Capítulo 4 – O Cavaleiro Amarelo

As ruas já não eram apenas marcadas pela fome. Agora, o ar carregava o odor insuportável da morte. O calor do verão espalhava pelo vento o cheiro de corpos apodrecidos, abandonados em vielas e terrenos baldios. Cemitérios lotados deixaram de receber sepultamentos; em muitas cidades, caminhões despejavam cadáveres em valas comuns, cobertas apressadamente por cal e terra.

O quarto selo fora aberto. O cavaleiro pálido cavalgava pela Terra, e o seu nome era Morte.

No início, acreditou-se que fosse apenas consequência da desnutrição. Corpos enfraquecidos pela falta de comida estavam mais vulneráveis a doenças. Mas logo ficou claro que algo mais se espalhava. Uma febre estranha surgiu em campos de refugiados: primeiro tremores leves, depois manchas escuras na pele, seguida de uma tosse que cuspia sangue. Em poucos dias, a vítima caía morta.

Os médicos, sobrecarregados, tentavam entender. Chamavam de Febre Cinzenta. Mas qualquer nome era inútil diante da velocidade com que ceifava vidas. Hospitais lotaram em questão de horas. Macas se amontoavam nos corredores, e logo não havia mais espaço nem lençóis para cobrir os mortos.

Governos locais suplicaram por ajuda à Aliança Global. Adrian apareceu em rede mundial, seu rosto sereno como sempre:

— Não temam. O sofrimento é parte da reconstrução. Estamos trabalhando em uma cura. Confiança é o remédio mais poderoso.

Milhões aplaudiram, agarrando-se às palavras como náufragos a uma tábua. Mas nas ruas, famílias enterravam seus entes com as próprias mãos.

Miriam, já frágil pela fome, começou a ver vizinhos morrerem em questão de dias. O padeiro da esquina, que outrora sorria distribuindo pães, foi encontrado caído em sua cozinha, manchas escuras cobrindo sua pele. A mãe que pedira arroz para o bebê agora chorava diante de um corpo pequeno e frio, enrolado em panos sujos.

Certa manhã, ao caminhar pela praça central, Miriam viu soldados bloqueando a entrada de um hospital. Atrás dos portões, doentes imploravam por socorro. Um homem com febre alta tentava escalar o portão, mas foi derrubado a tiros. O sangue escorreu pelo asfalto quente, misturando-se às lágrimas dos que assistiam.

— É para o bem de todos — gritou um dos guardas. — A quarentena é necessária!

Mas todos sabiam: o hospital já não tinha como salvar ninguém. Era apenas um depósito de moribundos esperando o fim.

A geração perdida, incapaz de enfrentar a realidade, buscava refúgio em prazeres passageiros. Bares clandestinos lotavam de homens e mulheres que dançavam febrilmente, bebendo, se drogando, buscando esquecer que a morte rondava a cada esquina. O pecado tornava-se fuga, e quanto mais a doença avançava, mais os vícios dominavam.

Em um desses lugares, uma música ensurdecedora abafava os gemidos de tosses ensanguentadas. Jovens se beijavam, compartilhando copos e cigarros, ignorando que carregavam em si a semente da febre. Riam, gritavam, pecavam — até que um deles caiu no chão, convulsionando. O pânico se espalhou, mas em poucas horas, tudo recomeçou, como se nada tivesse acontecido.

Era como se a humanidade tivesse enlouquecido.

No palácio de Adrian, Markus trouxe relatórios alarmantes:

— Estimamos que um quarto da população mundial já esteja morta ou morrendo. Não há como deter a febre.

Adrian levantou-se lentamente, caminhando pelo salão de mármore. Seus olhos brilhavam não de medo, mas de triunfo silencioso.

— Deixe que morram. Os fracos precisam desaparecer para que o novo mundo floresça.

Markus hesitou.

— Mas, senhor, até mesmo nossas tropas estão sucumbindo…

— Então treinaremos outros. O mundo tem corpos de sobra.

Adrian ergueu o cálice de vinho, brindando à própria frieza.

Miriam, isolada em sua casa, lutava contra o medo. Em uma noite silenciosa, sonhou novamente. Desta vez, um cavalo pálido surgia no horizonte, e sobre ele estava um cavaleiro esquelético. Seus olhos eram vazios, e atrás dele seguia uma multidão de sombras. Onde ele passava, corpos caíam como folhas no outono.

Acordou chorando, certa de que a profecia estava diante de seus olhos. Pegou sua Bíblia novamente e leu: “E olhei, e eis um cavalo amarelo; e o que estava assentado sobre ele tinha por nome Morte; e o inferno o seguia.”

A respiração dela acelerou. O inferno já caminhava entre os homens.

Nas ruas, caminhões recolhiam corpos ao som de sirenes. Crianças órfãs vagavam sozinhas, olhando para o vazio. Igrejas transformaram-se em abrigos improvisados, mas logo também se tornaram foco da febre. Padres, pastores e rabinos tombavam lado a lado, incapazes de salvar suas ovelhas.

No desespero, surgiram cultos estranhos. Grupos se reuniam para oferecer sacrifícios humanos na esperança de apaziguar a praga. Outros se entregavam à promiscuidade desenfreada, acreditando que, se fossem morrer, deveriam morrer em prazer.

Era a completa degradação da humanidade.

Uma tarde, Miriam caminhava em direção ao rio em busca de água potável, quando viu um grupo arrastando um corpo. Aproximou-se e percebeu que era uma jovem de não mais de vinte anos.

— Está morta? — perguntou, com a voz trêmula.

Um dos homens riu.

— Morta? Ainda não. Mas logo estará. Não temos como gastar remédios com quem não vai resistir.

Deixaram o corpo sobre a margem, e foram embora. Miriam ajoelhou-se ao lado da jovem, que abria e fechava os olhos com dificuldade. Segurou-lhe a mão, murmurando orações enquanto lágrimas escorriam. Horas depois, a jovem deu seu último suspiro, e Miriam cobriu o rosto dela com um pano.

Ela mesma começou a tossir nos dias seguintes.

Enquanto isso, Adrian discursava diante de multidões encolhidas pelo medo:

— Não temam a morte. A morte é apenas a passagem para a unidade eterna. Aqueles que confiarem em mim serão preservados.

E assim, a geração perdida se agarrava às palavras dele, ainda que seus lares cheirassem a cadáveres e seus filhos morressem em seus braços.

O Cavaleiro Amarelo cavalgava, e atrás dele vinha o inferno.

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Comments

AUTORA💕_💕ATENA

AUTORA💕_💕ATENA

infelizmente até nos dias de hoje o povo é sego san guiados por homens por palavras de homens, como diz na bíblia maldito o homem que confia em outro homem

2025-08-28

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