3º capítulo - Segredos de infância

Depois daquele dia, Hector e eu nos tornamos inseparáveis. Ele sempre parecia saber quando eu precisava de companhia, como se enxergasse minha solidão sem que eu precisasse dizer nada. Quando as outras crianças riam de mim por não gostar de dançar ou por não usar os vestidos como deveriam, Hector estava lá. Às vezes não dizia nada, apenas ficava ao meu lado, e isso bastava para que eu me sentisse menos estranha.

Brincávamos pelos corredores de pedra do castelo, correndo como se o mundo inteiro fosse nosso. Inventávamos histórias, fingindo que éramos aventureiros que exploravam terras distantes. Eu sempre queria subir nas árvores, e ele sempre ria, dizendo que eu era mais moleque do que menina. Mas nunca me impedia. Pelo contrário, muitas vezes me ajudava a alcançar os galhos mais altos.

Naqueles momentos, eu esquecia das regras, dos vestidos pesados, das joias que insistiam em colocar sobre mim. Com Hector, eu podia ser apenas Alina.

O tempo passou rápido\, e quando eu estava prestes a completar sete anos\, uma nova família chegou ao castelo. A mãe trabalharia como empregada\, e com ela veio **Rosa**\, uma menina da minha idade\, de cabelos negros e longos\, olhos vivos e sorriso curioso.

Rosa e eu nos aproximamos rápido. Ela era tagarela, sempre cheia de novidades e mexericos que ouvia dos adultos. Diferente de mim, parecia adorar as roupas coloridas, as fitas, as joias que tanto me sufocavam. Ainda assim, sua amizade foi um sopro novo na minha vida.

Foi numa tarde de brincadeiras no jardim que ouvi dela algo que mudaria tudo. Estávamos sentadas na grama, trançando flores, quando Rosa falou sem cerimônia:

— Você tem muita sorte, Alina.

— Sorte? — franzi a testa. — Sorte de quê?

Ela riu, como se fosse óbvio. — De estar prometida ao filho do chefe do clã.

As palavras dela caíram sobre mim como pedras. — O quê?

— Ué, você não sabia? — Rosa arregalou os olhos, surpresa. — Minha mãe disse que, quando era bebê, já tinham decidido isso. Você vai se casar com Hector.

Meu coração disparou. O rosto de Hector veio à minha mente, com seu sorriso aberto e olhos verdes que sempre me faziam sentir em paz. Mas casamento? Eu só tinha sete anos! Ele era meu amigo, meu companheiro de aventuras, nada além disso.

— Isso é loucura… — murmurei, mais para mim mesma do que para ela. — Casar? Eu não quero casar!

Rosa me olhou com espanto, quase indignada. — Você não quer? Mas ele é bonito, Alina. Bonito e filho do chefe! Qualquer menina do clã daria tudo para estar no seu lugar.

As palavras dela ecoaram dentro de mim, misturando-se com uma estranha confusão. Eu não sabia se ria da ideia ou se chorava. Casamento era algo distante, absurdo, uma corrente invisível tentando me prender ainda mais cedo.

Olhei para Rosa e depois para Hector, que naquele momento brincava de espadas de madeira com alguns meninos. Seu riso enchia o jardim como música.

— Hector é só meu amigo — respondi firme, mesmo que meu coração ainda batesse acelerado. — E amizade é a única coisa que quero dele.

Mas, no fundo, eu sabia que a vida no clã raramente nos dava escolha.

Os dias seguintes foram de completa solidão, eu evitava encontrar com Hector, não conseguia mais olhar para ele da mesma forma, era estranho imaginar que um dia poderíamos estar casados, havia tantas coisas que eu queria fazer, eu queria sair dali, ir embora, estudar, ter um emprego e ganhar meu próprio dinheiro, mas um marido? Eu não tinha pedido um marido...

Subi o mais alto que consegui e do galho em que estava consegui pular no muro que protegia o castelo, daquele muro eu era capaz de ver a cidade, casas, prédios, pisquei algumas vezes, as pessoas da cidade não nos visitavam, e nós também não visitávamos eles, era como um universo paralelo onde nenhuma das duas partes se encontrava, eu tinha muita curiosidade para saber o que acontecia lá e como as pessoas de lá viviam, será que eles também perguntavam sobre nós? Será que também vestiam as crianças como adultos? Será que iam para a escola ou será que tinham aulas em casa como eu? Suspirei sentindo o vento gelado do inicio do inverno tocar meu rosto e então ouvi um grito alto, me assustei e olhei para baixo, era Hector, ele estava parado em pé bem abaixo de mim.

- Como foi que subiu aí?

- Pela árvore ué...

Ele olhou para a árvore próxima ao muro e então soltou um longo suspiro começando a escalar, não demorou muito para se prostrar ao meu lado.

- O que está fazendo aqui? Te procurei por todo castelo...

- Estava pensando sobre a vida\, você não faz isso às vezes?

- Meu pai falou que pensar demais é perigoso.

- E nunca se perguntou como deve ser a vida deles?

Eu disse apontando para a cidade, Hector olhou para a direção que eu apontava e soltou um suspiro.

- Para ser sincero não\, meu pai fala que as pessoas da cidade não são dignas de pertencer há um lugar como o nosso\, que a fé deles é diferente da nossa.

- Pois eu gostaria de ir até lá\, ver com meus olhos como tudo é de verdade...

Ele sorriu para mim.

- Gosto tanto da sua coragem\, você é diferente das outras meninas.

- É eu sei\, Rosa também disse isso\, e disse que eu deveria agradecer pela vida que tenho.

- Rosa? A menina nova?

- Isso.

- E por que ela disse isso?

Eu olhei para ele esperando que ele soubesse, mas pelo que parecia ele não tinha ideia assim como eu o que os adultos tinham idealizado para nós.

- Ela disse que estamos prometidos em casamento\, que foi algo que nossos pais escolheram e falou também que eu deveria estar muito feliz com isso.

O rosto dele se contorceu.

- A rosa deve estra ficando louca\, imagina casar nós dois\, ninguém surtaria assim.

Eu gargalhei.

- Também achei loucura.

Ficamos ali olhando para o horizonte e rindo, que bobagem, a Rosa devia ter entendido errado, aquilo não podia ser real, imagina se alguém fosse querer me casar com Hector, logo ele o filho do chefe que poderia ter a garota que quisesse, ser prometido a mim, uma cigana que nem queria ser cigana, isso não fazia o menor sentido.

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Paula Albertão

Paula Albertão

vixe

2025-09-02

1

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