A madrugada chegou arrastada, pesada como chumbo. Elara estava sentada à mesa da cozinha, as mãos apertando uma caneca de chá frio que já perdera o calor horas atrás. O apartamento inteiro parecia suspenso, como se até o ar tivesse medo de se mover.
Leo dormia no quarto, sua respiração suave alcançando-a como um lembrete de tudo o que estava em jogo. Cada som vindo dele era um fio que a mantinha presa ao chão. Sem aquele menino, ela não era nada.
Maya estava diante dela, os cotovelos apoiados na mesa, os olhos fixos na amiga. A bruxa não era de rodeios, e não foi diferente naquela noite.
— Ficar é morrer. Fugir sem direção é apenas adiar o inevitável. A única saída que resta é pedir ajuda a ele.
Elara ergueu os olhos, cansados, inflamados de medo e raiva. — Eu não posso simplesmente ligar para Kael. Eu não tenho o número dele, Maya. Ele não é o tipo de homem que se encontra no catálogo telefônico.
Maya apoiou a mão sobre a dela, firme. — Você não precisa.
Elara sentiu um arrepio percorrer-lhe a pele. Já sabia o que viria.
— Você é a companheira dele. O vínculo ainda existe. Não importa a distância, não importa os anos. Ele pode estar a um continente, mas a ligação entre vocês continua. Está enfraquecida, sim, mas não rompida. Você pode alcançá-lo.
A palavra *vínculo* fez o coração de Elara se contrair. Era como uma cicatriz que às vezes latejava sem motivo aparente, um chamado silencioso que ela sempre tentava abafar.
— Não — sussurrou. — Isso é errado. Eu enterrei esse elo há anos.
— Não, Elara. Você o ignorou. Mas ele ainda está lá.
Elara se levantou, começou a andar de um lado para o outro, como uma loba enjaulada. — Usar isso agora… é como abrir uma ferida antiga. Como gritar de volta para alguém que já virou as costas.
Maya a acompanhou com o olhar paciente, mas inflexível. — É exatamente isso que você precisa fazer. Gritar. Deixar que ele ouça.
O silêncio se alongou. Elara sentiu a garganta fechar. Pensar em Kael trazia lembranças que ela mantinha trancadas: o calor das mãos dele em sua pele, a sensação de proteção e domínio ao mesmo tempo, o riso grave que parecia vibrar em seus ossos. Mas junto com isso vinha a dor da escolha. A última vez que vira aqueles olhos, estavam cheios de amor… e logo depois, de traição.
Ela respirou fundo, tentando sufocar as memórias. — Como eu faria isso?
— Precisa de um lugar de poder. Onde a energia da terra pulsa forte. Isso amplifica sua intenção. E então… você uiva. Não com a voz, mas com a alma. Você envia sua dor, seu medo, sua súplica pelo vínculo. Se ele ainda se importa, ele vai ouvir.
O conceito parecia simples. Mas a ideia de abrir-se daquela forma, de se despir diante dele de um modo tão íntimo, era mais assustadora que enfrentar os vampiros.
Ainda assim, Elara sabia. Não havia alternativas.
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Pouco antes do amanhecer, as duas saíram. A cidade ainda dormia em grande parte, e a chuva fina deixava o ar impregnado de cheiro metálico e terra úmida. Caminharam em silêncio até o coração do Central Park.
Ali, escondido dos olhos humanos, erguia-se um círculo de pedras antigas. A maioria via apenas um amontoado geológico, mas para os que conheciam o oculto, aquele era um nexo de poder. As pedras pulsavam com energia, como se respirassem.
Maya traçou símbolos no ar, formando um círculo de proteção ao redor de Elara. O brilho suave da magia era quase invisível aos olhos comuns, mas ela sentia o escudo erguendo-se como uma barreira quente.
— Concentre-se — sussurrou Maya. — Lembre-se dele. Lembre-se de quem ele é. Lembre-se de quem você é. E, acima de tudo, lembre-se de por quem está fazendo isso.
Elara fechou os olhos. Inspirou profundamente, permitindo que o cheiro da terra molhada entrasse em seus pulmões. Aos poucos, despia-se de “Ellie”, a artista, e permitia que a loba de Silverwood viesse à tona.
Pensou em Kael. No cheiro de pinho e ozônio que sempre o envolvia, como se cada tempestade lhe pertencesse. Pensou em sua risada grave, em seu olhar dourado que parecia atravessar todas as camadas da alma.
E então pensou em Leo. No riso inocente, no calor do corpinho contra o dela, nos olhos tão iguais aos do pai. E o medo. O medo visceral de perdê-lo.
Foi esse medo que quebrou as últimas barreiras.
Elara abriu a alma. E, sem som algum, uivou.
Não era apenas um pedido de ajuda. Era dor, era amor, era desespero e rendição. Um grito silencioso que atravessava a cidade, os estados, os anos, até alcançar o único lobo que poderia ouvi-lo.
Quando terminou, estava exausta. O corpo tremia, o suor colava-lhe a pele, e a respiração era irregular, como se tivesse corrido por horas.
— Ele ouviu? — perguntou com voz fraca, os olhos marejados.
Maya hesitou. — Eu não sei. Mas a terra ouviu. A montanha ouviu. O chamado foi enviado.
O céu já começava a clarear quando voltaram. A cidade despertava devagar, indiferente ao clamor silencioso que havia cortado a madrugada.
Elara caminhava com a sensação de ter cruzado uma linha sem volta. Não sabia se Kael a ouviria. Não sabia se sua resposta viria em forma de salvação ou de julgamento.
Mas sabia de uma coisa: o jogo havia mudado.
Ela se expôs. Revelou sua posição no tabuleiro.
Agora, tudo o que restava era esperar.
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Atualizado até capítulo 55
Comments
Maria Aparecida Alvino
fiquei muito emocionada parabéns autora estou amando❤️
2025-09-03
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彡 Misaki ZawaZhu-!
Super emocionante! 😭
2025-09-01
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