O garçom servia o vinho em taças de cristal quando o silêncio se fez à mesa. O tilintar suave do líquido escorrendo só aumentava a tensão no ar. Helena tentava manter a postura ereta, como sua mãe lhe ensinara, mas por dentro sentia que a qualquer instante poderia desmoronar. O olhar fixo de Enrico Castellani sobre ela era quase insuportável.
Era como estar diante de um espelho que refletia não a sua aparência, mas cada fraqueza, cada medo.
E, ainda assim, ela não desviou os olhos.
— Então... — começou seu pai, em tom jovial demais para a seriedade do momento — acredito que esta união será benéfica para ambas as famílias. Helena é uma jovem dedicada, educada e saberá cumprir seu papel com discrição.
Helena cerrou os punhos sob a mesa. Não era uma apresentação, era um anúncio. Como se ela fosse um objeto sendo descrito num catálogo.
Enrico não reagiu de imediato. Apenas levou a taça de vinho aos lábios, observando-a por cima do cristal. O gesto foi lento, calculado, como se pesasse cada segundo. Finalmente, colocou o copo de volta na mesa e disse:
— Imagino que Helena tenha voz nesse arranjo. — A voz dele era grave, firme, mas curiosamente sem ironia. — Ou estou enganado?
O pai de Helena engasgou-se com o próprio vinho, mas foi a mãe quem respondeu, firme:
— As decisões da família não precisam de questionamentos, Enrico. Ela sabe qual é o seu dever.
Helena sentiu o estômago revirar. Mas o olhar de Enrico ainda estava sobre ela, como se aguardasse sua resposta. E, pela primeira vez em muito tempo, ela não quis ser silêncio.
— Eu não escolhi este casamento — disse, com a voz calma, mas firme. — Mas se devo aceitá-lo, quero que ao menos saiba: eu não sou um dever. Não sou um contrato. E não serei invisível dentro de uma casa, mesmo que ela seja a dos Castellani.
Um silêncio constrangedor caiu sobre a mesa. O pai de Helena corou de fúria, a mãe lançou-lhe um olhar fulminante. Mas Enrico... sorriu. Um sorriso quase imperceptível, mas real. Como se reconhecesse algo nela. Algo que ele não esperava encontrar.
— Muito bem — disse ele, sem desviar o olhar dela. — Prefiro assim. Uma mulher que não teme dizer o que pensa pode ser mais útil do que alguém que apenas obedece.
A mãe de Helena pigarreou, tentando mudar de assunto. Mas Helena ainda sentia o coração disparado. O olhar de Enrico era uma arma e uma promessa ao mesmo tempo. Assustava-a, mas também a intrigava. Como se, de alguma forma, ele tivesse visto algo nela que nem mesmo ela sabia que existia.
Depois do jantar, quando os pais de Helena foram tratar de detalhes contratuais com os advogados, ela e Enrico permaneceram sozinhos por alguns minutos. O silêncio entre eles não era vazio, mas carregado.
— Você não parece feliz — ele comentou, como quem observa, não como quem julga.
— E você parece? — ela rebateu, cruzando os braços.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Não acredito em felicidade. Acredito em acordos. Em benefícios mútuos.
— Então, pra você, eu sou só isso? Um benefício?
— E o que você esperava? — ele retrucou, a voz fria. — Que eu dissesse que me apaixonei à primeira vista?
Helena sentiu a resposta como um golpe. Mas, estranhamente, não baixou a cabeça.
— Não, Enrico Castellani. Não espero nada de você. Porque eu já aprendi que esperar dos outros é a forma mais rápida de se decepcionar.
Os olhos dele se estreitaram. E por um instante, o homem de gelo pareceu... humano. Como se aquelas palavras o atingissem mais fundo do que deveria.
Ele se aproximou um passo. Não o bastante para invadi-la, mas suficiente para que ela sentisse o peso de sua presença.
— Você é interessante, Helena Duarte. Muito mais do que imaginei. Talvez esse casamento não seja tão tedioso quanto pensei.
Antes que ela pudesse responder, os pais retornaram, sorridentes, anunciando que a data já estava sendo discutida. Helena desviou o olhar, mas não conseguiu ignorar a sensação incômoda que se instalava dentro dela.
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Atualizado até capítulo 52
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