Retratos do Passado

Capítulo 5: Retratos do Passado

O pequeno progresso com Laura encheu Sophia de uma cautelosa esperança. Ela passou a manhã seguinte replicando a rotina silenciosa: sentava à mesa, estudava e desenhava, permitindo que Laura se aproximasse e se expressasse através dos gizés em seu próprio tempo. A menina agora desenhava abertamente na mesma mesa, ainda de costas ou de lado para Sophia, mas a presença da babá já não era mais uma ameaça, e sim uma companhia esperada.

Foi durante um desses momentos de paz que uma voz a fez saltar.

"Parece que alguém finalmente conseguiu conquistar a pequena sereia."

Sophia ergueu os olhos rapidamente. Clara estava encostada na moldura da porta da sala de estar, os braços cruzados, observando a cena com um sorriso ambíguo nos lábios. Seu olhar não era necessariamente hostil, mas era penetrante, analítico, como se estivesse decifrando um código.

"Ela gosta de desenhar", respondeu Sophia, mantendo a voz neutra. "É uma boa maneira de se comunicar."

"Sim, sempre foi. Marina, a mãe dela, adorava artes. Pintava, desenhava... Laura puxou a ela." O tom de Clara era nostálgico, mas havia uma ponta de algo mais—talvez ciúme, talvez dor. Era a primeira vez que alguém mencionava o nome da falecida esposa de Ricardo com naturalidade.

Sophia sentiu que era uma abertura, uma chance de entender melhor a família na qual estava se inserindo. "Ela... deve ser uma grande falta."

Clara entrou na sala e se aproximou da lareira fria, onde uma foto em um porta-retratos de prata mostrava uma mulher de sorriso fácil e olhos claros, abraçando uma Laura de talvez três anos, com as bochechas rosadas e rindo. Era uma imagem de uma felicidade que parecia ter sido apagada daquela casa.

"Marina era... luz", disse Clara, seu dedo passando levemente sobre o pó na moldura do porta-retratos. "Tudo era mais fácil com ela aqui. Ricardo sorria mais. Esta casa era um lar, não um... bem, você pode ver." Ela fez um gesto vago, indicando a perfeição gelada do ambiente. "Depois que ela partiu, a luz se apagou. Para todos nós."

Sophia olhou para Laura, que parecia completamente alheia à conversa, absorta em preencher o céu do seu desenho com um azul meticuloso. Era difícil imaginar aquela criança risonha da foto na menina silenciosa e séria diante dela.

"Foi muito repentino?", ousou perguntar Sophia.

Clara a fitou, e pela primeira vez, Sophia viu uma fenda na armadura perfeita da mulher. Seus olhos estavam brilhando com uma umidade não derramada. "Um acidente de carro. Chovia muito, naquele dia. Tudo foi muito rápido." Ela engoliu seco e endireitou os ombros, recompondo-se instantaneamente. O momento de vulnerabilidade havia passado. "Ricardo nunca foi o mesmo. Enterrou-se no trabalho. E Laura... bem, Laura enterrou-se dentro de si mesma."

Ela se virou para Sophia, e seu olhar agora era mais direto, quase desafiador. "Ele a contrata para ser os olhos e os braços dele. Para garantir que a rotina segue perfeita. É isso que mantém Laura... estável. Mudanças bruscas não são boas para ela." O aviso estava claro: Não tente ser mais do que você foi contratada para ser.

"Eu entendo", disse Sophia, mas sua mente estava girando. Ela não estava lá apenas para manter uma rotina. Ela estava lá para ajudar uma criança a se reencontrar. A foto na lareira era a prova de que aquela não era a verdadeira Laura.

Clara pareceu satisfeita com a resposta. "Bom. O almoço será servido em quinze minutos. Não se esqueça de lavar as mãos dela. Ela não gosta de sentir o cheiro de giz na comida."

E com isso, Clara saiu da sala, deixando para trás o eco de um passado doloroso e o peso de suas expectativas.

Sophia olhou novamente para a foto. Para Marina. Para a Laura que rira. Ela olhou para a Laura real, que agora segurava o giz azul com uma intensidade quase feroz, como se fosse a única coisa que a mantivesse ancorada a este mundo.

A conquista do dia não foi um giz oferecido ou um desenho compartilhado. Foi a compreensão. Sophia agora entendia a profundidade do abismo que ela estava tentando ajudar a transpor. Não era apenas sobre fazer uma criança falar novamente. Era sobre trazer de volta um pouco daquela luz que havia sido apagada.

Ela não sabia como, mas estava mais determinada do que nunca.

A tarde seguiu tranquila, com Laura mostrando a Sophia—através de gestos mínimos e da escolha de cores—que confiava nela o suficiente para compartilhar seu silêncio.

Quando Sophia se despediu no final do dia, Laura não fugiu. Apenas ergueu os olhos de seu desenho e segurou seu olhar por uma fração de segundo antes de acenar com a cabeça, um gesto quase imperceptível de reconhecimento.

Era um final de dia calmo. Uma trégua. Um respiro depois dos primeiros combates e antes das batalhas que ainda estavam por vir. Sophia saiu da mansão sentindo o peso do passado, mas também carregando o calor modesto de uma pequena vitória.

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