CAPÍTULO 3 - Aquele tipo de ausência. (Lola)

Narrado por Dolores Owens.

3 MESES ANTES.

Acordei empolgada.

Era isso. O grande dia. Depois de anos arrastando minha mochila pelos corredores daquele colégio esnobe, finalmente eu ia me formar. O fim. Um novo começo. Um diploma no bolso e um salto de esperança de que, talvez, a vida lá fora fizesse mais sentido que aqui dentro.

Me arrumei com calma um vestido azul marinho, tênis branco recém lavado. Maquiei levemente o rosto, só o suficiente pra esconder a insônia da noite anterior. Meu cabelo estava solto, ondulado, e pela primeira vez eu gostei do que vi no espelho.

Desci as escadas da casa, onde Emma já me esperava com panquecas empilhadas na mesa e suco de laranja fresco. Meu pai... bom, como sempre, ausente. Estava em Chicago de novo.

Ultimamente ele fazia mais viagens pra lá do que o normal. Antes, ele só ia por obrigação. Agora, era como se estivesse reencontrando algum conforto escondido naquela cidade. Ele mal estava passando tempo com a família.

Emma levou o Ben e a Chloe pra escola mais cedo com o motorista, e logo depois me acompanhou até o colégio. A formatura seria no auditório principal. Ela estava tão empolgada quanto eu, talvez até mais. O carro parou em frente à escola e nós descemos juntas.

O clima estava diferente, tenso. Festivo por fora, mas dentro de mim parecia tudo errado. Ainda assim, tentei manter o sorriso no rosto.

— Você tem certeza que ele vem? — perguntei pra Emma pela terceira vez, sentindo o estômago revirar.

— Ele disse que vinha, querida. Prometeu ontem à noite.

— É... promessas. — Suspirei.

Os minutos passavam. Eu olhava o relógio. Depois o celular. Nada. Nenhuma mensagem, nenhuma ligação. Nada dele.

Foi então que o celular da Emma tocou. Ela atendeu, e sua expressão mudou imediatamente. Eu sabia. Antes mesmo dela desligar, eu já sabia que algo tinha acontecido.

— É a escola da Chloe — ela disse, séria. — Ela passou mal, está com febre e querem que vá buscá-la.

Emma me olhou com aquele olhar que dizia tudo sem precisar falar nada. Era como se ela perguntasse com os olhos: “Fico ou vou?”

Eu respirei fundo. Doeu, mas respondi:

— Pode ir, Emma. Vai ver como ela tá.

— Tem certeza, querida?

— Tenho sim. Vai tranquila.

Ela me abraçou com força. E partiu.

Fiquei ali sozinha, rodeada de colegas que pareciam viver num filme de comédia adolescente onde tudo dá certo. Eu, por outro lado, me sentia pequena. Insuficiente. Tinha conhecidos, não amigos. Colegas, não afetos.

Olhei em volta e vi várias mães ajudando os filhos. Uma ajeitava o cabelo da filha. Outra sorria enquanto passava a mão na mão do filho, como quem dizia “estou aqui, tô com você”. Aquilo me deu um nó na garganta.

Como eu daria tudo pra ter tido a chance de conhecer a minha mãe.

Me obriguei a focar em outra coisa. Foi então que, ao virar para trás, vi.

Aquele olhar intenso.

Henrique Carter.

Estilo despojado, como sempre. Roupas escuras, jeans rasgado, camiseta preta e jaqueta de couro. Cabelos castanhos desgrenhados, algumas mechas caídas na testa como se ele tivesse acabado de sair de um editorial de moda.

— Que raio esse menino tá fazendo aqui? — murmurei irritada.

Ele me viu. Ou melhor, me fuzilou com o olhar.

E claro, começou a andar em minha direção.

Saquei na hora: aquele andar confiante, as mãos no bolso, aquele sorriso cínico. Papai  acostumou mal esse garoto malcriado.

Antes que ele pudesse abrir a boca, fui logo perguntando:

— O que você tá fazendo aqui?

Ele fingiu confusão. Olhou ao redor, depois apontou para si mesmo com cara de deboche.

— Tá falando comigo?

— Com quem mais seria, idiota?

Ele chegou mais perto, bem perto, e disse baixinho:

— Ah, é. Tinha esquecido que você tem fobia social. Por isso não tem nenhum amigo por aqui.

Empurrei ele, afastando com as duas mãos.

— Vai se ferrar, Henrique.

Ele riu e me puxou pra um abraço.

— É bom te ver, maninha.

— Para de ser falso, Henrique.

Ele fez aquela cara de inocente, passou a mão pelos cabelos e, claro, eu ouvi. Os suspiros. As garotas do lado já estavam encantadas por ele. Sempre foi assim.

Bastava ele aparecer que todas ficavam derretidas. Era ridículo. Superficial. Detestável. Especialmente quando era recíproco. Quem em sã consciência suspirava por esse metido?

A cerimônia começou. Todos sentados. Discursos, palmas, aquelas piadas sem graça dos professores. De vez em quando, eu olhava para trás, procurando meu pai.

Nada.

Mais um olhar. Nada.

— Tá procurando seu namorado? — Henrique sussurrou no meu ouvido com um sorrisinho irritante.

— Credo! — revirei os olhos. — Tô procurando meu pai, tá?

Ele se ajeitou na cadeira e murmurou:

— Ele não te avisou?

— Avisou o quê? — perguntei, com o coração acelerando.

Rick baixou o olhar, meio desconfortável.

— Tio George ficou em Chicago.

Dei uma risada amarga.

— É sério isso? Isso não é hora pra brincadeira.

— Eu não tô brincando, Lola.

Na hora, senti meu peito doer. Um nó subiu na garganta e eu mordi o lábio. Fiquei quieta por alguns segundos, depois comecei a mandar mensagem atrás de mensagem pro meu pai. Nenhuma resposta.

A formatura acabou. Alunos e familiares começaram a se abraçar, tirar fotos, comemorar. Eu só queria sumir dali.

Me levantei num pulo e saí andando rápido pelo corredor.

— Ei, Lola! — Henrique veio atrás. — Vai sair sem se despedir de ninguém?

— Não tem ninguém aqui que mereça meu tchau — respondi, sem nem olhar pra ele.

Algumas pessoas ainda me cumprimentavam. Eu mal acenava. Só queria chegar do lado de fora e desaparecer.

Chegando lá, parei no meio do caminho. Olhei para um lado, depois para o outro. Sem carro, sem Emma, sem motorista.

E eu... sem carteira.

— Droga... — murmurei, frustrada.

— Vamos. Eu te levo. — Rick apareceu, encostando no carro dele.

Era o Troller azul-marinho que meu pai deu pra ele quando fez 18 anos. Ele sempre usava quando vinha pra cá.

— Você passou em casa? — perguntei, desconfiada.

— Não. Vim direto do aeroporto.

— E o carro?

— Tio George deixou tudo pronto pra mim.

Naquela hora, senti meu corpo inteiro ferver.

— É, claro. Ele se importa mais com você do que comigo. Já tá claro que você é o favorito dele.

— Lola...

— Não tenta — interrompi, me virando. — Me deixa em paz, cara.

Ele hesitou. Mas acabou entrando no carro e indo embora. Não insistiu. Só... foi.

E eu fiquei ali, no meio do estacionamento vazio. Com um diploma na mão, a dor no peito e a certeza de que ausência é um tipo de presença que nunca vai embora.

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Comments

Aldeci Marinho

Aldeci Marinho

Nossa Riani estou aqui só os olhos cheios de lágrimas coitada da Lola ... Eu entendo esse sentimento dela de abandono, de rejeição do pai

2025-09-04

0

Miriana Rodrigues

Miriana Rodrigues

que pai escroto .

2025-09-03

0

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