O silêncio dos esgotos era quebrado apenas pelo gotejar constante da água e pelo som distante das patrulhas acima. Helena se sentava contra a parede úmida, abraçando os joelhos. A esfera flutuava alguns centímetros acima de sua palma, iluminando a escuridão com seu brilho azul pálido.
Adrian caminhava de um lado para outro, inquieto, como uma fera presa em jaula. Ele consultava constantemente um dispositivo de pulso, que mostrava mapas holográficos da cidade e rotas de vigilância.
— Não podemos ficar aqui por muito tempo — disse ele, com a voz baixa, mas firme. — Os sensores deles rastreiam calor, movimento, até batimentos cardíacos se for preciso. É questão de horas até que nos encontrem.
Helena desviou os olhos da esfera.
— Você fala como se soubesse exatamente como eles caçam.
Adrian parou e a encarou por um instante, os olhos sombrios refletindo a luz azul.
— Porque eu já fiz parte dessa caçada. Eu conheço os protocolos. E sei o quão implacáveis eles são.
Um arrepio percorreu a espinha de Helena. A cada nova revelação, a sombra do passado de Adrian parecia mais pesada.
— Então, qual é o plano? — perguntou ela.
Adrian desligou o dispositivo e respirou fundo.
— Vamos sair da cidade. Há uma rota antiga que passa pelas docas aéreas, onde contrabandistas ainda circulam. Se conseguirmos chegar até lá, posso garantir uma nave.
Helena ergueu uma sobrancelha.
— Uma nave? Você acha que simplesmente vamos escapar voando?
Um sorriso breve surgiu nos lábios dele.
— A Autoridade controla muitas coisas, mas não tudo. Acredite, há quem ainda lute contra eles.
Helena queria contestar, mas no fundo sentiu uma pontada de esperança. A ideia de deixar Nova Aurora, de finalmente ver o céu verdadeiro, a atraía mais do que queria admitir.
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Saíram dos esgotos algumas horas depois, em plena madrugada. O ar noturno estava frio, e as ruas da periferia da cidade estavam desertas, exceto por figuras isoladas que se moviam nas sombras. Torres de vigilância projetavam fachos de luz giratórios, varrendo o asfalto rachado.
Adrian guiava Helena com passos firmes, sempre atento aos padrões de movimento dos drones. Ele parecia saber exatamente quando parar, quando correr e quando se esconder. Helena o seguia, o coração acelerado, apertando a esfera contra o peito.
De repente, um zumbido metálico cortou o ar. Um drone de reconhecimento surgiu na esquina, girando suas câmeras em busca de movimento. Adrian puxou Helena para um beco estreito e a pressionou contra a parede, cobrindo a boca dela com a mão.
Helena sentiu o corpo dele colado ao seu, o calor que contrastava com o frio da noite. O drone passou lentamente, a poucos metros, o feixe de luz quase os alcançando. A esfera brilhou levemente dentro da bolsa, e Helena prendeu a respiração.
Adrian murmurou baixinho, próximo ao ouvido dela:
— Fique calma. Ele não vai nos detectar se você não reagir.
O drone parou, como se tivesse sentido algo. Um segundo de tensão mortal se estendeu como uma eternidade. Então, subitamente, o aparelho seguiu adiante, desaparecendo no céu.
Adrian soltou a respiração e afastou a mão do rosto dela. Helena, ainda ofegante, o encarou. Estavam tão próximos que podiam sentir a respiração um do outro.
— Você sempre foi tão bom em se esconder? — ela perguntou, tentando disfarçar a tensão com sarcasmo.
Ele esboçou um sorriso cansado.
— Digamos que aprendi com os melhores.
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Continuaram a caminhada, mas não por muito tempo. Um estrondo ecoou pelas ruas: patrulhas haviam localizado a área dos esgotos que eles usaram. Em questão de minutos, veículos blindados começaram a se aproximar.
— Droga! — Adrian resmungou. — Eles são mais rápidos do que pensei.
Helena segurou a esfera.
— Talvez eu possa usar isso.
— Não! — Adrian a interrompeu, ríspido. — Não sabemos do que essa coisa é capaz. Se perder o controle, vai ser pior.
Helena mordeu os lábios, mas a esfera pulsava, como se reagisse às palavras dele.
Sem outra escolha, correram pelas ruas estreitas, desviando de barricadas abandonadas e saltando por cercas enferrujadas. Os holofotes começaram a varrer a área, e logo tiros de energia riscaram o ar atrás deles.
Adrian puxou Helena pela mão, guiando-a em zigue-zague entre prédios em ruínas. O som das explosões ecoava ao redor, estilhaçando janelas e incendiando restos de veículos.
De repente, uma barreira de soldados surgiu no fim da rua. Estavam encurralados.
— Helena, atrás de mim! — Adrian ergueu o rifle e disparou, abrindo fogo contra a patrulha. O som dos disparos reverberava, mas eram muitos.
Helena se ajoelhou, protegendo a esfera. O coração dela pulsava em sincronia com o artefato. Vozes ecoaram em sua mente novamente:
— Você não precisa fugir. Use-me.
Ela hesitou, lembrando do aviso de Adrian. Mas então viu uma rajada de energia atingir o ombro dele, fazendo-o cambalear e soltar um gemido de dor.
— Adrian! — gritou.
O medo a consumiu, e no mesmo instante a esfera brilhou como uma estrela em erupção. Uma onda de energia azul se espalhou pelo beco, atingindo os soldados. As armas deles explodiram em faíscas, e os drones despencaram como marionetes sem fio.
O silêncio caiu abruptamente.
Adrian olhou em choque para a cena: inimigos desacordados no chão, veículos queimando, e Helena no centro, envolta por um halo de luz.
A esfera apagou lentamente, voltando a flutuar serena em sua mão. Helena caiu de joelhos, ofegante, como se tivesse corrido quilômetros.
Adrian correu até ela, mesmo ferido, e a segurou pelos ombros.
— Você… o que foi isso?
Ela ergueu o olhar, os olhos marejados, ainda trêmula.
— Eu não sei. Eu só… não queria que você morresse.
Por um instante, o mundo pareceu se aquietar ao redor deles. Adrian a encarou, e pela primeira vez não havia ceticismo em seus olhos, mas algo próximo à reverência.
— Então não é apenas uma chave… — murmurou ele. — É uma arma.
Helena balançou a cabeça, assustada com o que havia feito.
— Não. Não é isso… não pode ser só isso.
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A madrugada se estendia enquanto eles se afastavam da cena da batalha, apoiando-se mutuamente. Adrian mancando, Helena carregando a esfera. O caminho para as docas ainda era longo, e a perseguição certamente não havia terminado.
Mas naquela noite, sob o céu falso de Nova Aurora, um vínculo havia nascido entre eles — frágil, incerto, mas real. Um elo forjado entre medo e esperança, entre a humanidade e algo muito maior do que ambos.
E nas sombras da cidade, a chama da fuga começava a se transformar em rebelião
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Atualizado até capítulo 37
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