Alice estava deitada na cama do flat, ainda nua, o suor secando lentamente sobre a pele. A cliente tinha ido embora há menos de meia hora, deixando no ar o cheiro adocicado do vinho e o rastro de uma noite intensa. O lençol amassado parecia guardar segredos, mas para Alice havia apenas uma certeza: ela não fingia. Nunca fingia.
Enquanto acendia um cigarro — ritual que reservava só para aquele apartamento —, sua mente viajava. Ela lembrava do olhar da mulher pouco antes de gozar, o jeito como a cliente gemeu o seu nome como se ele fosse uma oração. Alice. Não Marcela. Não a advogada em formação. Não a filha que prometeu à mãe realizar um sonho. Mas a personagem, a fantasia.
E ainda assim, havia uma verdade ali.
Alice não oferecia beijos, não oferecia a intimidade que o beijo carregava. Para ela, o beijo era uma confissão, um deslize perigoso que poderia confundir os limites entre trabalho e desejo. Mas quando dava prazer, dava por inteiro. Nunca fingia orgasmos, nunca simulava arrepio. Se gozava, era porque realmente sentia. Se não, dizia sem rodeios.
Essa sinceridade, descobrira, era o que prendia suas clientes. Muitas confessavam em conversas pós-sexo que estavam acostumadas com fingimentos, com parceiras que diziam o que elas queriam ouvir. Alice, ao contrário, mostrava quando algo a excitava de verdade — e quando não. Transformava cada encontro em um jogo de descobertas.
Ela se lembrava da primeira vez em que uma cliente lhe perguntou:
— Você sempre goza comigo?
E Alice, com um meio sorriso, respondeu:
— Nem sempre. Mas quando acontece, você sabe que é real.
Era isso. A verdade nua e crua. Sem máscaras além daquela que escolhera para trabalhar.
Enquanto apagava o cigarro no cinzeiro de vidro, Alice se levantou, enrolou-se em uma seda leve e foi até a janela. O flat no centro da cidade oferecia uma vista iluminada, prédios altos e carros em constante movimento. Ninguém ali sabia quem era a mulher de cabelos loiros que se escondia atrás do nome falso. E ela gostava assim.
Mas havia algo que sempre a fazia pensar. Aquela linha tênue entre Marcela e Alice. Entre a estudante de direito, dedicada, que passava horas mergulhada em livros de processo civil, e a cortesã luxuosa que alugava flats caros e dançava Stiletto para provocar suas clientes.
O reflexo no vidro lhe devolveu a imagem: loira, sexy, olhos vivos, mas também um cansaço discreto na expressão. Ela sorriu de leve.
“Talvez meu segredo seja esse… nunca dar tudo, mas dar o suficiente para que sintam que tocaram algo verdadeiro.”
Deixou a seda escorregar pelo corpo, nua outra vez, como se reafirmasse a si mesma: Alice não fingia. E isso, paradoxalmente, era a mentira mais sedutora que oferecia ao mundo.
...🌃...
Miranda estacionou o carro em frente ao prédio discreto, daqueles que escondem mais do que revelam. A advogada bem-sucedida, dona de uma reputação implacável nos tribunais, tinha atravessado a vida acreditando que sexo era algo íntimo, carregado de vínculos e afetos. Pagaria, sim, por livros raros, vinhos envelhecidos, viagens de luxo — mas nunca por um corpo. Até agora.
A curiosidade, no entanto, era uma chama que queimava lento e constante. Num grupo de WhatsApp restrito, onde mulheres lésbicas dividiam confidências, surgira um nome repetido em sussurros digitais: Alice.
Elas falavam dela com devoção quase religiosa. Elogiavam o jeito de não fingir, de ser transparente até na entrega. Chamavam-na de vício.
Miranda riu sozinha na primeira vez que leu. Um absurdo. Pagar por sexo? Ridículo. Mas o riso não foi suficiente para silenciar a semente que brotou em sua mente.
Alice.
Um nome que não saía da sua cabeça.
E assim, sob a desculpa de pesquisa para seus contos eróticos — uma verdade pela metade —, Miranda marcara o encontro.
O flat de Alice era luxuoso e gelado. O ar-condicionado mantinha a sala numa temperatura quase cruel, como se a própria atmosfera estivesse disposta a testar a resistência de quem entrava. Luzes baixas, cortinas pesadas, móveis de linhas retas. Nada gritava vulgaridade. Tudo era calculado, quase elegante demais para a função que servia.
E então Alice surgiu.
Não como a jovem comum que Miranda talvez tivesse imaginado, mas vestida exatamente como a fantasia da cliente exigira: saia lápis preta, camisa branca abotoada até o pescoço, salto agulha e óculos de armação fina. Uma advogada. Um reflexo distorcido de si mesma.
Miranda estremeceu.
Era como encarar um espelho erótico — provocador, insolente. A cópia idealizada de sua própria imagem, mas carregada de uma sensualidade que ela nunca ousara mostrar nos corredores de tribunais.
Alice caminhava devagar, cada passo medido, os saltos ecoando como marteladas na mente da cliente. O olhar dela não era servil, tampouco distante. Era de quem sabia exatamente o valor que carregava.
— Doutora Miranda — disse Alice, a voz suave, quase debochada. — Seja bem-vinda.
O tom atravessou a advogada como um desafio. Miranda sorriu de canto, acostumada a ler subtextos, mas surpreendida por sentir, naquele instante, que estava em desvantagem.
O jogo estava armado: duas mulheres poderosas, duas máscaras sociais, frente a frente em um teatro privado.
Mas o narrador, cúmplice oculto, já sabia — naquela sala gelada, entre espelhos e silêncios, quem realmente conduziria a narrativa não era a cliente curiosa. Era Alice, a mulher que nunca fingia.
O salto de Alice se arrastou pelo mármore até parar diante de Miranda. Não havia pressa em seus movimentos. Não havia nervosismo, tampouco hesitação. Era a calma de quem sabia que já tinha vencido antes mesmo da primeira jogada.
Miranda, porém, cruzou as pernas e manteve o queixo erguido. Estava ali sob uma desculpa frágil — pesquisa literária — mas não se permitiria ceder a um terreno onde não controlava as regras.
Alice serviu vinho sem perguntar, os dedos firmes na garrafa, e deixou a taça diante dela. Depois sentou-se no sofá de frente, pernas também cruzadas, a saia justa moldando curvas estudadas. Não sorria. Apenas observava, como quem desmonta uma testemunha no tribunal.
— Então — disse Alice, a voz baixa, grave, arrastando cada sílaba —, você me contratou… para conversar.
A ironia era clara. Um desafio mascarado de constatação.
Miranda levou a taça aos lábios, disfarçando a súbita onda de calor que lhe subia pela pele.
— Já deixei claro no início. Não comprei o seu corpo. — Deu uma pausa, medindo a reação. — Comprei a sua experiência.
Alice inclinou o rosto, os óculos refletindo a luz suave do abajur.
— E você acha que experiência é menos íntima do que o corpo?
A pergunta bateu fundo. Miranda sentiu o ar rarefeito, o vinho áspero descendo pela garganta. Ela queria retrucar, mas a voz de Alice era uma corrente que a arrastava para fora de suas certezas.
Alice se inclinou para a frente, os cotovelos apoiados nos joelhos, a boca a centímetros da pele de Miranda. Não a tocou. Apenas sussurrou, carregando no tom uma lascívia calculada:
— Sabe por que elas falam de mim, doutora? Porque eu nunca finjo. Nunca beijo um cliente. Nunca ofereço mais do que sou. É por isso que me desejam… e é por isso que você está aqui.
Miranda respirou fundo, o corpo reagindo contra a própria lógica. Não desejava. Não pagaria para isso. Não era como as outras. Mas havia algo de perigoso em ouvir uma mulher se proclamar com tanta convicção.
Ela sorriu de canto, a voz carregada de ironia para disfarçar o arrepio.
— Você parece se orgulhar de ser exceção.
— Não — Alice recostou-se, deslizando lentamente a mão pela própria coxa, sem pudor, sem vergonha. — Eu me orgulho de ser verdadeira. A maioria mente no corpo, mente no prazer. Eu não. E você, Miranda… — a voz se estreitou, como lâmina no escuro —, quando foi a última vez que não precisou mentir?
O silêncio estourou entre elas, denso, sufocante.
Miranda sentiu o golpe. Alice a havia despido sem sequer encostar um dedo.
— Você acha que me conhece? — retrucou, num sussurro que mais parecia rendição.
Alice sorriu, aquele tipo de sorriso que não pede permissão.
— Eu sei que você veio aqui pensando que estaria no controle. Mas a única coisa que controla, doutora, é a sua toga. Aqui… — ela abriu os braços, deixando o ambiente falar por si — você é só mais uma mulher curiosa.
Miranda apertou a taça, o vinho manchando levemente os dedos. O corpo reagia à provocação de formas que ela não queria admitir. O coração acelerado, o calor espalhado entre as pernas.
Mas não. Ela não iria ceder. Não iria.
E então ela riu, baixinho, quase amarga.
— Você é perigosa, Alice.
— Só para quem tem medo de se olhar no espelho — respondeu, a voz suave como veneno.
Aquela noite não teve sexo. Não houve beijos, nem toques roubados. Mas Miranda saiu do flat com algo que doía mais do que qualquer entrega física: a sensação de que Alice a havia atravessado por dentro, arrancando máscaras que nem ela sabia que usava.
E no silêncio do carro, estacionado sob as luzes da cidade, Miranda percebeu — não era o corpo de Alice que tantas mulheres elogiavam.
Era o poder.
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Atualizado até capítulo 50
Comments
Cleice Silva
Como é que faz pra marcar um encontro com a Alice../Chuckle//Chuckle//Chuckle/
2025-09-01
6
Luciana Santos
parabéns autora a história é maravilhosa
2025-09-02
1
Maria Andrade
que história, eu já estou super envolvida nos encantos da Alice
2025-09-01
2