Ecos na Escuridão

A noite caía pesada sobre Ravaryn. As tochas nos muros do castelo de Altheon queimavam como olhos de vigília, iluminando pouco mais que a própria pedra, enquanto a lua, envolta em nuvens, parecia se recusar a testemunhar o que estava por vir.

Do lado leste, o clã Kaelmar se movimentava como uma serpente, silencioso, mas venenoso. Cavalos escuros, armaduras leves e capuzes negros — era a forma deles de enviar um recado: “estamos aqui, e não temos medo.”

No salão principal do castelo, Lorde Altheon ergueu-se diante de seus guerreiros e conselheiros. Sua voz grave ecoava pelas paredes de pedra.

— Eles ousaram atravessar nossas fronteiras. Acenderam fogueiras nos campos que pertencem à nossa linhagem há séculos. Se Kaelmar pensa que pode cuspir em nossa honra sem consequências, logo provará do ferro e do sangue.

Entre os presentes, Lysandra se mantinha em silêncio, de pé ao lado da grande mesa de carvalho onde os mapas da região estavam abertos. Seus olhos percorriam as linhas e territórios, mas o coração batia mais rápido diante da escalada de violência que seu pai alimentava. Ela lembrava do rosto do homem que havia salvado na floresta — aquele desconhecido de olhos tempestuosos. Um detalhe a incomodava: havia nele algo que remetia aos Kaelmar. Mas isso era impossível... não era?

Enquanto isso, do outro lado das colinas, Kaelmar reunia seus generais em uma tenda de guerra. O líder, Darius Kaelmar, golpeava a mesa com punho fechado.

— Eles roubaram nossas colheitas no último inverno. Espiaram nossas fronteiras, como ratos farejando onde não devem. O orgulho deles fede mais que a carne de um cadáver ao sol. Está na hora de lembrar a Altheon por que nosso nome é temido.

Aric, o filho que raramente falava em público, ergueu os olhos. A chama da tocha iluminava seu semblante sério.

— E se estivermos alimentando apenas o ciclo que eles desejam? — perguntou, sua voz firme, mas contida. — Quantos jovens vamos enterrar desta vez por terras que mal conseguem sustentar as batalhas que travamos?

O silêncio tomou a tenda. O olhar de Darius, duro como lâmina, cravou-se no filho.

— Você fala como um homem que teme a guerra.

Aric sustentou o olhar.

— Eu falo como um homem que teme perder tudo.

Mas o conselho já estava decidido. E como era tradição, as palavras do filho eram levadas pelo vento, ignoradas por aqueles que respiravam apenas vingança.

Nos vilarejos entre as duas terras, a tensão escorria como veneno. Mercadores fechavam suas lojas mais cedo, mães recolhiam os filhos para dentro de casa e até os cães latiam como se pressentissem a tempestade. As pessoas simples sabiam: quando Altheon e Kaelmar se moviam, era o povo quem sangrava primeiro.

Naquela mesma noite, Lysandra caminhava pelos corredores de pedra do castelo, sua mente um turbilhão. O estranho que ela salvara — por que sua presença ainda a assombrava? E por que seus olhos carregavam a mesma sombra que agora ela via nas histórias contadas sobre os filhos Kaelmar?

Do outro lado das colinas, Aric não conseguia dormir. Saiu sozinho da tenda, caminhando até o topo de uma pequena elevação. Dali, via as luzes distantes de Altheon queimando contra o céu noturno. Era como olhar para o reflexo de um inimigo invisível, mas que respirava a cada batida de tambor.

Ele fechou os punhos. Algo dentro dele sabia que havia mais naquela rivalidade do que simples honra e orgulho. Mas as correntes do sangue eram pesadas demais para romper sozinho.

Na manhã seguinte, a tensão explodiu.

Um destacamento de Altheon marchou em direção aos campos disputados, para erguer estandartes em território contestado. Não demorou para que batedores Kaelmar interceptassem o movimento. As espadas foram desembainhadas, e os gritos ecoaram pelo vale.

Lysandra, contra a vontade do pai, insistira em acompanhar o grupo. Queria ver com seus próprios olhos o que significava esse ódio que herdava sem escolher. Quando o primeiro corpo caiu, ela entendeu: guerra não tinha glória. Só tinha silêncio e morte.

Aric, chamado às pressas, liderava os reforços Kaelmar. Seu olhar cruzou o campo ensanguentado, e por um instante pareceu reconhecer algo entre o caos. Uma figura feminina, armada mas hesitante, observando a carnificina com os olhos arregalados.

Ele não sabia quem era. Mas algo nele o fez parar. Apenas por um segundo.

E naquele segundo, um guerreiro de Altheon avançou contra ele.

Aric desviou, ergueu a lâmina e contra-atacou. O som do choque metálico ecoou pelo vale, como um trovão anunciando que a rivalidade, agora, não tinha volta.

Naquela noite, histórias começaram a se espalhar. A guerra havia dado seu primeiro passo. Sangue havia sido derramado.

E tanto Aric quanto Lysandra, de lados diferentes, sentiram o mesmo vazio sufocante: a estranha sensação de que aquilo era apenas o começo.

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Comments

Sheyla Cristina

Sheyla Cristina

ñ intendi foi nada

2025-09-11

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