O medo tinha gosto metálico, como ferro na boca. Elara afastou-se da janela, a respiração descompassada, o coração batendo com força suficiente para ecoar nas costelas. Cada batida era um lembrete cruel de que estava viva — e que o que estava lá fora podia roubar essa vida a qualquer instante.
Forçou o corpo a se mover com uma normalidade forjada. A primeira regra da sobrevivência era não mostrar fraqueza, não despertar atenção com gestos bruscos. Trancou a porta da frente do estúdio, apagou as luzes de trabalho e subiu lentamente a escada interna para seu apartamento. Cada degrau rangia como uma denúncia, e ela precisava lutar contra a sensação de que o vampiro podia ouvi-la, sentir cada passo.
O apartamento era pequeno, mas até aquela noite parecia um refúgio seguro. A cozinha minúscula ainda cheirava a chocolate quente, lembrança de uma tarde que havia tentado ser comum. Os brinquedos de Leo estavam espalhados pelo chão da sala, formando pequenas ilhas coloridas que quebravam a monotonia do ambiente. Tudo parecia tão humano, tão mundano. Mas o mundano podia ser destruído num piscar de olhos.
Empurrou a porta do quarto devagar. Leo estava profundamente adormecido, aninhado sob o edredom estampado com dinossauros sorridentes. A boca entreaberta deixava escapar uma respiração suave, quase musical. Elara ficou observando-o, com o peito apertado. O rosto dele era a síntese cruel daquilo que ela havia ganhado e perdido: os cabelos rebeldes que lembravam o pai, a estrutura de mandíbula ainda suave, mas prenúncio da força que viria, e os olhos dourados, adormecidos agora, mas inconfundíveis quando abertos.
Kael. O nome veio como um sussurro na mente dela, indesejado. O Supremo Alfa da Costa Oeste. O homem que ela havia amado com uma intensidade que consumia, e que abandonara por medo. Tudo nele vivia em Leo.
Ela o deixara não por falta de amor, mas porque escolhera salvar o filho da vida que inevitavelmente o aguardaria se fosse criado dentro da política selvagem das alcateias. A herança de Kael não era apenas poder. Era também guerra, disputa, sangue derramado. E Elara jamais permitiria que Leo crescesse sob esse destino.
Seis anos. Por seis anos, funcionou.
Ela havia sido um fantasma, uma lenda apagada, escondida entre milhões de almas humanas em Nova York. Mas fantasmas não sangram. E a presença do vampiro lá fora era a prova de que a carne dela ainda era vulnerável.
Voltou à janela. Abriu uma fresta na persiana, como quem olha pelo buraco da fechadura para um pesadelo.
Ele ainda estava lá.
Não apenas estava. Ele não olhava mais para o estúdio, mas diretamente para ela.
Aquela certeza foi um soco. Como podia enxergá-la? As lâmpadas apagadas, as persianas quase fechadas, a distância da rua… nada disso importava. Ele a via. Não com olhos humanos, mas com sentidos que ultrapassavam as fronteiras do natural.
Então, ele sorriu.
Não foi um sorriso amigável. Foi um gesto frio, predatório, lento o suficiente para que ela percebesse a intenção. Ele não precisava dizer nada. A mensagem estava ali: *“Eu sei. Eu te achei.”*
E, como se o golpe não fosse suficiente, ele ergueu a mão e acenou.
Um movimento pequeno, quase casual, mas devastador em sua simbologia.
O estômago de Elara se contraiu. O círculo que ela acreditara ser vasto como um oceano — distância, tempo, anonimato — fechara-se de repente ao redor dela e de seu filho, apertando como uma corda em torno do pescoço.
Eles a haviam encontrado.
E não era a ela que buscavam. Não apenas.
Era Leo.
O instinto lupino rugiu dentro dela. Quis uivar, quis despedaçar qualquer coisa que ousasse ameaçar seu filho. Mas o instinto materno também dizia: silêncio, calma, dissimulação. O inimigo não podia vê-la quebrar.
Com mãos trêmulas, afastou-se da janela. Sentou-se na beira da cama de Leo, observando-o dormir. O calor suave do corpo infantil irradiava uma inocência que parecia um milagre diante das sombras lá fora. Ela acariciou os cabelos dele, como se pudesse transferir proteção pelo toque.
“Eu vou te proteger”, murmurou, quase sem som, como se fosse um voto feito aos deuses que talvez já não escutassem.
Mas o sorriso do vampiro, gravado em sua mente, era a lembrança de que promessas poderiam ser quebradas tão facilmente quanto vidro.
O apartamento, antes lar, agora era uma prisão frágil. Cada parede parecia fina demais, cada fechadura, inútil. Do lado de fora, a chuva continuava sua sinfonia indiferente, mas Elara sabia que aquela noite não era apenas mais uma entre tantas. Era o início.
A caçada havia começado. E Elara não estava pronta para o que pudesse estar por vir, seus instintos lhe esmagam o peito, como um prévio aviso de perigo. Eles querem o seu bem mais precioso, Léo é a âncora que se agarrou para não sofrer os danos que provocava ao manter sua loba selada e escondida, ele é o amor que ela recebeu de presente nesses últimos anos e não deixaria nenhuma força da Natureza lhe roubar isso.
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Atualizado até capítulo 55
Comments
Maria Aparecida Alvino
estou gostando muito
2025-09-03
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