Capítulo 3 – O Cavaleiro Negro

A guerra não terminou quando os exércitos de Adrian declararam vitória. Na verdade, foi apenas o início de um novo flagelo. As cidades que resistiram foram deixadas em ruínas. Vilarejos queimados, plantações destruídas, rios contaminados pelo sangue. A paz que ele prometera transformou-se em um silêncio sepulcral — não de harmonia, mas de morte.

No começo, acreditava-se que a ordem logo restauraria a abundância. Mas os dias se tornaram semanas, e os celeiros permaneceram vazios. Os mercados, que antes transbordavam de frutas, carnes e grãos, agora exibiam prateleiras quase nuas. As filas cresciam, e cada cidadão recebia uma ração mínima, medida cuidadosamente em balanças digitais controladas pelo governo.

Era o cumprimento literal da profecia: o cavaleiro negro trazia uma balança em suas mãos.

Na televisão, Adrian aparecia sorridente, sempre vestido de branco.

— A guerra deixou cicatrizes, mas juntos vamos reconstruir. A fome é apenas temporária. Confiem em mim.

As multidões aplaudiam diante das telas, repetindo as palavras como se fossem orações. Mas na realidade, a fome já corroía o ventre de milhões.

No interior da Europa, Miriam percorria as ruas de sua cidade em busca de pão. As padarias fechavam cedo, pois não havia estoque. As crianças desnutridas pediam comida nas esquinas, e algumas caíam desacordadas no meio da rua. Famílias trocavam joias, roupas e até móveis por um punhado de arroz.

Certa manhã, ao passar por uma praça, Miriam viu uma cena que jamais esqueceria: dois homens brigando por um saco de farinha rasgado. O pó branco espalhava-se pelo chão, e ambos se ajoelhavam, enfiando as mãos na terra suja, tentando salvar migalhas. Um terceiro homem apareceu e, sem hesitar, esfaqueou os dois para tomar posse da sacola vazia. A multidão assistia em silêncio, sem coragem de intervir.

A geração perdida aprendera a matar por um pedaço de pão.

Nos bastidores do palácio global, Adrian observava relatórios sobre a crise alimentar. Markus, o general, mostrava gráficos que apontavam a escassez crescente.

— As plantações foram devastadas pela guerra. O transporte marítimo está comprometido. Até mesmo países ricos estão de joelhos.

Adrian, no entanto, não parecia preocupado. Sentou-se, cruzou as pernas e ergueu uma taça de vinho caríssimo, um luxo acessível apenas à elite.

— E o que o povo faz quando está faminto? — perguntou calmamente.

Markus franziu o cenho.

— Revolta.

Adrian sorriu.

— Não, Markus. Eles se ajoelham. Fome é a mais eficaz das correntes. Dar-lhes pão em doses controladas é o mesmo que controlar suas vidas.

Enquanto isso, Miriam lutava para manter-se viva. Tinha apenas alguns sacos de arroz escondidos, mas sabia que não durariam muito. Certa noite, ouviu batidas fortes à porta. Era uma vizinha desesperada, segurando um bebê magro e febril nos braços.

— Pelo amor de Deus, Miriam… me dê um punhado do que tiver. Ele não vai sobreviver até o amanhecer.

As lágrimas de Miriam escorriam ao entregar uma pequena porção. Sabia que cada grão cedido era um dia a menos de sobrevivência para si mesma. Mas como negar diante da agonia de uma criança?

A fome se espalhava como praga. Ratos e insetos eram vendidos nos becos por preços absurdos. Havia boatos de que algumas cidades recorriam ao canibalismo, embora ninguém ousasse admitir. Adrian, em seus discursos, falava em "controle alimentar necessário".

E então vieram as moedas. O governo global lançou um sistema de créditos digitais: cada família recebia uma cota mínima em troca de submissão. Quem aceitava os decretos de Adrian tinha direito a ração. Quem recusava, nada recebia.

As igrejas clandestinas que ainda resistiam eram perseguidas, seus membros privados de acesso a comida. Muitos morreram de fome em nome da fé, enquanto outros renegavam suas crenças por um prato de sopa.

Certa tarde, Miriam foi à praça central, onde as distribuições aconteciam. Uma longa fila se arrastava, homens e mulheres esqueléticos aguardando. Guardas armados observavam com olhos frios. Quando chegou sua vez, Miriam recebeu um pequeno saco de farinha e um frasco de óleo. Pesados na balança, medidos até o último grama.

Enquanto guardava os mantimentos, ouviu um anúncio ecoar pelos alto-falantes:

— O Emissário da Unidade declara que a fome logo será vencida. Confiança é alimento. Esperança é pão.

As pessoas, exaustas e com o estômago vazio, aplaudiam como se aplaudissem um milagre. Miriam, porém, sentia apenas um aperto no peito.

O cavalo negro já corria solto pela Terra, e a balança em sua mão pesava não apenas comida, mas também a alma da humanidade.

Nessa noite, Miriam sonhou novamente. Desta vez, via um cavaleiro sombrio montado em um cavalo negro. Ele erguia uma balança brilhante, enquanto multidões famintas estendiam as mãos implorando. Mas cada vez que alguém recebia uma migalha, outro morria à sua sombra. Ela acordou suando frio, compreendendo que o selo havia sido aberto.

E enquanto ela chorava, Adrian brindava mais uma vez em sua mesa de banquetes, rodeado de generais e políticos.

— A guerra abriu caminho. A fome completará o serviço. — Disse, erguendo o cálice. — Um mundo faminto nunca ousará me desafiar.

Do lado de fora, milhões choravam, gemiam e morriam de fome.

A geração perdida, que antes festejara paz e prosperidade, agora arrastava-se como sombras famintas, prisioneiras da promessa quebrada.

O Cavaleiro Negro cavalgava, e com ele vinha a balança da fome.

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Comments

AUTORA💕_💕ATENA

AUTORA💕_💕ATENA

meu Deus quando isso acontece na terra será tão triste e tão mais feio que isso

2025-08-28

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