O palácio real de Drakenshold era mais antigo que qualquer lembrança viva. Suas paredes carregavam retratos de reis esquecidos, vitrais coloridos que contavam histórias de batalhas, e um teto abobadado que parecia tocar o próprio céu. Naquela noite, o grande salão estava tomado por tochas mágicas suspensas no ar, flutuando como estrelas presas à vontade de um feitiço antigo.
Nobres, soldados, mercadores e mágicos enchiam o espaço, vestidos em trajes luxuosos, cheios de joias e símbolos de suas casas. O cheiro de vinho e especiarias se misturava ao som de violinos, criando uma atmosfera quase encantadora — quase, porque debaixo daquela beleza, todos sabiam que a noite era apenas uma desculpa para medir forças.
Caelan Morthain entrou acompanhado do pai e de seus tios. Usava um casaco negro de tecido pesado, bordado discretamente com o corvo prateado da família. Carregava a expressão séria que o pai exigia dele em público: sobrancelhas firmes, olhar frio, boca fechada. Por dentro, no entanto, sentia-se preso. Cada passo no mármore era como carregar uma corrente invisível.
— Mantenha os olhos erguidos. — Lorde Edric sussurrou, sem sequer virar a cabeça. — Somos Morthain. Nenhum olhar deve nos intimidar.
Caelan assentiu em silêncio, embora soubesse que não precisava de mais lições. Desde criança aprendera a andar como um guerreiro, mesmo quando só queria ser um garoto.
Do outro lado do salão, o brasão vermelho e dourado dos Valebryn surgia em meio ao tumulto. Lady Selene caminhava com a postura de uma rainha que não precisava da coroa, envolta em seda escarlate que parecia mudar de tom conforme a luz das tochas a tocava. Atrás dela, discretamente, vinha Lyanna.
O vestido carmesim que usava se ajustava ao corpo sem exageros, mas chamava atenção pela forma como refletia o brilho mágico da sala. O cabelo solto caía em ondas até a cintura, e os olhos verdes, ainda que escondidos sob a sombra dos cílios, observavam cada detalhe como quem grava segredos.
Ela não queria estar ali. O coração batia acelerado, e o peso do nome Valebryn parecia esmagar seus ombros. Mas obedecer era a única opção.
O mestre de cerimônias anunciou a chegada das famílias mais importantes, e os olhares se voltaram em ondas silenciosas. Morthain e Valebryn entraram quase ao mesmo tempo. O salão inteiro prendeu a respiração. O rei não estava presente — não precisava. Todos sabiam que a verdadeira tensão da noite estava nos dois clãs rivais dividindo o mesmo espaço.
Caelan caminhava ereto, mas, contra a própria vontade, seu olhar desviou. Passou pela multidão, pelas taças erguidas, pelos rostos borrados pelo álcool… até encontrar os olhos de Lyanna.
Foi um segundo, talvez menos, mas pareceu uma eternidade.
Ela não desviou.
Havia desafio em seu olhar, mas também algo mais. Uma curiosidade que refletia a dele, como se ambos compartilhassem a mesma pergunta silenciosa: como é possível que o inimigo não seja um monstro?
O coração de Caelan acelerou. Recuou o olhar imediatamente, temendo que o pai tivesse notado. Mas o impacto já estava feito.
Horas se passaram entre brindes, discursos e danças. Nobres fingiam sorrir enquanto suas palavras eram lâminas disfarçadas de elogios. O vinho escorria em taças douradas, e a música preenchia os silêncios que poderiam ser perigosos demais.
Caelan permaneceu ao lado dos tios, ouvindo histórias que já conhecia de cor. Seu corpo estava ali, mas a mente, não. O olhar insistia em procurar, mesmo contra a própria razão. Procurar por ela.
Do outro lado do salão, Lyanna tentava se distrair com conversas superficiais, mas era inútil. A imagem do rapaz de olhos sombrios atravessando o salão não saía de sua cabeça. Havia algo em sua postura, no modo como segurava a taça sem esforço, que parecia diferente de tudo o que contavam sobre os Morthain.
Eles não são monstros?
Ela balançou a cabeça discretamente, como se pudesse espantar o pensamento. Não podia se permitir aquilo. Não ali. Não nunca.
Foi no meio de uma troca de parceiros na dança que o inevitável aconteceu.
A música acelerou, e os casais trocaram de mãos. Em poucos segundos, Caelan se viu diante dela. A mão de Lyanna, fria pelo nervosismo, encostou-se na dele.
Os olhos se encontraram novamente.
O mundo pareceu se silenciar, mesmo com a música alta, mesmo com as conversas, mesmo com as dezenas de olhares ao redor. Era como se, por um instante, o palácio inteiro tivesse desaparecido, restando apenas os dois.
— Você… — Caelan murmurou, quase sem perceber que falava.
Lyanna ergueu o queixo, tentando esconder o turbilhão dentro de si. — Cuidado com o que diz, Morthain. Ou podem achar que esqueceu quem sou.
O nome pronunciado por ela soou como uma lâmina. Ele sentiu o peso, mas também a estranha doçura escondida nas palavras.
A dança seguiu, obrigando-os a se afastar em segundos. O contato acabou tão rápido quanto começou, mas o fogo já estava aceso.
Do alto da escadaria, Lady Selene observava. Seus olhos verdes estreitaram-se ao ver a filha dançando com um Morthain, mesmo que fosse apenas parte da coreografia.
Do outro lado, Lorde Edric também não perdeu o detalhe.
O salão seguiu em festa, mas sob as tochas mágicas, uma guerra silenciosa acabara de começar. Não era entre exércitos. Não era entre conselhos.
Era entre dois corações que jamais deveriam se aproximar.
E, ainda assim, já estavam perigosamente próximos.
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Atualizado até capítulo 45
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