Estrelas e Destinos
O céu de Nova Aurora nunca parecia verdadeiramente escuro. Mesmo à noite, as luzes artificiais do governo brilhavam como estrelas falsas, ocultando a beleza real do cosmos. Para Helena Navarro, essa ausência de céu era quase um insulto. Desde criança, ela sonhava em ver as constelações sem a interferência das torres de energia e dos drones de vigilância que cruzavam o firmamento.
Naquela noite, no entanto, Helena não estava pensando em sonhos. Estava concentrada em seu trabalho clandestino, dentro de um antigo laboratório subterrâneo escondido sob a universidade abandonada. As paredes ainda carregavam inscrições desbotadas de fórmulas científicas, mas agora serviam de abrigo para experimentos proibidos.
Ela respirou fundo, ajustando os óculos translúcidos que projetavam dados em sua retina. Em sua frente, repousava uma caixa metálica coberta por poeira e ferrugem. Não havia registros oficiais dela, mas Helena sabia que era algo importante. O rumor corria entre os cientistas que ousavam desafiar a Autoridade Espacial: um artefato encontrado nas ruínas do Deserto de Atacama, protegido pelo governo e contrabandeado a peso de ouro para quem tivesse coragem de estudá-lo.
— Vamos ver o que você tem de tão especial… — murmurou ela, sozinha.
Passou os dedos sobre a superfície da caixa. Para sua surpresa, o metal não estava frio, mas morno, quase pulsante, como se tivesse vida própria. Um arrepio percorreu sua espinha. Helena hesitou por um instante, lembrando-se de seu pai — também cientista, desaparecido anos atrás após investigar tecnologia proibida.
“Não cometa os mesmos erros”, ela pensou. Mas a curiosidade era mais forte. Sempre fora.
Com um estalo, a caixa se abriu sozinha. Não havia trancas visíveis, nem mecanismos que justificassem aquilo. Helena deu um passo para trás, o coração acelerado, enquanto uma luz azulada iluminava a sala. Dentro, repousava uma esfera translúcida do tamanho de uma maçã, flutuando alguns centímetros acima da base metálica.
Helena se aproximou lentamente. Seus olhos refletiam a estranha luminosidade da esfera, que parecia conter uma névoa em constante movimento. Ao tocar o objeto, um choque percorreu seu corpo inteiro, mas não era dor — era como se uma corrente elétrica suave a reconhecesse, invadindo sua mente.
De repente, imagens surgiram em sua cabeça. Estrelas, mundos desconhecidos, cidades que não eram humanas. Ela ouviu vozes em uma língua que não conhecia, mas compreendia de alguma forma. Viu mãos estranhas erguendo a mesma esfera diante de um céu vermelho.
Assustada, Helena recuou, tropeçando em uma cadeira. O contato se quebrou, e a esfera voltou a flutuar serenamente, como se nada tivesse acontecido. Ela ofegava, as mãos tremendo.
— Meu Deus… — sussurrou. — Isso não é humano.
Antes que pudesse processar o que tinha visto, um alerta soou em seu dispositivo de pulso. Um sinal de vigilância. Alguém se aproximava.
Helena rapidamente desligou os sistemas e tentou fechar a caixa, mas esta permaneceu aberta, como se a esfera se recusasse a ser ocultada novamente. O coração dela batia tão alto que parecia ecoar pelas paredes do laboratório.
Os passos se aproximavam. Helena apagou as luzes, ficando apenas com o brilho azulado da esfera. O som metálico da porta sendo forçada reverberou no silêncio.
Ela prendeu a respiração.
A entrada se abriu com violência, revelando a silhueta de um homem alto, vestido com o uniforme negro da Autoridade Espacial. Seus olhos castanhos analisaram o local com rapidez.
— Eu sabia que alguém andava mexendo aqui — disse ele, com uma voz firme, mas não hostil.
Helena engoliu em seco, tentando esconder a caixa com o corpo.
— Não sei do que está falando. Sou apenas uma pesquisadora. Este lugar é público.
Ele sorriu de canto, como quem não se deixa enganar facilmente.
— Público? — Ele entrou mais, ignorando a tensão dela. — Este laboratório está abandonado há quinze anos. E você não parece alguém que gosta de passear por ruínas.
Helena estreitou os olhos.
— E você? Quem é?
Ele hesitou por um segundo antes de responder.
— Adrian Vega. Piloto. Digamos que… não estou exatamente do lado deles.
Helena não sabia se acreditava. Tudo nele gritava perigo, mas havia algo nos olhos dele — um cansaço profundo, uma chama rebelde escondida.
— E o que você quer aqui? — ela insistiu.
Adrian desviou o olhar para a esfera, que parecia reagir à sua presença, intensificando o brilho.
— Eu vim pelo mesmo motivo que você, imagino. — Ele se aproximou devagar. — Esse artefato não pertence à Autoridade. Pertence a nós.
Helena deu um passo atrás, protegendo a esfera.
— “Nós”? Quem é “nós”?
Ele suspirou, como se carregasse um peso nos ombros.
— Os que ainda acreditam que o futuro da humanidade não pode ser controlado por meia dúzia de generais. — Seus olhos se fixaram nos dela. — E se você não tomar cuidado, vai acabar desaparecida… como tantos outros.
As palavras bateram fundo. Helena sentiu um nó na garganta, lembrando-se do pai.
Por um instante, os dois ficaram em silêncio, apenas observando a esfera pulsante entre eles, como se fosse um coração vivo. Helena percebeu que, de alguma forma, estava conectada àquele objeto… e talvez ao destino daquele estranho também.
Ela respirou fundo, tentando recuperar o controle.
— Se não está com eles, então prove. Ajude-me a entender o que essa coisa quer de mim.
Adrian ergueu uma sobrancelha.
— De você?
— Sim. — Ela hesitou. — Quando toquei… vi coisas. Mundos. Memórias. Não era só uma máquina. Era… consciência.
Ele a encarou com surpresa genuína, como se não esperasse ouvir aquilo.
— Então é verdade… — murmurou.
Helena franziu o cenho.
— O que você sabe sobre isso?
Antes que ele pudesse responder, o som de drones de patrulha ecoou acima deles, fazendo tremer o teto do laboratório. O tempo havia acabado.
Adrian a olhou com seriedade.
— Não há mais escolha. Eles já nos rastrearam. Se ficar, você está morta.
Helena sentiu o peso da decisão se abater sobre ela. Levar a esfera significava trair tudo o que conhecia, entrar em um caminho sem volta. Mas deixá-la ali significava perdê-la para sempre — e talvez condenar a humanidade.
Ela olhou para Adrian, depois para o artefato que ainda pulsava como se esperasse sua resposta.
No fundo, já sabia o que precisava fazer.
Aproximou-se da esfera, que brilhou intensamente ao seu toque, como se aceitasse sua escolha.
E naquele instante, o destino de Helena Navarro começou a mudar para sempre.
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Atualizado até capítulo 37
Comments
acc_.xm
Que livro incrível! Parabéns, autora!
2025-08-26
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