CAPÍTULO 1 - Uma ilusão chamada amor. (Lola)

Narrado por Dolores Owens

O amor nada mais é do que uma combinação de processos biológicos, sociais e psicológicos que o ser humano interpreta como “sentimento”. Tecnicamente, é uma reação química no cérebro, causada pela liberação de dopamina, serotonina, oxitocina e adrenalina. Essas substâncias geram sensação de prazer, apego e desejo de proximidade com outra pessoa.

O amor romântico, especificamente, é uma construção cultural alimentada por séculos de literatura, religião e cinema, que idealiza vínculos humanos para justificar comportamentos como casamento, fidelidade e criação de filhos.

Em resumo: o amor é uma ilusão bioquímica e socialmente útil que as pessoas escolhem acreditar para se sentirem menos sozinhas ou para manter vínculos estáveis na sociedade.

— E por isso, meus caros — falei em voz alta enquanto descia a escada principal da casa — O amor é a maior farsa já contada. Um conto de fadas moderno com efeitos colaterais emocionais.

O chão do hall de entrada estava um caos: caixas abertas, fitas adesivas penduradas, jornais amassados. O cheiro de poeira e papelão dominava o ar, misturado com o perfume suave de lavanda que Emma sempre borrifava pela casa.

Nova York estava ficando para trás. Estávamos nos mudando. Voltando para Chicago.

Minha cidade natal. A cidade onde minha mãe nasceu. E onde ela morreu.

Suspirei e passei os dedos pelos cabelos castanhos-escuros, presos num coque alto e bagunçado. Usei o reflexo do espelho da parede para verificar o estrago no meu rosto: olheiras fundas, sobrancelhas bagunçadas, uma espinha teimosa no queixo.

Perfeito. O retrato da exaustão emocional com uma pitada de raiva reprimida.

— Lolaaaaa! — gritou Ben do andar de cima.

Logo em seguida, ele e Chloe passaram por mim em disparada, rindo como dois lunáticos.

— Não corram pela casa! — gritei, me virando com as mãos na cintura.

Ben, de 10 anos, tinha o cabelo loiro desgrenhado, os olhos azuis claros herdados do papai e energia suficiente para abastecer uma cidade pequena. Chloe, com 8, era a cópia miniatura da Harper: olhos cor de mel, cachos perfeitamente caóticos e uma expressão de princesa mimada até quando estava de pijama.

— Vocês vão cair dessas caixas! — avisei ao vê-los escalando uma pilha instável no canto da sala.

— É uma fortaleza secreta! — respondeu Ben, rindo.

— É um acidente esperando para acontecer — murmurei, ameaçando pegar o celular. — Vou ligar pro papai.

Eles desceram na hora e correram pro jardim.

Claro, essa era a minha vida. Meio-irmãos preferidos, mas que parecem personagens de um desenho animado com o botão de volume sempre no máximo. Um pai que vive ausente. E duas ex-madrastas que mereciam prêmios por atuação no papel de “mãe por conveniência ou melhor dizendo, mãe ausente!”.

Scarlett foi a primeira. Linda, loira, fútil até a alma. Casou com meu pai quando eu tinha sete anos. Ben nasceu meses depois, e ela abandonou os dois assim que percebeu que a maternidade atrapalhava a manicure.

Harper veio logo depois. Diferente da Scarlett, ela era mais performática. A gravidez foi planejada como se fosse um negócio. Chloe nasceu, Harper garantiu sua pensão e deu no pé antes da criança completar um ano.

Meu pai? Continuava acreditando que um dia ele poderia achar alguém que ele pudesse amar.

— Ele dizia amar tanto a minha mãe... — murmurei, mexendo distraidamente numa caixa com livros

Mas não exigiu dos médicos que salvassem ela. Não implorou, não lutou. Minha mãe morreu por mim. E eu acordo todos os dias com a dúvida: será que valeu a pena?

Emma apareceu na porta da cozinha com um olhar gentil.

— Está tudo bem, Lola?

Emma era como um raio de sol em meio a um céu cinzento. Cabelos grisalhos presos num coque baixo, olhos castanhos sempre atentos, mãos macias e firmes.

— Estou. Só... cansada.

— Vai sentir falta daqui?

— De Nova York? — fiz uma careta — Não. Nunca gostei desse lugar. Frio, barulhento, solitário.

Ela se aproximou e colocou uma mão no meu ombro.

— Chicago vai te fazer bem.

Assenti, sem muita convicção. Fazia quase treze anos que não colocava os pés lá. A última lembrança que eu tinha era eu correndo no jardim enorme que tinha lá. Meu pai se recursava a voltar a morar lá e ainda recusa, vamos nos mudar para uma casa nova, a antiga casa é só minha e a herança que minha mãe deixou para mim.

— Acho que ele está tentando compensar alguma coisa — comentei, pegando um envelope fechado sobre a mesa. — Comprar uma casa no mesmo bairro que moravamos antes, uma escola particular de elite para as crianças, universidade de Chicago para mim. Meu pai disse que vai passar mais tempo com a gente...

Emma me observava em silêncio. Ela sempre soube as palavras certas e a hora certa para dizer.

Fui até a varanda e me sentei no degrau, sentindo o sol quente no rosto. O jardim estava uma bagunça, mas as crianças pareciam felizes ali. Ben jogava uma bola de futebol e Chloe tentava roubar a bola de futebol dele.

E eu? Eu tentava não desmoronar.

— Por que você acha que ele foi embora hoje cedo de novo? — perguntei alto, mais para mim do que para Emma.

— Porque fugir é mais fácil do que encarar a dor.

Ela tinha razão. Meu pai era mestre em se esconder atrás do trabalho. Como se a ausência resolvesse o luto.

Ficamos ali em silêncio por um tempo, até o som de um carro buzinando nos interromper.

— A mudança chegou — anunciou Emma.

Um caminhão branco estacionou na frente da casa. Dois homens de macacão azul começaram a descarregar caixas.

— Vamos ajudar — disse Emma, se levantando com mais agilidade do que alguém da idade dela deveria ter.

Eu a segui, calçando o primeiro par de tênis que encontrei. Enquanto guiava os homens até os cômodos certos, não pude deixar de notar como a casa parecia... vazia. E não era só por causa das caixas.

Era o vazio emocional. A ausência de alma. As memórias ruins ecoavam pelas paredes. O som abafado de choros antigos, de portas batendo, de silêncios ensurdecedores.

Subi até meu quarto e olhei ao redor. As paredes ainda tinham marcas dos meus quadros. A prateleira com meus livros favoritos já estava vazia. Minha poltrona favorita já não estava mais lá.

Me aproximei da janela e encarei a cidade lá fora. Nova York era linda. Mas não pra mim. Não com tanta bagagem emocional.

Peguei meu diário da gaveta e escrevi:

“Último dia nesta cidade. Que fique aqui tudo que me pesa. Tudo que me afunda. Que eu possa encontrar algo novo em Chicago, mesmo que eu não saiba o quê. Mesmo que, no fundo, eu ainda não acredite que possa encontrar.”

Fechei o caderno. Chloe bateu na porta.

— Lola! O Ben está me chamando de alienígena!

— Você já viu seu cabelo hoje? — gritei de volta, rindo.

Ela bufou e desceu correndo.

Me olhei no espelho pela última vez. Era hora de dizer adeus.

E talvez, só talvez... de dar uma chance ao que vem depois.

Menos ao amor!

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Comments

Aldeci Marinho

Aldeci Marinho

Nossa só esses primeiro capítulo já me fez refletir sobre algumas decisões que estou tentando tomar

2025-09-04

0

Miriana Rodrigues

Miriana Rodrigues

começando hoje 02092025 me pergunto o que essa garota passou pra não acreditar no amor ❤️❤️❤️❤️

2025-09-03

0

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