A madrugada em Nova Aurora parecia ainda mais densa depois do confronto no beco. O ar estava carregado de fumaça e sirenes, e os holofotes da Autoridade varriam os céus como faróis de predadores. Helena sentia o corpo cansado, mas a esfera pulsava em sua mão como um lembrete de que não podia ceder. Adrian mancava ao lado dela, o ombro esquerdo manchado de sangue após o disparo que havia recebido.
Eles caminhavam pelas sombras das ruas abandonadas, cada passo cuidadoso. As fachadas dos prédios, outrora reluzentes, estavam cobertas de fuligem e cartazes rasgados com o símbolo da Autoridade: um olho mecânico que vigiava todos.
— Está ficando pior a cada minuto — Adrian murmurou, analisando o mapa holográfico em seu pulso. — Estão fechando o perímetro.
Helena olhou para ele, preocupada.
— Você não vai aguentar muito com esse ferimento. Precisamos parar, ao menos para estancar o sangue.
Adrian apertou os dentes, como se quisesse ignorar a dor.
— Não posso parar agora. Se perdermos a janela nas docas, não haverá outra chance.
Ela tocou o braço dele, firme.
— E se você morrer antes disso? Não vou fugir sozinha.
Os olhos de Adrian a fitaram, intensos, como se buscassem alguma verdade escondida dentro dela. Ele suspirou, rendendo-se por um instante.
— Está bem. Mas só por alguns minutos.
Encontraram refúgio em um armazém em ruínas. A claridade fraca que entrava pelas frestas iluminava o pó suspenso no ar. Helena ajudou Adrian a se sentar em uma caixa de metal enferrujada e rasgou um pedaço de sua própria camisa para improvisar um curativo. O toque dela era delicado, mas firme.
— Já vi soldados desmoronarem com ferimentos menores — ela comentou, pressionando o pano contra o ombro dele.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Já cuidou de muitos soldados?
— Trabalhava no setor médico… antes de tudo desmoronar. — Helena desviou o olhar, lembrando-se da vida que perdera. — Nunca imaginei que usaria isso assim.
Adrian a observou em silêncio por alguns segundos, como se cada palavra dela fosse um enigma que desejava decifrar.
— Você tem mais força do que imagina — disse enfim. — A Autoridade tenta apagar isso das pessoas. Mas você… você ainda brilha.
Helena sentiu o rosto esquentar, surpresa pelo elogio inesperado.
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O descanso durou pouco. O som distante de motores pesados os alertou. Adrian se levantou com dificuldade, mas determinado.
— Temos que ir. Agora.
Seguiram pelas ruas em direção ao setor leste, onde as docas aéreas se erguiam como colossos de aço. No horizonte, já podiam ver as torres iluminadas e as plataformas onde naves civis e cargueiros ilegais atracavam. Era um lugar perigoso, mas também a fronteira entre prisão e liberdade.
Conforme se aproximavam, a presença militar aumentava. Drones sobrevoavam em esquadrões, e torres de artilharia giravam incessantemente. Adrian conduziu Helena por vielas paralelas, utilizando sua experiência para evitar rotas principais.
— Existe um acesso secundário — explicou, mostrando no holograma uma linha azul que contornava o setor. — Antigo canal de manutenção. Se conseguirmos chegar lá, evitamos os portões principais.
Helena assentiu, mas a esfera latejava em suas mãos, como se pressentisse algo.
De repente, o céu se iluminou com explosões. Uma frota de rebeldes atacava a periferia das docas, tentando abrir caminho. O caos se instalou: sirenes, disparos de artilharia, gritos ecoando pelas torres metálicas.
— É agora ou nunca — Adrian disse, puxando-a pela mão.
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O acesso secundário ficava atrás de uma fileira de containers abandonados. Mas antes que conseguissem atravessar, uma patrulha os avistou. Rajadas de energia atingiram o chão perto deles, lançando faíscas e calor.
Adrian reagiu instintivamente, puxando Helena para trás de uma barricada. Ele devolveu fogo com seu rifle, mas estava em desvantagem.
— Eles são muitos! — Helena gritou, tentando manter a calma.
A esfera pulsava com intensidade, como se implorasse para ser usada. Helena hesitou. Lembrava-se do que acontecera no beco: o poder devastador, os inimigos caídos, o medo de perder o controle.
Mas então viu Adrian cambalear, quase derrubando a arma ao sentir a dor do ferimento.
— Não… não vou deixá-lo morrer! — murmurou.
Segurou a esfera com ambas as mãos. O brilho aumentou até cegá-la por um instante. Uma onda azulada varreu a área, desativando armas, parando drones no ar como se fossem brinquedos quebrados e arremessando os soldados contra o chão.
Quando a luz se dissipou, o silêncio tomou conta novamente.
Adrian a encarava, ofegante, os olhos arregalados.
— Você… acabou de nos salvar.
Helena caiu de joelhos, exausta, mas determinada.
— Não é só poder. É algo… vivo. Eu sinto que a esfera me ouve.
Adrian se aproximou e a ajudou a levantar-se, mesmo ferido.
— Seja o que for, precisamos disso agora.
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Avançaram pelo canal de manutenção, finalmente chegando às docas. O cenário era caótico: naves levantando voo às pressas, rebeldes e mercenários trocando tiros com a Autoridade, explosões iluminando o céu.
Helena nunca tinha visto nada tão grandioso. Torres metálicas se erguiam como gigantes, plataformas suspensas conectadas por pontes de aço, e o rugido das turbinas preenchia o ar. O cheiro de combustível misturado à pólvora tornava tudo mais irrespirável, mas também mais real.
Adrian apontou para uma nave de médio porte, estacionada em uma das plataformas secundárias.
— Aquele cargueiro. Eu conheço o piloto. Ele não vai fazer perguntas, contanto que paguemos.
— E com o que vamos pagar? — Helena questionou.
Ele lançou um olhar significativo para a esfera em suas mãos.
Helena hesitou. — Você quer entregar isso?
— Não. — Adrian balançou a cabeça. — Mas podemos usar apenas como promessa. E se não aceitarem… bom, você já mostrou o que é capaz de fazer.
Atravessaram a passarela em direção ao cargueiro, desviando de destroços em chamas. Mas, a poucos metros da entrada, uma tropa da Autoridade os interceptou. Eram soldados diferentes: armaduras negras, capacetes com visores vermelhos, armas de energia pesada. Não eram simples patrulhas — eram os Caçadores de Elite, enviados apenas em missões cruciais.
Adrian empalideceu.
— Eles não vão parar.
O comandante dos Caçadores deu um passo à frente. A voz ecoou amplificada pelo capacete:
— Entreguem o artefato. Agora. E pouparemos suas vidas.
Helena segurou a esfera contra o peito, sentindo o peso da escolha. Adrian ergueu o rifle, mas ela sabia que não tinham chances em um confronto direto.
O comandante ergueu a mão, e os soldados alinharam as armas. O som da energia carregando encheu o ar.
No último instante, Helena fechou os olhos e se concentrou. Não pediu poder, não pediu destruição. Apenas pensou em escapar. A esfera brilhou intensamente, e uma onda de energia se expandiu não como uma explosão, mas como um escudo que os envolveu. Os disparos dos Caçadores ricochetearam, dobrando-se contra as paredes metálicas.
— Corre! — Adrian gritou, puxando-a.
A barreira cintilante os protegeu até alcançarem a entrada do cargueiro. O piloto, um homem barbudo e sujo de graxa, arregalou os olhos ao vê-los.
— Vocês são loucos! A Autoridade vai destruir essa plataforma em minutos!
— Então decola agora! — Adrian ordenou. — Temos como pagar.
O homem hesitou, mas a visão da esfera fez seus olhos brilharem de ganância e medo ao mesmo tempo.
— Entrem!
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A rampa se fechou, e o rugido das turbinas sacudiu o cargueiro. Do lado de fora, explosões iluminavam o céu enquanto os Caçadores tentavam romper o escudo. Helena se segurava nas paredes da cabine, o coração acelerado. Adrian, mesmo ferido, mantinha-se de pé ao lado dela, encarando o espaço pela pequena janela.
— Estamos conseguindo… — murmurou ele.
O cargueiro subiu, atravessando a fumaça e a chuva de disparos. As torres de defesa da Autoridade lançaram projéteis em sua direção, mas o piloto manobrava com destreza, desviando das explosões. Helena sentia cada sacudida como se o coração fosse arrancado do peito.
Então, de repente, o céu se abriu. Pela primeira vez, ela viu além da cúpula artificial de Nova Aurora: o verdadeiro firmamento, cravejado de estrelas infinitas.
As lágrimas escorreram por seu rosto.
— É lindo… — sussurrou.
Adrian a olhou, com um raro sorriso suavizando suas feições endurecidas.
— E é só o começo.
Mas, mesmo no silêncio do espaço, Helena sabia que a luta estava longe de terminar. A esfera pulsava em suas mãos, mais intensa do que nunca, como se tivesse despertado completamente ao sentir a vastidão do cosmos.
O destino deles estava escrito entre chamas e estrelas.
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Atualizado até capítulo 37
Comments
Sky blue
Não podia deixar de elogiar sua escrita, parabéns pelo talento, autora!
2025-08-26
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