Na manhã seguinte, Elisa acordou antes do despertador. Ficou deitada, ouvindo a respiração compassada de Arthur ao lado, e se perguntou quando havia deixado de sentir curiosidade pelo que se passava nos sonhos dele. Levantou devagar, preparou o café, penteou o cabelo de Clara e seguiu a rotina como sempre. Mas havia algo diferente no ar.
Arthur estava mais distraído. Sorriu para a filha, mas não para a esposa. Ao se despedir, o beijo foi apenas um roçar de lábios no ar, como se tivesse pressa demais até para fingir. Elisa observou, com atenção redobrada, o celular dele vibrando sem parar sobre o balcão da cozinha. Ele o pegou com rapidez, bloqueou a tela e saiu.
— Mamãe, o papai esqueceu o abraço do elevador — disse Clara, os olhos atentos como os de quem ainda não entende, mas já percebe.
Elisa engoliu seco.
— Quando ele voltar, você pede em dobro.
O dia correu em passos arrastados. Elisa levou Clara à escola, fez as compras, organizou os armários e, mesmo assim, tinha a sensação de que faltava ar. O celular de Arthur apitava de novo, abandonado na sala. Uma notificação de mensagem apareceu na tela bloqueada. Elisa não conseguiu ler, mas distinguiu um detalhe: um coração vermelho no canto.
A vontade de tocar o aparelho queimou em seus dedos, mas ela recuou. Regra invisível. Não invadir. Não procurar. Não perguntar. A confiança sustentava a casa. Ou ao menos sustentava as paredes — ainda que, por dentro, estivessem começando a trincar.
À noite, Clara insistiu para brincar de esconde-esconde antes de dormir. Elisa aceitou, mesmo cansada. A menina correu pela casa, gargalhando, até se encolher atrás da cortina da sala. Elisa fingiu procurar em todos os cantos, arrastando o jogo para prolongar aquela alegria. Quando puxou o tecido, encontrou o rosto iluminado de Clara, os olhos brilhando de expectativa.
— Te achei! — disse, rindo junto.
A filha pulou em seu colo, rindo sem parar. No fundo da sala, a porta do escritório estava fechada. Arthur estava lá dentro há quase duas horas, e o som dos dedos no teclado parecia um idioma que Elisa não sabia traduzir.
Ela acomodou Clara na cama, contou mais uma vez a história da borboleta Dora e ficou ao lado até que a respiração se acalmasse. Depois, caminhou até a porta do escritório. Bateu de leve.
— Arthur, vai demorar?
O silêncio respondeu primeiro. Só depois veio a voz abafada:
— Quase terminando. Não precisa esperar.
Elisa encostou a mão na maçaneta, mas não entrou. Virou-se, apagou as luzes da sala e subiu para o quarto. Deitou-se, mas não dormiu.
Elisa tentou dormir, mas o relógio da cabeceira parecia zombar de cada minuto desperdiçado. Virava-se de um lado para o outro, os lençóis se embaralhando ao redor do corpo, e o som do teclado do escritório insistia em ecoar pelo corredor, mesmo quando o barulho cessava.
Quando Arthur finalmente subiu, já passava da meia-noite. O perfume que trazia não era o habitual, nem o da colônia que usava no trabalho. Era algo adocicado, suave, diferente. Elisa percebeu, mas não comentou. Fingiu estar dormindo, respirando fundo, na esperança de que a suspeita não passasse de imaginação.
Ele deitou-se devagar, afastou-se para o lado oposto da cama e, em poucos minutos, fingiu ou conseguiu adormecer. Elisa, porém, permaneceu acordada. A respiração dele soava estranha, pesada, como se carregasse um segredo que não podia ser revelado.
No dia seguinte, a rotina repetiu-se, mas Elisa passou a observar cada gesto. O beijo de despedida quase falhado. A pressa em responder mensagens. O celular sempre virado para baixo, como se aquela tela fosse uma porta que não deveria ser aberta.
Enquanto Clara brincava na sala com as pecinhas coloridas, Elisa recolhia roupas para lavar quando encontrou, no bolso interno do paletó de Arthur, um recibo amassado. O nome de um restaurante que ela não conhecia, localizado do outro lado da cidade. Um jantar caro, para duas pessoas.
O coração acelerou. As mãos suaram. Mas, em vez de guardar como prova, ela recolocou o papel no mesmo lugar, dobrando-o exatamente como estava. O gesto pareceu quase cúmplice. Como se ainda quisesse dar a ele uma chance de se explicar, de confessar.
À noite, na mesa de jantar, Arthur falou pouco. Clara contou animada sobre a apresentação de músicas da escola, imitou a professora desafinada, e os dois riram juntos. Elisa, no entanto, observava os detalhes. A forma como ele evitava os olhos dela. O jeito apressado com que limpava os lábios com o guardanapo antes de levantar-se para “voltar ao escritório”.
Ela respirou fundo, tentando afastar a sensação. Mas a fenda crescia.
Enquanto Clara dormia, Elisa passou diante do escritório e ouviu a voz baixa de Arthur, quase um sussurro. Não era a voz de quem falava sobre negócios. Era íntima, lenta, carregada de um tom que ela conhecia bem — e que já fora dirigido a ela, anos atrás.
Seu corpo gelou.
Por um instante, pensou em abrir a porta. Quase girou a maçaneta. Mas recuou, com a mesma covardia que se disfarça de prudência. Subiu as escadas, fechou a porta do quarto e sentiu que o ar da casa já não lhe pertencia.
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Atualizado até capítulo 47
Comments
Sandra Camilo
deixa de ser trouxa, acorda , esse cretino é um traidor
2025-09-06
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Maria Jussara
vc tem sangue frio demais mulher
2025-09-06
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