CAPÍTULO 4 - A nova família. (Lola)

Narrado por Dolores Owens

Chegamos a Chicago por volta das 10:20 da manhã. O céu estava coberto por nuvens cinzentas, e o vento gelado parecia fazer questão de lembrar que não estávamos mais na nossa zona de conforto. Ainda no aeroporto, havia carros pretos esperando por nós, grandes, com vidros escurecidos.

Assim que entramos no carro principal, meu pai virou no banco da frente e disse, com aquele tom que ele achava ser afetuoso:

— Tenho uma surpresa pra vocês.

Ben e Khloe se entreolharam animados. Eu apenas ergui uma sobrancelha. Se tinha uma coisa que aprendi ao longo da vida, é que as “surpresas” do meu pai nunca vinham sem uma dose de caos disfarçado de boas intenções.

— Vai ser um cachorro? — perguntou Ben.

— Um cavalo? — chutou Khloe, empolgada.

Eu fiquei em silêncio, esperando qualquer coisa... menos o que realmente seria.

Quando o carro finalmente parou depois de alguns minutos, haviamos chegado a nossa nova casa. Um casarão de três andares com janelas arqueadas, tijolos brancos que parecia ser uma casa estilo colonial, e um jardim frontal enorme que parecia um campo de golfe esquecido.

Na porta principal da mansão, estavam três mulheres. Uma senhora de cabelos brancos presos num coque alto, postura ereta e olhos penetrantes; uma mulher por volta dos trinta, alta, magra, de cabelos escuros, longos e lisos, com um vestido verde justo demais pro horário; e uma garota jovem, com um visual moderno, jeans rasgado, cropped e all star vermelho.

Antes de sairmos do carro, meu pai limpou a garganta. Um gesto quase solene. Nós três, Ben, Khloe e eu nos olhamos, desconfiados.

— Quero que vocês tenham respeito pelas três. Agora... elas fazem parte da nossa família.

Arregalei os olhos. Você tá brincando comigo, pensei.

Descemos. Elas sorriam de forma quase ensaiada e disseram em uníssono, como apresentadoras de programa matinal:

— Sejam bem-vindos!

Entramos na sala principal, ampla, com pé direito alto e lustres de cristal. Meu pai se posicionou no centro e falou com a autoridade de um chefe de clã:

— Meninos... Lola... quero que conheçam a nova madrasta de vocês.

— O quê? — disseram Ben e Khloe ao mesmo tempo, em choque.

Eu, por outro lado, apenas balancei a cabeça, cínica, já prevendo o roteiro. Casamento-relâmpago, lua de mel, gravidez inesperada, pensão, mais um irmãozinho pra criar...

— Onde é o meu quarto? — perguntei com frieza, já querendo desaparecer dali.

A mulher de trinta e poucos anos deu um passo à frente, tentando indicar o caminho com empolgação forçada, mas foi barrada por meu pai.

— Eu ainda não terminei, Dolores.

Engoli o seco. Eu odiava quando ele me chamava assim. “Dolores” soava como uma sentença, como se eu fosse uma punição por que ele sabia que eu não gostava. — Essa é Verônica Gutierrez — ele continuou. — Essa é a filha dela, Aria. E essa é Dona Carmem, mãe da Verônica.

Revirei os olhos.

— Pronto. Já terminou? Posso ir pro meu quarto agora?

Quem respondeu foi a própria Verônica, com aquele tom doce que me dava calafrios.

— Claro, querida. Vou te mostrar o quarto de vocês. Vamos.

Ela começou a andar como uma guia de excursão infantil. Eu a segui em silêncio, contando mentalmente quantos degraus tinha a escada, dezoito.

O quarto era amplo, claro, com janelas enormes e cortinas bege. Tudo parecia perfeito... demais. Sem personalidade. Como se tivessem decorado correndo, pra impressionar.

Fiquei horas ali, encarando a parede, como se ela fosse me dar alguma resposta. Não bastava mudar de cidade. Agora eu tinha uma madrasta importada diretamente do México, com irmã e avó incluídas no pacote. Fantástico.

Chamaram para almoçar. Eu não queria. Mas sabia que se não descesse, meu pai mandava me buscar com um batalhão de conselhos e frases prontas.

Desci.

Henrique estava lá. Claro. Como sempre, aparecendo sem aviso, como se fosse o príncipe da vizinhança. Estava abraçando Ben e Khloe, dizendo que sentiu saudades. Depois cumprimentou Aria com intimidade demais pro meu gosto. E todos... todos pareciam felizes com ele ali.

Quando sentamos à mesa, a comida parecia saída de um restaurante cinco estrelas. Todos elogiavam os pratos. E Henrique, claro, fez questão de destacar:

— Dona Carmen, sua comida é maravilhosa. Me senti em casa.

— Obrigada, querido — disse ela, sorrindo como se fosse a avó dele também.

Eu estava prestes a vomitar.

— A quanto tempo? — perguntei, sem rodeios.

Meu pai limpou a boca com o guardanapo e respondeu:

— Quase dois anos.

Quase dois anos. Um ano de mentiras. Um ano de ausência. Um ano indo e vindo entre Chicago e Nova York. E eu... como sempre, enganada.

— Foi por causa dela que não foi à minha formatura?

Silêncio.

— Não foi bem assim, Dolores...

— Não sei nem por que perguntei. Nunca fui prioridade na sua vida. Nem minha saúde, nem meus momentos importantes. Já estou acostumada. Já cresci sem mãe... que diferença faz crescer sem pai também?

Levantei bruscamente, jogando os talheres na mesa, o guardanapo em cima do prato.

— Com licença... e que todos tenham um péssimo almoço.

Saí da sala ouvindo vozes me chamando, mas não dei ouvidos. Subi as escadas como se estivesse fugindo de uma cena de crime. Me joguei na cama e deixei o peso da decepção me sufocar.

Pouco tempo depois, alguém bateu, ou melhor, entrou direto sem pedir permisão.

Era o Henrique.

— O que você tá fazendo aqui? — disparei.

Ele se jogou na poltrona perto da cama, cruzando os braços.

— Por que você sempre faz essa pergunta quando me vê?

— Porque sua presença me incomoda!

Ele deu uma risada seca.

— E o fato de você ser uma mimada me incomoda. Mas olha eu aqui, checando se você tá bem depois do showzinho que deu no almoço.

— Showzinho?! — gritei.

— Sim. Você é uma menina mimada que afasta todo mundo. Não deixa que ninguém ao seu redor seja feliz, porque vive mergulhada na sua amargura. Já passou da hora do tio George ser feliz também.

Olhei nos olhos dele, raiva queimando.

— Sai do meu quarto. Agora. Antes que eu faça você engolir cada palavra.

Ele abriu a boca, mas nem teve tempo.

— Some da minha vista, Henrique. Da próxima vez que você se meter na minha frente, eu vou te dar um soco tão forte que vai ficar sem ar.

— Nossa... o amor de vocês é quase fraternal. — Era a voz da filha da fulana, encostada no batente da porta, braços cruzados, sorriso irônico.

— ESSE IDIOTA NÃO É MEU IRMÃO. SAIAM DO MEU QUARTO! — gritei, apontando a porta.

Ambos saíram. Bati a porta com força e encostei nela, tentando respirar. Fiquei o resto do dia ali, imóvel, afundada no travesseiro. Ninguém veio me chamar pra jantar. Ótimo. Eu também não queria.

Mais tarde, alguém bateu na porta e entrou antes que eu respondesse. Era Aria.

— O que você quer? — perguntei, fingindo estar bem.

— Imaginei que estivesse com fome — disse, mostrando um sanduíche e um copo de suco.

Minha barriga roncou tão alto que me senti traída por ela. Pensei em recusar por orgulho, mas... cedi.

— Obrigada — murmurei, pegando o prato e mordendo como se fosse o último lanche da Terra. — Hmmm... meu favorito.

Aria sorriu de canto.

— Mais tarde vai ter uma festa de despedida das férias. Achei que seria uma forma de você interagir com a cidade... Mas ninguém pode saber.

Assenti com a cabeça, ainda mastigando.

— Qual é mesmo seu nome mesmo? — perguntei.

— Aria. E o seu é Dolores, né?

Ela disse meu nome como se fosse um trocadilho ruim.

— Lola, por favor. Lola. Odeio esse nome.

— Você odeia muitas coisas, hein?

— Nossa... você nem imagina.

Ela se levantou e, antes de sair, avisou:

— Saímos à meia-noite e meia. Sem fazer barulho.

Assenti.

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Comments

elenice ferreira

elenice ferreira

Esse idiota e panaca desse pai dela , faz as burradas e depois joga os enjeitados nas costas dela e ainda a chama de mimada? um enorme FDP!

2025-09-05

0

Aldeci Marinho

Aldeci Marinho

Nossa acho que eu entro demais nas histórias Porque eu senti um nó na garganta e um aperto no peito com esse capítulo 😞

2025-09-04

0

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