O cheiro de café ainda pairava no ar, embora ninguém mais o tivesse tocado desde o velório.
A casa estava em silêncio. Não aquele silêncio comum das manhãs de leitura ou das noites preguiçosas de domingo — mas um silêncio pesado, denso, oco.
O tipo de silêncio que vem depois do fim.
Elisa arrastou uma caixa até o canto da sala. Era a última. Dentro dela, fotografias, cartas antigas, livros sublinhados por Raul com suas anotações rabiscadas nas margens.
Ela passou os dedos sobre a lombada de um deles — O Velho e o Mar — o favorito dele.
Sorriu de leve, mas o sorriso morreu antes de chegar aos lábios.
Três semanas. Era esse o tempo que fazia desde que o mundo tinha parado.
Desde o acidente. Desde que ela deixou de ser esposa para se tornar... viúva.
A palavra ainda doía. Ainda parecia estranha, como se fosse emprestada de outra história.
Ela não chorava todos os dias, mas também não sorria mais.
Estava suspensa entre o que foi e o que ainda não sabia ser.
Na sala, o relógio marcava 10h17. O tempo seguia em frente, indiferente à dor.
Ela, não.
Na mesinha ao lado da poltrona onde Raul costumava ler, havia uma pasta preta.
Não se lembrava de tê-la visto antes. Talvez alguém da família tivesse deixado ali, ou estivesse misturada entre os papéis do escritório dele.
Com passos lentos, Elisa se aproximou, sentou-se e abriu a pasta.
Foi quando viu.
Um envelope branco. Sem remetente. Apenas seu nome escrito à mão: Elisa.
O mundo pareceu parar por um segundo.
Era a letra dele.
O coração acelerou. As mãos tremiam.
Ela pegou o envelope com cuidado, como se fosse feito de vidro. Passou os dedos sobre seu nome e, por instinto, levou-o ao peito.
Por um momento, tudo sumiu.
A dor, a raiva, a ausência.
Só restava a voz dele.
Presente naquele papel.
E então, com os olhos já úmidos, ela abriu.
Se você está lendo isso, é porque eu já não estou mais aí. E eu sei que, depois de tudo, talvez essa seja a última coisa que você queira: ouvir a minha voz. Mas, mesmo assim, eu preciso falar. Preciso confessar.
Eu te amei, Elisa. De verdade.
Eu sei o quanto isso parece contraditório depois do que fiz, mas o que aconteceu… não foi premeditado. Foi uma noite. Uma única noite. Eu tinha saído com um amigo, bebemos demais. Você estava fora, viajando para aquele congresso de literatura. Eu me sentia sozinho, vazio, fraco.
E então aconteceu. Com Carla.
Eu quis fingir que nunca tinha acontecido. E, por muito tempo, consegui. Até que, três anos depois, ela apareceu com um menino. Disse que era meu filho. Eu duvidei, claro. Mas quando vi os olhos dele — aqueles olhos verdes, exatamente como os meus — eu soube.
O nome dele é Noah.
Elisa sentiu o corpo gelar.
Ele é só uma criança, e não merece pagar pelo meu erro. Mas a vida não foi justa com ele. Noah está doente. Tem leucemia. Quando descobri, pensei que o mundo tinha desabado outra vez. Tentei ajudar em silêncio, de longe, mas nunca tive coragem de contar a você.
Sei que não tenho o direito de pedir nada, mas se algum dia, mesmo que contra sua vontade, você puder olhar para ele… faça isso. Ele precisa de alguém que lhe dê aquilo que talvez eu nunca soube dar: amor sem medo.
As últimas linhas estavam trêmulas, como se Raul tivesse escrito às pressas, entre lágrimas.
Dentro da pasta, junto da carta, Elisa encontrou uma fotografia. Um menino sorria timidamente, segurando um carrinho vermelho. Os olhos verdes a perfuraram de imediato.
Com as mãos trêmulas, virou a foto. No verso, em letra apressada, havia um endereço:
"Ala Pediátrica – Hospital Santa Helena."
O mundo de Elisa parou outra vez.
Agora, não era apenas a ausência de Raul que pesava. Era a presença silenciosa de um menino que, de repente, parecia estar ligado a ela por laços que não compreendia, mas que não poderia ignorar.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
Roseli Santos
me desculpe minha opinião ele traiu ela por que quis não venha colocar a culpa da bebida sei qu a criança não tem culpa difícil cuidar sabendo qu foi por uma traição
2025-08-26
7
Osny
Quem ama não trai.
Simples assim.
2025-08-30
0