INFILTRADO COMO VINHO

Miranda ficou imóvel. Por fora, a postura impecável da advogada permanecia intacta — costas eretas, queixo levemente erguido, mãos repousando sobre o braço da poltrona. Mas por dentro, o corpo queimava. As palavras de Alice tinham se infiltrado como vinho tinto derramado em tecido branco: impossível de retirar, marcando-a para sempre.

Miranda limpou a garganta, tentando recuperar a firmeza.

— Seis horas… — repetiu, devagar, como se saboreasse a ideia. — Parece exaustivo.

Alice riu, inclinando-se ainda mais, deixando o decote aberto como uma armadilha calculada.

— Exaustivo é fingir, Miranda. Quando é verdadeiro, o tempo se torna uma espécie de vício. Você perde a noção… só quer mais.

Miranda desviou o olhar, focando no copo de vinho ainda intocado sobre a mesa de centro. Suas unhas arranharam discretamente o braço da poltrona, um gesto de autocontrole.

— Você fala como se o prazer fosse… um campo de batalha — murmurou, sem perceber que havia deixado escapar um pouco de sua própria fantasia.

Alice arqueou a sobrancelha, os lábios se curvando em provocação.

— Talvez seja. E eu aprendi a não ser a vítima. — Sua voz desceu um tom, grave, quase íntima. — Hoje eu escolho quando me rendo… e quando faço a outra se render.

Miranda sentiu a pele arrepiar sob o tecido do vestido. Uma pontada de raiva atravessou seu peito — não contra Alice, mas contra si mesma. Estava perdendo terreno.

— Você parece… orgulhosa da forma como foi moldada — disse, tentando recuperar o controle.

Alice inclinou a cabeça, como uma felina analisando a presa.

— Orgulho não é a palavra. — Ela sorriu devagar. — É consciência. Eu sei o que sou capaz de provocar, Miranda. E sei que você está imaginando.

Um silêncio denso caiu entre as duas. Miranda percebeu que estava prendendo a respiração, e odiou isso. Odiava sentir-se exposta, como se Alice tivesse arrancado o terno invisível de autossuficiência que usava diariamente.

— Eu não pago para imaginar — rebateu, a voz mais seca do que pretendia.

Alice riu baixo, um riso carregado de duplo sentido.

— Então talvez você pague para resistir.

Miranda se inclinou para frente, finalmente encarando-a de frente, os olhos faiscando de fúria e desejo misturados.

— Não se engane. Eu não sou uma das suas clientes fáceis de impressionar.

Alice não recuou. Pelo contrário, aproximou-se, até que os joelhos quase se tocassem. A respiração dela tinha o ritmo da tentação.

— Eu sei. — Seus lábios roçaram as palavras como se fossem beijos. — É isso que me excita em você.

Miranda sentiu o coração disparar. E, pela primeira vez em muito tempo, não soube se queria fugir… ou se entregar.

O ar no flat parecia mais denso. O cheiro de vinho aberto e o perfume doce-amargo de Alice misturavam-se, criando uma atmosfera quase intoxicante. Miranda sentia cada músculo do corpo em alerta, como se estivesse prestes a cruzar uma linha invisível.

Alice não tinha pressa. Movia-se com a calma de quem sabia exatamente o efeito que causava. Encostou-se de lado no sofá, apoiando o queixo sobre a mão, e deixou os olhos percorrerem Miranda sem disfarçar.

— Você está tensa — disse, num tom que soava mais como constatação do que como provocação.

— Sou advogada. Faz parte do ofício. — Miranda manteve a voz firme, mas a rigidez dos ombros a denunciava.

Alice riu baixo.

— Não… não é esse tipo de tensão. — Inclinou-se devagar, aproximando-se, até que Miranda pudesse sentir o calor do corpo dela. — É o tipo que pede… libertação.

A respiração de Miranda falhou por um instante. O impulso era recuar, mas seus olhos ficaram presos nos lábios de Alice. Um gesto involuntário, perigoso.

Alice percebeu.

— Se eu quisesse… — sussurrou, a voz quase roçando a pele de Miranda — …bastaria um movimento para atravessar essa distância.

Miranda sentiu o coração martelar no peito. Uma parte dela — oculta, enterrada sob anos de disciplina e máscaras — implorava silenciosamente por esse movimento. Mas outra, mais forte, gritava por sobrevivência.

— Não se atreva. — As palavras saíram firmes, mas seu timbre denunciava algo quebrado, vulnerável.

Alice não tocou. Apenas manteve o olhar, intenso, escuro, como se despisse Miranda sem usar as mãos.

— Eu nunca faço nada sem consentimento. — A frase foi dita com uma suavidade quase cruel. — Mas você sabe, Miranda… a negação também é um tipo de desejo.

Miranda levantou-se bruscamente, como se tivesse levado um choque. Pegou a bolsa da poltrona, evitando olhar para trás.

— Já é tarde. Tenho uma reunião cedo amanhã.

Alice não tentou impedi-la. Apenas recostou-se novamente, um sorriso enigmático dançando nos lábios.

— Claro. Advogadas importantes não podem perder a compostura.

Miranda apertou o fecho da bolsa, respirou fundo e caminhou até a porta. Antes de abrir, parou por um instante. Sentiu a pele ainda em brasa, o corpo latejando em resposta ao que não aconteceu.

Virou-se apenas o suficiente para encarar Alice de relance.

— Não pense que isso vai se repetir.

Alice sorriu mais largo, felina.

— Eu não preciso pensar. Eu só sei esperar.

Miranda fechou a porta atrás de si, mas a sensação de estar aprisionada nas palavras — e no olhar de Alice — a acompanhou até o elevador.

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Comments

Ana Faneco

Ana Faneco

Autoraaaaa que história maravilhosa amandoooo continuaaaaa por favor

2025-09-03

2

Cleice Silva

Cleice Silva

Miranda tá querendo enganar quem mesmo, ela já tá caidinha pela Alice. E ela só não quer admitir e que ficar nesse joguinho que a gente já sabe onde vai dar......../Heart//Heart//Heart//Rose/

03/09

2025-09-03

1

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