Helena Duarte estava acostumada ao silêncio.
Não aquele silêncio acolhedor, que envolve como um cobertor numa noite fria, mas o silêncio pesado, sufocante, que denuncia a ausência de tudo: de afeto, de escolha, de pertencimento.
Aos vinte e três anos, ela já havia aprendido demais sobre perdas. Crescera como a sombra da filha "perfeita" que os pais idolatravam, a segunda opção de uma família que só enxergava nela um peso, nunca um orgulho. Sua existência era uma constante lembrança de que não era o bastante. As palavras ásperas, as comparações injustas, a falta de carinho… tudo isso a moldara como uma mulher resiliente, mas também cansada.
Naquela manhã, ao arrumar a mesa de café em sua pequena cozinha de azulejos gastos, Helena observava o relógio como quem contava os minutos para um destino inevitável. O cheiro de pão requentado se espalhava pelo ar, mas não havia apetite. Apenas ansiedade.
O celular vibrou.
Uma mensagem curta, fria, direta:
"Hoje, às 20h. Esteja pronta. É importante para a família."
Helena suspirou. Sabia muito bem o que aquelas palavras significavam. Não era um convite. Era uma ordem. Assim havia sido sempre. A “família” decidia. Ela apenas obedecia.
O jantar daquela noite era um daqueles encontros formais em que os sorrisos pareciam moldados sob medida, tão falsos quanto o brilho das joias que adornavam as mulheres à mesa. Helena sentou-se em silêncio, ouvindo as conversas sobre negócios, ações, fusões. Não fazia parte daquele mundo, mas sua presença era exigida como parte da encenação.
Foi quando o anúncio veio, na voz firme do seu pai, que não permitia interrupções:
— Helena se casará com Enrico Castellani. O contrato está fechado.
O choque atravessou o corpo dela como uma corrente elétrica. O coração bateu descompassado, os olhos arregalaram-se, mas ninguém à mesa pareceu notar. Ou talvez notassem, mas fingissem não ver. Porque, para eles, o que ela sentia era irrelevante.
— Pai, eu… — ela tentou protestar, mas foi interrompida pelo olhar duro da mãe.
— Não é uma escolha, Helena. É um dever.
Um dever.
Como se sua vida, seu corpo, seus sonhos fossem fichas de negociação em um jogo em que ela nunca tivera vez.
Quando deixou o jantar, Helena sabia que precisava falar com Patrick.
Eles estavam juntos havia quase dois anos. Ele não era o namorado perfeito, mas sempre fora o porto onde ela acreditava poder descansar das exigências da família. Não era paixão avassaladora, mas era companhia. E naquele momento, mais do que nunca, ela precisava sentir que não estava sozinha.
O coração pesava enquanto caminhava pela rua estreita do bairro onde ele morava. As luzes amarelas dos postes iluminavam a calçada irregular, e cada passo parecia ecoar sua ansiedade. As palavras martelavam em sua mente: “Casamento arranjado... contrato fechado...” Como ela poderia contar isso a Patrick? Como poderia explicar que, em poucos meses, estaria casada com outro homem?
Respirou fundo diante da porta. Bateu uma vez. Duas.
Ninguém respondeu. Mas o som abafado de risadas chegou até ela pela janela entreaberta. Risadas familiares. Uma voz masculina grave — a dele. Uma voz feminina... doce, um pouco arrastada. Reconhecível demais.
Helena franziu o cenho. Empurrou devagar a porta, que cedeu sem resistência. O coração acelerou. Passou pelo corredor estreito, cada passo mais pesado do que o anterior, até que parou à entrada da sala.
E ali, diante de si, a cena que a rasgaria por dentro:
Patrick estava sentado no sofá, o sorriso largo, as mãos firmes segurando a cintura de uma jovem que ria com a cabeça jogada para trás. Helena não precisou de mais do que um segundo para reconhecer os cabelos castanhos perfeitos, o perfume caro que sempre a fazia se sentir diminuída.
Era sua irmã.
Bianca.
O riso congelou nos lábios da outra quando percebeu a presença de Helena. Patrick arregalou os olhos, mas não se afastou. Pelo contrário, pareceu hesitar, como se não houvesse motivo para esconder.
— Helena... — Bianca começou, ajeitando-se no colo dele, o sorriso já transformado em deboche. — Eu... não esperava você aqui.
Helena sentiu as pernas tremerem. O corpo inteiro parecia querer desabar, mas ela se manteve de pé, mesmo que a respiração saísse em soluços curtos.
— Patrick... o que é isso?
Ele levantou-se devagar, sem conseguir encará-la nos olhos. Passou a mão pelos cabelos, nervoso, e disse apenas:
— Helena, me desculpa... mas eu não podia mais fingir.
— Fingir? — a voz dela soou mais alta, rachada de incredulidade. — Fingir o quê? Que me amava? Que eu era suficiente?
Bianca riu baixinho, sarcástica.
— Sempre soube que ele não era pra você, irmãzinha. Você nunca soube... manter um homem. Patrick merece alguém à altura.
As palavras bateram em Helena como facas.
Se tivesse forças, teria gritado. Se tivesse orgulho, teria ido embora sem uma palavra. Mas só conseguiu ficar ali, encarando os dois, com a alma sangrando em silêncio.
— Eu vim até aqui pra dizer que vou me casar — ela murmurou, a voz embargada. — Arranjaram um marido pra mim. E eu achei que precisava te contar... porque acreditava que você era a única parte da minha vida que ainda era minha.
Os olhos marejados se ergueram para Patrick, que desviava o olhar como um covarde.
— Mas agora eu vejo que não tenho mais nada. Nem a mim mesma.
Virou-se antes que eles pudessem responder. As lágrimas desceram livremente quando a porta bateu atrás de si. Caminhou pela rua sem rumo, os passos trôpegos, o coração despedaçado. Não sabia o que a aguardava no futuro, mas uma certeza queimava em seu peito:
Não havia mais passado a que pudesse se agarrar.
Agora, só restava seguir em frente.
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Atualizado até capítulo 52
Comments
Maria do socorro frança
dois covardes que não respeita ninguém e nem sentimentos da menina
2025-09-04
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