O Desafio

Capítulo 3: O Desafio

O primeiro dia oficial de Sophia como babá da pequena Laura começou com um silêncio que era quase físico. A mansão, mesmo sob a luz do sol da manhã, mantinha sua aura fria e impessoal. Clara a recebeu com um sorriso tenso e uma lista meticulosa de regras e horários, entregue com ares de quem transmitia um testamento sagrado.

"A Laura é uma criança de rotina", disse Clara, seu olhar perfurante. "Qualquer desvio... bem, você vai perceber. O almoço é às doze e quinze, não às doze e trinta. Ela não come a casca do pão. E, o mais importante, não force a barra. Ela não gosta de toques ou surpresas."

Sophia assentiu, segurando a lista como se fosse um mapa de um campo minado. Ela sentiu o peso da responsabilidade e da desconfiança de Clara, mas um olhar de relance para Laura, sentada imóvel no sofá da sala de estar, encheu-a de determinação. A menina parecia uma pintura triste, vestida perfeitamente, com os cabelos presos, segurando o coelho de pelúcia.

"Bom dia, Laura", Sophia cumprimentou, mantendo uma distância segura e usando um tom de voz suave e calmo.

Laura não respondeu. Nem sequer ergueu os olhos. Seu olhar estava fixo na janela, como se esperasse por alguém que sabia que nunca viria.

As horas se arrastaram em uma coreografia estranha e silenciosa. Sophia tentou seguir a rotina à risca, mas cada tentativa de interação—oferecer um brinquedo, sugerir um desenho, ler uma história—era recebida com um vazio absoluto. A menina comia quando servida, bebia quando a água era colocada à sua frente, mas era como se sua essência, sua alma, estivesse em outro lugar. Era desanimador.

No final da tarde, uma ideia surgiu na mente de Sophia. Ela se lembrou do giz de cera que vira no dia da entrevista. Sem dizer uma palavra, pegou uma grande folha de papel em branco da pasta que trouxera e um punhado de giz de cera de várias cores. Sentou-se no chão, a uma boa distância de Laura, e começou a desenhar. Não olhava para a menina, não a pressionava. Apenas desenhava.

Ela desenhou um sol grande e amarelo no canto superior esquerdo. Depois, algumas nuvens fofas e redondas. Um pássaro desengonçado voando em direção a elas.

Por longos minutos, nada aconteceu. Apenas o som suave do giz raspando no papel. Sophia já começava a achar que a ideia tinha falhado quando, pela periferia da visão, percebeu um movimento mínimo.

Laura havia se virado. Seus olhos, antes vidrados, agora estavam fixos no papel que ganhava cores. Ela observava, imóvel, mas com uma centelha de curiosidade que não estava lá antes.

Sophia continuou, desenhando agora uma casa simples, com uma porta retangular e uma janela quadrada. Sua mão escolheu um giz de cera vermelho, da mesma cor que Laura segurava antes.

Foi então que a menina se moveu. Lentamente, como se cada articulação doísse, ela se levantou do sofá. Seus passos foram quase inaudíveis no carpete espesso. Ela parou a alguns centímetros de Sophia, ainda segurando seu coelho de pelúcia.

O coração de Sophia bateu mais rápido, mas ela não fez nenhum movimento brusco. Apenas continuou a colorir o telhado da casa.

E então, Laura se ajoelhou. Seus pequenos dedos, pálidos e finos, pairaram sobre a caixa de giz de cera. Eles hesitaram por um segundo que pareceu uma eternidade, tremendo levemente.

Sophia prendeu a respiração.

Os dedos de Laura se fecharam. Eles não escolheram o vermelho. Escolheram um azul profundo, quase da cor dos olhos dela—e do pai.

Sem olhar para Sophia, sem fazer um som, a menina esticou o braço e, com uma linha trêmula e hesitante, começou a desenhar uma figura pequena e curvada ao lado da porta da casa.

Era uma menina. De cabelos longos.

E ao seu lado, um pequeno coelho.

Sophia não sorriu, não comemorou. Por dentro, however, uma onda de pura e triunfante emoção tomou conta dela. Ela havia conseguido. Havia aberto uma fresta, por menor que fosse.

Mas assim que a ponta do giz azul tocou o papel para fazer o olho do coelho, o som pesado da porta da frente sendo aberta ecoou pela casa.

Ricardo estava em casa mais cedo.

A mão de Laura congelou no ar. O giz azul caiu no carpete, rolando silenciosamente. A centelha de vida em seus olhos se apagou instantaneamente, substituída pelo medo e pelo recolhimento familiar. Ela se levantou de um salto, agarrou seu coelho com força e fugiu em direção às escadas, desaparecendo de vista antes mesmo de Ricardo entrar na sala.

Ele surgiu no umbral, terno impecável, expressão cansada. Seu olhar percorreu a sala, pousou em Sophia sentada no chão e na folha de papel cheia de cores—e na figura solitária da menina de cabelos longos, inacabada.

"Tudo sob controle aqui?", ele perguntou, sua voz um misto de cansaço e formalidade.

Sophia olhou para o giz azul abandonado no chão, depois para a escada vazia por onde Laura fugira.

A fresta havia se fechado.

"Sim, senhor", ela respondeu, sua voz um pouco mais áspera do que gostaria. "Tudo sob controle."

Mas nada estava. E ela mal podia esperar para tentar abri-la novamente.

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