O espelho consertado e a cena repetida na rua não saíam da mente de Léo.
Ele não sabia se ria, se tinha medo, ou se simplesmente aceitava.
Tudo estava indo rápido demais.
Naquela noite, depois de um dia inteiro perdido em pensamentos, Léo voltou ao seu ritual. Fechou a janela, apagou a luz, deixou apenas a luminária baixa sobre a mesa.
Pegou o caderno, o isqueiro e um novo baseado.
— Hoje quero respostas — disse em voz baixa, como quem fala com alguém invisível.
Tragou fundo, fechou os olhos, e esperou o turbilhão chegar.
A fumaça o envolveu como um manto, e logo as ideias começaram a brotar.
Mas, dessa vez, não veio uma frase pronta como antes. Veio uma sensação. Algo vibrando na boca, na garganta, como se cada palavra dita carregasse um peso que nunca tinha notado.
E então, como um raio, a filosofia se formou:
“As palavras não descrevem o mundo. As palavras criam o mundo.”
Ele se assustou. Abriu os olhos, olhou ao redor da sala.
— Criam? Como assim criam?
A ideia latejou mais forte:
Quando você diz “a vida é dura”, a vida se torna dura.
Quando você diz “eu sou fraco”, você enfraquece.
Quando você diz “eu posso”, o mundo abre espaço.
Pegou o caderno, escreveu apressado, quase rasgando as folhas:
> Filosofia da Noite 3: As palavras criam o mundo.
Léo levantou-se, andou pela sala como um pregador em transe.
— Então… se eu disser que amanhã vai chover, talvez chova?
Se eu disser que alguém vai sorrir, talvez sorria?
O pensamento lhe pareceu ao mesmo tempo assustador e embriagante.
As palavras como feitiços. Cada frase, uma semente no solo da realidade.
Falou em voz alta:
— Amanhã, eu vou encontrar uma nota de cinquenta reais na rua.
Sorriu de si mesmo. Era ridículo. Era só a viagem da fumaça. Mas, no fundo, acreditava. Uma parte dele acreditava.
Naquela madrugada, dormiu com a sensação de que sua boca carregava mais poder do que imaginava.
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Amanheceu.
O dia parecia comum. O mesmo caminho até o trabalho, a mesma esquina, as mesmas pessoas apressadas.
Mas no meio do trajeto, algo aconteceu.
Na calçada, perto de uma banca de jornal, o vento soprou um papel contra sua perna. Ele olhou para baixo, irritado, pensando que fosse lixo.
Não era.
Era uma nota. Uma nota de cinquenta reais, dobrada, um pouco suja, mas real.
Léo ficou parado, atônito, com a nota na mão. Sentiu o mundo girar ao redor.
Ninguém veio reclamar. Ninguém parecia notar.
Era dele.
Engoliu seco.
Na noite anterior, ele havia falado aquelas palavras quase como uma piada. E agora estavam ali, materializadas na palma da mão.
O coração bateu forte.
Era verdade. As palavras criavam.
No caminho até o trabalho, não conseguiu pensar em outra coisa.
E pela primeira vez em muito tempo, sentiu medo.
Não era mais coincidência.
Não era só uma viagem.
Algo estava acontecendo.
E uma pergunta ecoava, insistente, em sua mente:
“Se minhas palavras podem criar… o que acontecerá quando eu perder o controle delas?”
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Atualizado até capítulo 36
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