dos Acostumados (I)
16 Capítulo 14 — O Desconforto dos Acostumados (II)
17 Capítulo 15 — O Jogo das Aparências
18 Capítulo 16 — As Máscaras em Ruína
19 Capítulo 17 — A Brecha no Muro
20 Capítulo 18 — A Arma do Silêncio
21 Capítulo 19 — O Peso das Provas
22 Capítulo 20 — As Peças em Movimento
23 Capítulo 21 — Entre Linhas e Olhares
24 Capítulo 22 — Frestas no Concreto
25 Capítulo 23 — Quando o Vidro Respira
26 Capítulo 24 — O Desespero Bate à Porta
27 Capítulo 25 — O Coração Entre Linhas
28 Capítulo 26 — O Fim das Correntes
29 Capítulo 27 — O Peso da Rotina e a Luz por Trás do Vidro
30 Capítulo 28 — A Linha que se Rompe
31 Capítulo 29 — O Incêndio Silencioso
32 Capítulo 30 — A Noite que Rompeu o Vidro
33 Capítulo 31 — Segredos em Chamas
34 Capítulo 32 — A Noite Inteira
35 Capítulo 33 — O Amanhecer das Consequências
36 Capítulo 34 — Quando as Sombras Gritam
37 Capítulo 35 — A Confrontação
38 Capítulo 36 — O Escândalo
39 Capítulo 37 — A Outra Verdade
40 Capítulo 38 — O Último Golpe de Arthur
41 Capítulo 39 — Vozes no Tribunal
42 Capítulo 40 — O Julgamento do Silêncio
43 Capítulo 41 — Entre Verdades e Promessas
44 Capítulo 42 — O Sopro da Paz
45 Capítulo 43 — Entre o Amor e os Restos da Guerra
46 Capítulo 44 — Asas de Liberdade
47 Capítulo 45 — Epílogo: Asas Abertas
Capítulos

Atualizado até capítulo 47

1
Prefácio — As regras invisíveis
2
Capítulo 1 — A Fenda na Rotina
3
Capítulo 2 — O Silêncio das Portas Fechadas
4
Capítulo 3 — O Peso do Não-Dito
5
Capítulo 4 — Estilhaços Invisíveis
6
Capítulo 5 — A Primeira Ruptura
7
Capítulo 6 — A Primeira Centelha
8
Capítulo 7 — O Mundo Além das Paredes
9
Capítulo 8 — A Porta Entreaberta
10
Capítulo 9 — O Primeiro Sim
11
Capítulo 10 — Entre Vidros e Silêncios
12
Capítulo 11 — O Olhar por Trás do Vidro
13
Capítulo 12 — Depois do Vidro, a Cidade
14
Capítulo 13 — Entre o Rigor e o Acaso
15
Capítulo 14 — O Desconforto dos Acostumados (I)
16
Capítulo 14 — O Desconforto dos Acostumados (II)
17
Capítulo 15 — O Jogo das Aparências
18
Capítulo 16 — As Máscaras em Ruína
19
Capítulo 17 — A Brecha no Muro
20
Capítulo 18 — A Arma do Silêncio
21
Capítulo 19 — O Peso das Provas
22
Capítulo 20 — As Peças em Movimento
23
Capítulo 21 — Entre Linhas e Olhares
24
Capítulo 22 — Frestas no Concreto
25
Capítulo 23 — Quando o Vidro Respira
26
Capítulo 24 — O Desespero Bate à Porta
27
Capítulo 25 — O Coração Entre Linhas
28
Capítulo 26 — O Fim das Correntes
29
Capítulo 27 — O Peso da Rotina e a Luz por Trás do Vidro
30
Capítulo 28 — A Linha que se Rompe
31
Capítulo 29 — O Incêndio Silencioso
32
Capítulo 30 — A Noite que Rompeu o Vidro
33
Capítulo 31 — Segredos em Chamas
34
Capítulo 32 — A Noite Inteira
35
Capítulo 33 — O Amanhecer das Consequências
36
Capítulo 34 — Quando as Sombras Gritam
37
Capítulo 35 — A Confrontação
38
Capítulo 36 — O Escândalo
39
Capítulo 37 — A Outra Verdade
40
Capítulo 38 — O Último Golpe de Arthur
41
Capítulo 39 — Vozes no Tribunal
42
Capítulo 40 — O Julgamento do Silêncio
43
Capítulo 41 — Entre Verdades e Promessas
44
Capítulo 42 — O Sopro da Paz
45
Capítulo 43 — Entre o Amor e os Restos da Guerra
46
Capítulo 44 — Asas de Liberdade
47
Capítulo 45 — Epílogo: Asas Abertas

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!