O tempo, indiferente aos pensamentos de Kauro, não parava, como se zombasse de suas tentativas de mergulhar nas próprias reflexões. A sala de aula permanecia barulhenta, cheia de conversas paralelas e risadas que ecoavam entre as paredes claras, típicas de colégio particular. O ranger das carteiras de ferro contra o chão encerado, o cheiro de livro novo e o zumbido de vozes misturavam-se em uma melodia caótica, quase sufocante.
Foi nesse turbilhão de sons que a porta se abriu novamente. Entrou a professora, uma jovem de semblante vibrante, com um sorriso acolhedor que iluminava o ambiente. Carregava uma pasta de couro contra o peito e passos firmes, típicos de quem dominava a rotina escolar.
— Bom dia, pessoal! — anunciou com voz clara, capaz de atravessar o burburinho. — Sou Kamilly, professora de Português de vocês. Imagino que todos já me conheçam, pois estive com a turma no ano passado…
Ela lançou um olhar pela sala, examinando cada rosto com atenção calorosa, como quem reencontra velhos conhecidos. Um brilho de satisfação surgiu em seus olhos.
— É bom rever tantos alunos queridos.
Porém, ao chegar à terceira fileira, seus olhos se fixaram em uma figura que destoava do restante. Havia ali uma aluna que não se misturava às conversas, nem ao riso alto, nem ao incômodo arrastar de cadeiras. Um rosto novo.
— Você é nova, não é? — perguntou com delicadeza, mas deixando clara a expectativa. — Poderia se apresentar para a turma?
Amalha ergueu o olhar lentamente. Não demonstrou nervosismo nem pressa. Apenas inclinou a cabeça em sinal de concordância, levantou-se com uma calma que parecia calculada e caminhou até a frente da sala. Seus passos eram contidos, medidos, como se cada movimento fosse estudado antes de ser executado.
Virando-se para a turma, disse em tom neutro — firme, mas sem emoção:
— Bom dia. Me chamo Amalha. Esta é a minha primeira experiência em uma escola física. Então, imagino que será… interessante. Desejo a todos um ano proveitoso.
Suas palavras não soaram como as de uma adolescente comum. Não havia timidez, nem simpatia forçada, nem entusiasmo juvenil. Seus olhos permaneciam serenos, mas intensos, fixos em um ponto qualquer, como se medisse a reação da turma sem realmente se importar. O corpo, rígido e alinhado, lembrava a postura de um soldado em formatura. Assim que terminou, voltou à sua carteira e se sentou com a mesma elegância meticulosa de antes.
O silêncio que se seguiu foi breve, quase imperceptível, mas significativo. A sala, acostumada ao barulho constante, engoliu aquele momento estranho e, em seguida, retomou sua algazarra. Mas Amalha já havia se marcado no imaginário dos colegas: diferente, fria, misteriosa.
Hikaru, o primeiro a quebrar o gelo, balançou a cabeça com um meio sorriso debochado.
— Estranha — murmurou, sem cerimônia.
Felipe, que estava sempre pronto para uma piada, inclinou-se para o amigo, rindo.
— Ha ha ha! Estranha sim… mas até que é bonitinha, vai.
Hikaru bufou.
— Bonitinha? Só mais uma nerd.
E assim começaram a conversar, comparando Amalha com Priscila, a ex-aluna que havia terminado o ensino médio no ano anterior. Priscila era lembrada como uma lenda da escola: beleza exuberante, inteligência afiada, uma mistura quase impossível de sensualidade e carisma. Hikaru havia sido apenas mais um entre tantos que se encantaram por ela, embora ele sempre jurasse que não fora nada sério.
Felipe aproveitou a deixa para cutucar o amigo:
— Isso não vai trazer sua musa de volta, cara.
O rosto de Hikaru endureceu.
— Eu só tive uma leve queda por ela. Se fosse amor de verdade, eu teria dado um jeito.
— Ah, claro, teria “roubado” ela do namorado? — Felipe gargalhou, batendo nas próprias pernas. — Você não tem coragem nem pra falar isso em voz alta.
Hikaru estreitou os olhos, ofendido.
— Você acha que eu não conseguiria?
— Claro que não. — Felipe riu mais alto, chamando a atenção de alguns colegas próximos. — Aliás, se tem alguém aqui que sabe conquistar, esse alguém sou eu.
Orgulhoso, estufou o peito e deu um tapinha no ombro de Hikaru.
— Escuta, um dia eu mesmo vou te dar umas aulinhas.
Na fileira ao lado, Kauro observava a cena em silêncio. Sentado com os braços cruzados, parecia distante da conversa, mas seus olhos estavam atentos. Um sorriso de canto de boca surgiu.
— “Dar aulas”, hein? Isso eu preciso ver.
Hikaru gargalhou junto.
— Tá vendo? Nem o Kauro acredita em você.
Felipe, ferido no orgulho, virou-se bruscamente.
— Tá duvidando de mim também, Kauro?
Kauro arqueou uma sobrancelha, mantendo a calma habitual.
— Só estou curioso pra ver até onde vai essa confiança.
Foi então que Hikaru, sempre rápido para transformar provocações em desafios, surgiu com uma ideia maliciosa. Seus olhos brilharam com uma centelha de travessura.
— Então prova, Felipe.
— Provar como? — perguntou o amigo, intrigado.
— Conquistando uma garota. — Hikaru sorriu, teatral. — Uma que eu e o Kauro escolhermos.
— Eu!? — Kauro piscou, surpreso. — Espera aí, eu não estou incluído nisso…
— Está sim. — Felipe ergueu a mão, confiante. — Seja quem for, eu consigo. E se quiserem apostar, aposto alto.
Hikaru bateu na mesa, rindo.
— Isso está ficando bom! Mas vamos apimentar mais. Não é só conquistar, é ver quem consegue primeiro.
— Fechado. — Felipe apertou a mão do amigo com firmeza, rindo como se já tivesse vencido.
Então Hikaru se virou lentamente para Kauro, que continuava em silêncio.
— E você? Não vai participar?
Kauro deu uma risada seca, balançando a cabeça.
— Nem pensar. Vai ser muito mais divertido assistir de fora.
— Tsc… sempre o espectador, né? — Hikaru estreitou os olhos, fingindo decepção. — Mas tudo bem. Você vai ter a melhor vista dessa disputa.
Ele fez uma pausa, estendendo o suspense como quem anuncia o clímax de uma história. Felipe o encarava com expectativa, pronto para saber o nome da garota escolhida.
Então, com um sorriso malicioso, Hikaru disse:
— A escolhida é… Amalha.
O nome ecoou entre eles como uma faísca perigosa. Felipe piscou, surpreso, mas logo recuperou a confiança.
— Fácil — disse, como se já tivesse conquistado metade do caminho.
Hikaru riu alto, quase maldoso.
— Quero só ver, campeão.
Kauro, por sua vez, ficou em silêncio por alguns instantes. Amalha? Entre tantas garotas na sala, justo ela? Seus olhos se estreitaram, observando-a discretamente. Ela permanecia quieta, alheia à conversa, concentrada em algo no caderno, como se o barulho ao redor fosse apenas ruído distante.
Ele arqueou a sobrancelha e deixou escapar um sorriso enigmático.
*"Eles não têm ideia do que estão enfrentando."*
...E, naquele instante, Kauro teve a estranha sensação de que a simples escolha de Amalha como alvo mudaria não apenas o rumo daquele jogo tolo, mas de todos eles....
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Atualizado até capítulo 27
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