Capítulo 2: A Entrevista
O som dos pneus do ônibus chiando no asfalto molhado era a trilha sonora da ansiedade de Sophia. Ela apertou a pasta com seu currículo contra o peito, como se aquelas folhas de papel pudessem protegê-la do frio e do nervosismo. A chuva fina da tarde pintava a cidade de tons de cinza, e ela se perguntou, não pela primeira vez, o que estava fazendo ali, longe de tudo que era familiar.
O endereço anotado em um post-it levou-a até um bairro de ruas arborizadas e casas grandes, tão diferentes do seu estúdio minúsculo. Cada residência parecia uma fortaleza, imponente e fechada. A número 725 era a mais impressionante: linhas modernas, um jardim impecavelmente cuidado e uma aura de silêncio quase absoluto.
Antes que sua coragem a abandonasse, ela inspirou fundo e pressionou a campainha. O som pareceu ecoar por eternidades dentro da casa.
A porta foi aberta por uma mulher de uns trinta e poucos anos, vestindo um conjunto de athleisure que provavelmente custava mais que o aluguel de um mês de Sophia. Seus olhos fizeram um rápido—e pouco sutil—scan da candidata, da gola simples do seu vestido à sua pasta modestinha.
"Sim?" A voz foi tão polida quanto seu visual, mas sem calor.
"Boa tarde. Sou Sophia. Tenho uma entrevista marcada com o Sr. Ricardo para a vaga de babá."
A mulher—Clara, como Sophia viria a descobrir—franziu levemente o nariz, mas abriu a porta. "Entre. Ele está te esperando. Espero que você seja mais... durável que as outras."
O comentário pairou no ar enquanto Sophia era conduzida por um hall amplo e decorado com um minimalismo que beirava a frieza. Não havia fotos de família, nenhuma peça fora do lugar, nenhum sinal de que uma criança vivia ali.
Ricardo não a recebeu em uma sala de estar aconchegante, mas em um escritório. Ele estava de costas para a porta, falando ao telefone em um tom baixo e autoritário. Quando se virou, Sophia sentiu um nó se formar em seu estômago. Ele era mais jovem do que imaginara, mas sua expressão era dura, marcada por uma cansada seriedade. Seus olhos azuis a avaliaram com a mesma frieza com que ele devia analisar um relatório financeiro.
"Sr. Martins?", ela começou, tentando disfarçar o tremor em sua voz. "Sou Sophia Oliveira."
Ele terminou a ligação sem pressa e indicou a cadeira à sua frente. "Sente-se. Tenho exatamente vinte minutos."
A entrevista foi mais um interrogatório. Ele questionou suas qualificações, suas experiências anteriores (poucas, mas sinceras), sua disponibilidade ("Ilimitada", ela mentiu, pensando nas contas) e seus motivos ("Adoro crianças", ela disse, e dessa vez era a pura verdade).
No meio de uma pergunta sobre primeiros socorros, uma pequena sombra apareceu na porta entreaberta. Era uma menina, escondendo-se atrás da moldura, segurando um coelho de pelúcia desgastado. Seus enormes olhos azuis, iguais aos do pai, observavam Sophia com uma mistura de curiosidade e medo intenso.
Ricardo seguiu seu olhar e sua expressão endureceu ainda mais. "Laura, você deveria estar com sua tia."
A menina não respondeu. Não se moveu. Apenas fitou Sophia, que instintivamente ofereceu um pequeno sorriso, suave e sem pressão. Um sorriso que dizia 'Oi, tudo bem? Eu não vou te machucar.'
Laura não sorriu de volta. Em vez disso, ela se afastou da porta e desapareceu no corredor silencioso, deixando para trás uma impressão de profunda tristeza.
Ricardo voltou-se para Sophia, seu olhar mais impenetrável do que nunca. "Minha filha é... quieta. Não fala. Sua função seria cuidar de suas necessidades básicas, levá-la à escola, garantir sua segurança. Nada mais."
A frieza da descrição doeu em Sophia. Aquela não era uma criança; era uma tarefa a ser cumprida.
"Entendo", ela respondeu, mas algo dentro dela se rebelou contra aquela ideia.
Ao final dos vinte minutos exatos, Ricardo levantou-se. "A Sra. Clara mostrará a saída. Entraremos em contato."
Era uma demissão polida. Sophia sentiu o peso da decepção. Ela precisava daquele emprego.
Enquanto seguia Clara de volta para a porta, seus olhos vasculharam os arredores, esperando talvez ver a menina novamente. No degrau superior da escada, sentada e quase invisível na penumbra, estava Laura. Ela não estava mais segurando o coelho de pelúcia.
Em suas mãos, havia um giz de cera vermelho e um pequeno pedaço de papel.
E ela estava desenhando.
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Atualizado até capítulo 30
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