Aquele espelho sem rachadura ainda estava na cabeça de Léo. Ele passava pelo quarto a cada minuto como quem verifica se um sonho ainda é real.
Não havia explicação. Ele se lembrava claramente: a rachadura cortava o reflexo em duas metades desiguais, como se sua própria imagem tivesse sido partida em pedaços. E agora estava ali, liso, perfeito, refletindo sua figura sem falhas.
No trabalho, passou o dia distraído. Respondia mecanicamente às perguntas do chefe, digitava relatórios sem alma e só pensava na noite anterior.
"Será possível?" — repetia em silêncio.
Quando voltou para casa, o sol já havia se escondido e a cidade brilhava em seus reflexos artificiais. As ruas eram um mosaico de luzes e sombras. Léo olhou para o céu escuro e respirou fundo: aquela noite seria diferente.
Ele não resistiu. Acendeu outro baseado.
A fumaça se espalhou pela sala e, com ela, veio aquela sensação conhecida: os sons se ampliaram, o tempo pareceu se esticar, as cores ganharam uma vibração nova.
Mas não era apenas sensação: sua mente se abria como uma janela para algo maior.
De repente, um pensamento tomou forma, claro como se alguém tivesse sussurrado em seu ouvido:
“O tempo não é uma linha. O tempo é um círculo.”
A frase ecoou em sua mente como sinos. Ele riu sozinho, mas logo o riso parou.
— Um círculo… então nada começa, nada termina. Tudo retorna.
Pegou o caderno e escreveu com letras grandes:
> Filosofia da Noite 2: O tempo não é linha. O tempo é círculo.
E então, sua mente viajou.
Se o tempo fosse círculo, então todos os erros se repetiriam. Todas as vitórias também. Cada gesto de agora já teria acontecido e aconteceria de novo. A vida seria uma dança em looping infinito, cada passo já coreografado pela eternidade.
Léo encostou a cabeça na poltrona, o baseado queimando lento entre seus dedos.
— Talvez seja por isso que tenho a sensação de já ter vivido algumas coisas — murmurou. — Déjà vu não é ilusão. É só a lembrança do círculo.
Naquela madrugada, escreveu páginas e mais páginas. Imaginou que, se o tempo realmente fosse um círculo, ele poderia se antecipar, repetir escolhas melhores, corrigir o que já sabia que iria errar.
Quando o sono o venceu, fechou o caderno como quem guarda um tesouro.
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Na manhã seguinte, a primeira evidência apareceu.
Léo saiu para trabalhar, atravessando a mesma esquina que cruzava todos os dias. E ali, diante da padaria, parou.
Um menino deixou cair uma bola vermelha. Um cachorro correu atrás. A dona do cachorro gritou, tropeçou e quase derrubou a sacola de pães.
Ele congelou.
A cena era idêntica a um déjà vu que lembrava de meses atrás. Não apenas parecida — era a mesma, como se tivesse sido repetida quadro a quadro.
Léo ficou sem ar. O coração acelerou.
A filosofia da noite anterior estava diante dele, viva: o tempo era um círculo, e ele acabara de sentir a dobra.
Não era mais só o espelho.
Agora, a própria vida estava se repetindo.
E no fundo da mente, um sussurro o provocava:
“Se o tempo é círculo… será que posso aprender a caminhar fora dele?”
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Atualizado até capítulo 36
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