O ESPELHO DA MEDUSA
As praças da Grécia antiga eram palcos não apenas de debates filosóficos, mas também de conspirações disfarçadas em discursos. No meio de tantos sofistas, havia um homem cujo nome era sussurrado com reverência e temor: Diógenes de Éfira.
Ele não precisava da verdade; para ele, a verdade era apenas um molde, uma argila maleável em suas mãos, que podia ser modelada conforme a moeda que recebia. A cada causa vencida, sua fama crescia, e sua bolsa de ouro pesava mais.
Numa noite abafada, à luz trêmula das tochas, um homem de vestes finas o procurou. Era Cléon, um comerciante amargo, marcado pelo desejo daquilo que não lhe pertencia. Ele caminhava com passos nervosos até a casa de colunas largas onde o sofista o aguardava.
— Então, Cléon… — disse Diógenes, recostado em um triclínio, taça de vinho nas mãos. — Trouxe-me sua angústia ou sua oferta?
— Ambos — respondeu o comerciante, lançando um olhar ao redor, temendo ser ouvido. — Existe um homem… Ele possui terras, casas, uma fortuna inteira que deveria ser minha. Ele usurpou aquilo que por direito pertence à minha família.
— O que deseja de mim? — Diógenes ergueu uma sobrancelha, já antevendo a resposta.
— Que ele seja condenado. Não basta perder o nome. Ele deve morrer. Só assim sua riqueza será liberta.
Diógenes sorriu, um sorriso que não carregava alegria, mas cálculo.
— E quanto vale a vida de um homem justo para você, Cléon?
— Vale cem moedas de ouro agora… e mais duzentas quando sua fortuna estiver em minhas mãos.
O sofista girou a taça, o vinho vermelho refletindo a luz das lamparinas como sangue.
— Três centenas de moedas… pelo preço de um argumento. — Ele riu. — Aceito. Mas lembre-se: não serei eu a matá-lo. Será o próprio povo a exigir sua morte, acreditando que a justiça está sendo feita.
Cléon assentiu com um brilho cruel nos olhos.
— Então faça. Convença-os. Conduza-o à cicuta.
---
O julgamento aconteceu na ágora, diante de magistrados e cidadãos. O acusado, Euríalo, um homem de caráter íntegro, permaneceu firme no centro da praça, cercado por olhares desconfiados.
A multidão murmurava. Alguns o defendiam em silêncio, outros já acreditavam nas acusações espalhadas por Cléon.
— “Cidadãos de Éfira!” — a voz de Diógenes ecoou forte, sua presença dominando o espaço. — “Estamos diante de um crime hediondo: o roubo da herança, a traição entre irmãos de sangue! Cléon aqui foi lesado por aquele que deveria ser leal! Euríalo, este homem de falsa honra, ergueu sua fortuna sobre a injustiça!”
Euríalo ergueu a voz:
— “É mentira! Minhas posses são minhas por direito, herdadas de meu pai, conquistadas pelo meu esforço! Nunca roubei, nunca enganei!”
Mas Diógenes sabia envenenar corações com suas palavras. Ele não precisava de provas, apenas de imagens fortes que inflamassem a imaginação do povo.
— “Vejam suas mãos! Não estão manchadas de sangue? Não são estas as mãos de um ladrão que sorri diante da dor de seu próprio irmão?”
A multidão se agitou.
— “É verdade! É um ladrão!” — alguns gritaram.
Euríalo tentou resistir, seus olhos buscando apoio.
— “Ouçam-me! Cléon mente! Ele quer minha fortuna!”
Mas Diógenes ergueu a mão, impondo silêncio.
— “Mentira? Como pode ser mentira se as lágrimas de Cléon são visíveis a todos? Como pode ser mentira se sua ganância é tão clara quanto o sol que nos ilumina? O roubo é evidente, a traição é evidente! E, diante de tais crimes, só existe uma pena justa: a morte pela cicuta!”
As vozes se ergueram em uníssono:
— “Morte! Que beba a cicuta! Que pague por seus crimes!”
Euríalo foi levado à força, sua esposa e filhos chorando aos pés dos magistrados. Diante da multidão, o cálice amargo foi colocado em suas mãos.
— “Sou inocente!” — gritou ele uma última vez, antes de levar o veneno aos lábios. — “Deus é minha testemunha!”
Seu corpo tombou lentamente, e o silêncio caiu sobre a praça.
Cléon sorriu.
E Diógenes, impassível, apenas aguardou sua recompensa.
Naquela mesma noite, recebeu de Cléon a bolsa de ouro prometida. As moedas tilintaram com um som metálico, frio, enquanto ele as guardava sob a túnica.
— “Você tem sua fortuna, Cléon” — disse o sofista. — “E eu, a minha.”
E, rindo de sua vitória, deixou o local, seguindo pelas ruas escuras que o conduziam de volta à sua casa.
---
Mas os deuses não esquecem.
Enquanto caminhava, a terra tremeu sob seus pés. Uma fenda se abriu silenciosa, como uma boca faminta do submundo. Diógenes, distraído com o peso do ouro, não viu.
E foi tragado.
O impacto o lançou às entranhas da terra.
Por um momento, havia apenas trevas. Mas então, chamas surgiram nas paredes, acendendo-se uma a uma, como tochas que aguardavam sua chegada. O ambiente revelou-se um templo antigo, esquecido, guardado pelo silêncio dos séculos.
No centro, erguia-se um espelho sobre um altar de pedra. Sua superfície brilhava como água imóvel, refletindo mais do que luz — refletindo destino.
Diógenes se aproximou, ainda atônito. E no reflexo não viu a si mesmo, mas a Medusa: olhos flamejantes, cabelos de víboras, e um sorriso que gotejava veneno.
Um chocalho ecoou, como serpentes festejando.
A voz ressoou como trovão na mente dele:
— Você foi julgado. Você foi condenado.
O vidro se partiu em ondas, tragando o sofista. Ele gritou, tentou resistir, bateu as mãos contra a superfície, mas já estava do outro lado: preso em um labirinto infinito de espelhos, cada reflexo multiplicando sua agonia.
Labirinto e a Sentença)
Quando o vidro se fechou sobre Diógenes, não houve escuridão; houve multiplicação.
Primeiro, o frio. Depois, um clarão metálico, como lâmina recém-desembainhada. À sua frente, erguiam-se corredores intermináveis, todos revestidos por espelhos que não refletiam apenas sua figura — refletiam sua culpa, ampliada, repetida, distorcida, até beirar o insuportável. Em cada superfície, um Diógenes olhava para o outro, como se as próprias versões de si o julgassem em uníssono.
Algo rastejou pelo chão liso, deixando um rastro de prata e veneno. A cauda da Medusa serpenteou por trás dele, ergueu-se, e, num estalo seco, enlaçou-lhe o tornozelo. Diógenes foi arrastado para o coração do labirinto, as palmas bateram contra o vidro, os ecos explodiram de todos os lados.
— Aqui não há portas, sofista — sibilou a voz, não de um ponto, mas de todos os pontos ao mesmo tempo. — Há apenas reflexos. E nenhum deles devolverá você ao mundo que conhece.
Ele tentou firmar o corpo, ofegante, a túnica em desalinho, as moedas que ainda prendia à cintura tilintando como pequenos sinos de um funeral. A Medusa surgiu multiplicada — mil rostos, a mesma boca, o mesmo sorriso ferino. Os guizos das serpentes em sua cabeça eram um coro de chocalhos rituais.
— Veja, apontou uma de suas répteis, em um espelho lateral.
Diógenes voltou o rosto e sentiu os joelhos fraquejarem: ali, almas golpeavam silenciosamente as paredes de vidro de suas jaulas refletidas. Eram sombras de homens e mulheres que o sofista reconheceu sem reconhecer: rostos que, como ele, haviam se servido da mentira, do abuso do verbo, da força sem justiça. Um punhado sangrava dos nós dos dedos de tanto esmurrar o impossível. Outros apenas choravam, com a boca aberta em gritos que somente o silêncio escutava.
— Daqui você não sai, disse a Medusa, aproximando-se, os cabelos-víbora tamborilando. — Pode contar suas moedas. Pode repetir suas teses. Pode afiar a língua. Tudo isso perde o fio aqui dentro. Eu fui injustiçada por uma deusa e me fizeram monstro — pois bem, fiz-me medida. A partir desta noite, onde houver um espelho, haverá julgamento. Onde houver reflexo, haverá sentença.
Diógenes, num último lampejo de soberba, arreganhou um sorriso torto:
— Eu… eu posso defender-me. Ninguém debateu comigo ainda. Dê-me uma assembleia e venceremos…
— Você já debateu a vida inteira, e venceu às custas de vidas que não eram suas, cortou ela, e sua voz ricocheteou como aço. — Agora você ouve.
As paredes vibraram, e um dos espelhos, diante deles, fluidificou como água de nascente. Nele, apareceu a imagem de uma casa iluminada por lamparinas: a casa do usurpador. Cléon avançava como um rei temporário, calcanhares pesados na pedra polida, a mão varrendo o ar com impaciência.
— “Saiam! Saiam todos!” — bradou ele, e o som, trazido pela lâmina límpida do espelho, chegou nítido ao labirinto. — “Esta casa é minha por sentença da cidade! Viuva, leve seus filhos! Servos, obedeçam-me, ou todos beberão amargura como seu senhor!”
A viúva apertou as crianças contra o peito e chorou. Dois servos mais velhos tentaram argumentar, mas Cléon os empurrou com o dorso da mão; a prata de um bracelete brilhou, arrogante, à luz bruxuleante.
Então veio o sibilo. Primeiro, suave. Depois, crescente. Um guizo que ninguém ali reconhecia, mas que a alma teme antes de aprender o nome.
— “Que barulho é esse?” — rosnou Cléon, crispando o cenho, como se a audácia de um som invisível o insultasse.
A lamparina, sobre uma mesa, oscilou. A chama inclinou-se na direção de um grande espelho oval, emoldurado por madeira escura. A superfície, até então lisa, ondulou. O reflexo deixou de repetir os vivos no aposento e mostrou, ao fundo, olhos que não pertenciam a homem nenhum. Os cabelos de víboras remexeram-se, e a Medusa sorriu — não no mundo da casa, mas através dele.
— “Quem ousa?” — Cléon deu um passo à frente, já tenso, sem ousar pronunciar medo.
— Eu ouso, disse a voz que o ar não sustentava, e o espelho respondeu em ondas. Você matou um inocente pela avareza e pela ambição. Vim buscá-lo. Seu cúmplice já me aguarda.
A cauda rompeu a superfície como lança, atravessando o vidro sem parti-lo. Num golpe rápido, enredou-se na cintura de Cléon. Ele perdeu o ar, contorceu-se, tentou agarrar-se ao aparador. A viúva gritou. Os servos tropeçaram para trás, derrubando uma cadeira.
— “Solte-me! Solte-me!” — urrava ele, arranhando a cauda, sentindo na pele o frio vivo daquilo que não podia ser da Terra. — “Guardas! Guardas!”
Não havia guardas. Havia o espelho. E havia a sentença.
Com um puxão, o usurpador foi arrastado. Os calcanhares arranharam o piso, deixando riscos como unhas na lápide. A moldura tremeu, beijada por um vento que não vinha de lugar algum. Quando seu corpo tocou a superfície, não houve choque: houve passagem. Sumiu inteiro, como se caísse dentro de um lago sem fundo. Sua última visão do mundo foi a viúva ajoelhada, as crianças abraçadas às saias, os servos com as mãos sobre a boca, e a certeza tardia de que o tribunal dos homens não era o último.
— Traga-o para mim, ordenou a Medusa, e no labirinto, a água de prata reconstituiu-se, abrindo-se então atrás de Diógenes. Ele virou-se a tempo de ver Cléon despencar no chão de vidro — duro, intacto, infinito — e quedar-se de quatro, arfando, olhos enormes.
Por um instante, silêncio. Só o compasso do medo.
Depois, os dois se ergueram, cambaleantes, e se viram. Não um frente ao outro, mas mil vezes um frente ao outro, em corredores paralelos. Cada movimento que faziam replicava-se à exaustão, como se um exército de sombras representasse suas culpas. Cléon foi ao encontro do sofista e, num muro de transparência, ambos colidiram — punhos fechados, dentes à mostra, gladiadores sem arena.
— Você me trouxe para cá! — cuspiu Diógenes, a testa pressionada ao vidro. — Você me pagou para torcer a verdade! Sem você, eu teria dormido esta noite sob meu próprio teto!
— E sem você, eu não teria acreditado que podia roubar um destino, Diógenes! — devolveu Cléon, a voz falhando. — Você está aqui pela sua ambição, pela sua arrogância, pela sua avareza! Ganhou trezentas moedas com o preço do sangue de um justo!
— E você está aqui porque sua fome te cegou! — o sofista golpeou o vidro com a base da mão, e o som atravessou os corredores como trovão. — Comprou meu verbo para matar a verdade que te condenava!
Espelhos estalaram como gelo velho. Do teto, uma sombra caiu como véu: a Medusa desceu entre as fileiras, e, por onde passava, os reflexos se multiplicavam outra vez, até que não fosse mais possível saber quem olhava quem, quem falava com quem, se os homens se dirigiam um ao outro ou apenas às suas próprias versões cristalinas.
— Chega.
A palavra não foi alta, foi inevitável.
Os dois ficaram imóveis, não por obediência, mas por compreensão tardia de que nenhum gesto ali era deles. A Medusa aproximou o rosto, e, quando falou, foi como se a pedra aprendesse a ter voz:
— Vocês ficarão aqui pela eternidade. São a minha coleção. Meus bichinhos de estimação.
As serpentes riram — um risinho de guizos, cruel, antigo.
— Cada um de vocês carregará seus próprios pecados, sem máscaras, sem plateia, sem aplausos. A eternidade é tempo suficiente para aprender o peso de uma mentira. E não adianta: os deuses não virão libertá-los. Eles me deram este poder, e vocês dois o liberaram — abriram-me caminho para todos os reflexos. A partir de agora, eu posso entrar em qualquer espelho.
Ela ergueu a mão, e todos os espelhos responderam como uma só superfície, respirando. A luz, que não tinha fonte, moveu-se como maré.
— Vocês gladiam entre si como se existisse vitória, mas aqui não há vencedores. Há sentenciados. E cada novo injusto que olhar um espelho com as mãos sujas do que fez será meu. Pensem, humanos: vocês têm pecados? Então pensem antes de olhar o espelho. Porque ele pode ser a sua prisão.
Diógenes tentou falar; o som que saiu foi um sopro. Cléon bateu uma vez, outra, uma terceira — a pele se abrindo; o vidro, intacto. Atrás deles, outras almas, antigos e recentes, aproximaram-se em silêncio. Não havia consolo entre iguais; havia, no máximo, reconhecimento.
— Olhem-se, ordenou a Medusa, e o verbo virou lei.
Os espelhos obedeceram. Em todos, Diógenes viu o próprio riso no momento em que contava as moedas; em todos, Cléon viu o exato segundo em que empurrou a viúva com o dorso da mão. Repetição. Repetição. Repetição. Até que a memória deixasse de ser lembrança e se tornasse pena.
— Neste labirinto, concluiu ela, todas as saídas são entradas. Vocês andam em círculos até admitirem o que são, e, quando admitem, caminham mais, e descobrem que ainda não foi o bastante. Infinito é o nome do meu chão.*
As tochas invisíveis diminuíram, como se a própria luz se cansasse. Em algum lugar, muito longe e, ao mesmo tempo, logo ali, ouviu-se o chorinho de uma criança — eco que entrara com Cléon e perdera o caminho de volta.
A Medusa ergueu-se, voltou-se para um dos corredores e começou a se afastar. Ao mover-se, era como se arrastasse um manto de reflexos, e cada guizo das serpentes lembrava um relógio que não contava horas, mas culpas.
— Colecionarei vocês bem, disse sem olhar para trás. — E quando o próximo injusto erguer os olhos, eu estarei do outro lado.
Os dois homens, agora reduzidos à honestidade da própria queda, quedaram-se sem fala. Diógenes encostou a testa no vidro, e, por um segundo, o sofista que governara assembleias ousou sussurrar uma oração — não para um deus, mas para uma verdade que nunca servira.
Cléon, diante dele, fez o mesmo gesto. E em mil espelhos essa pequena rendição repetiu-se, um mosaico de arrependimentos tardios.
Lá fora, em casas, bordéis, templos, becos e palácios, inúmeros espelhos adormeciam sobre cômodas e paredes. Alguns refletiam flores; outros, feridas. A partir daquela noite, todos refletiriam também destinos.
E se você, leitor, me perguntar onde estava a Medusa, eu lhe responderei como respondem as coisas que não possuem lugar, mas acesso:
— Eu estava exatamente onde você ousou me olhar.
E se me perguntar quando olho de volta, direi apenas:
— **Quando você menos esperar e quando você mentir.**
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 32
Comments