CAPÍTULO 2 - Adeus nunca foi meu forte. (Lola)

Narrado por Dolores Owens

O céu ainda estava escuro quando abri os olhos. Alcancei o celular no criado-mudo e encarei a tela: 6h05.

Suspirei.

Eu nem tinha dormido. A cabeça não parava. Os pensamentos pareciam rodar em looping como uma música irritante que você não consegue desligar.

Hoje com certeza seria O DIA.

Hoje deixávamos Nova York para trás e voaríamos de volta para a cidade onde tudo começou e onde, de certa forma, tudo também terminou.

Chicago.

Me levantei devagar, sentindo os músculos rígidos. Tomei um banho demorado, tentando ignorar o aperto no peito. Coloquei uma calça de moletom cinza, uma blusa preta de gola alta e prendi o cabelo em um coque mal feito. Peguei minha bagagem de mão e uma mala pequena vinho, com chaveiro de flor seca que a Emma tinha feito pra mim e desci.

O cheiro de café recém-passado e paquecas invadiu minhas narinas, misturado ao som das vozes agitadas das crianças.

Na sala de jantar, meu pai estava sentado à cabeceira, como sempre, com um jornal aberto e os óculos de leitura apoiados na ponta do nariz. Ben e Chloe, lado a lado, riam de alguma coisa idiota.

— Bom dia — murmurei, entrando.

— Bom dia, querida — respondeu meu pai, sem tirar os olhos da notícia.

— Bom diaaaa, Lola! — gritaram Ben e Chloe em coro, com um entusiasmo que me fez querer voltar pro quarto.

Me sentei. Peguei uma fatia de pão, mas só belisquei. O estômago estava embrulhado, revirando como se já estivesse dentro do avião. A ansiedade fazia morada ali. Não era só medo do novo, era também a incerteza do velho. De tudo que eu ia ter que encarar em Chicago.

Ben derruba suco na blusa da Chloe, ela gritou, ele riu, ela tentou bater nele, ele desviou e quase caiu da cadeira.

— Já chega — disse meu pai, sem levantar o tom. — Respeito à mesa.

Eles pararam. Mas foi só por um minuto.

Meu pai dobrou o jornal e o deixou de lado, terminando o café com a calma de sempre. Ele era assim: elegante, centrado, e completamente emocionalmente ausente.

Quando todos terminaram, ele se levantou, ajustou o terno e anunciou:

— Vamos nos organizar. Sairemos daqui em dez minutos, crianças.

Meu coração apertou. De repente, parecia que as malas ficaram mais pesadas. Não por causa das roupas. Mas por causa da despedida que eu não queria enfrentar.

Emma.

Me levantei devagar, procurando por ela pela a casa. Encontrei-a na cozinha, guardando as louças do café com a mesma delicadeza de sempre.

Ela usava seu avental branco com estampa de limões, o cabelo preso em um coque baixo, e o olhar... ah, o olhar era de quem entendia tudo sem precisar que eu dissesse nada.

— Emma... — minha voz saiu fraca.

Ela se virou imediatamente e sorriu. Aquele sorriso doce, quase de mãe. O único que eu conhecia.

— Vai ser difícil sem você — sussurrei, me aproximando.

— Eu sei, querida. Eu também vou sentir sua falta.

A abracei com força. Aquele abraço que você tenta decorar com o corpo inteiro. Que tenta guardar como se fosse caber numa mala.

— Eu queria tanto que você fosse com a gente — murmurei no ombro dela. — Implorei tantas vezes...

— Eu sei, meu bem. Mas minha filha mais nova está prestes a ter um bebê. Preciso estar aqui com ela.

— Claro...

— Mas vai dar tudo certo — disse, acariciando meus cabelos. — Cuide de si. Viva sua vida. Você está indo para uma nova fase. E seus irmãos ficaram bem. Já contratei uma nova babá e uma nova governanta para ajudá-los.

Assenti. Mas por dentro... estava desmoronando. Quase chorei. Quase deixei escorrer. Mas eu era a Lola Owens. E se havia uma regra que eu seguia desde sempre, era: ninguém me vê chorar. Nunca.

Ben e Chloe entraram correndo e abraçaram Emma. A despedida deles foi rápida, quase desatenta, como tudo o que eles faziam. Crianças não entendem despedidas como a gente entende. E talvez isso fosse invejável.

Meu pai apareceu logo depois, apertou a mão de Emma, trocou algumas palavras com ela que eu não ouvi e então, com o mesmo tom apressado de sempre, disse:

— Vamos, crianças.

Entramos no carro. O motorista levou nossas bagagens maiores direto para o aeroporto na noite anterior, então estávamos apenas com as malas de mão.

Olhei pela janela, memorizando as ruas, as árvores, os prédios. Nova York nunca foi exatamente um lar. Mas foi o lugar onde tudo aconteceu. Onde minha mãe não estava. Onde Emma preencheu vazios que não eram dela. Onde eu cresci fingindo que estava tudo bem.

O aeroporto era caótico como sempre. Gente pra todo lado, carrinhos de bagagem, vozes misturadas com avisos automáticos. A viagem seria um voo direto Nova York até Chicago. Sem paradas. 2 horas e 40 minutos.

Longas.

Sufocantes.

Ansiosas.

Me sentei na poltrona ao lado da janela. Ben e Chloe ficam juntos, brigando pelo controle do encosto de braço. Meu pai ficou do outro lado do corredor, já com o notebook aberto.

Fechei os olhos e respirei fundo. O avião decolou. E com ele, algo dentro de mim parecia se soltar. Como se uma parte estivesse ficando e outra tentando fugir.

Tentei imaginar como seria a casa nova. O bairro novo. A escola nova. As pessoas novas.

E o Henrique?

Com certeza eu encontraria ele com frequência em Chicago, contra meu gosto.

Eu revirei os olhos só de pensar. Tinha certeza de que ele ia dar um jeito de me irritar assim que eu colocasse os pés por lá. Porque era isso que ele fazia. Nas raras vezes em que ele vinha pra Nova York, parecia que sua única missão era cutucar minha paciência até ela explodir.

Henrique Carter, o “filho postiço” preferido do meu pai. O “irmão” que não é irmão ou o "primo" que não é primo. O intrometido de jaqueta de couro que sempre tem uma piadinha na ponta da língua. Que anda como se fosse o dono do mundo e sorri como se soubesse de todos os meus segredos.

E o pior? Ele sempre aparece nos momentos em que eu menos quero vê-lo.

Inclinei a cabeça contra a janela e fiquei observando as nuvens. O céu estava limpo, azul. Do tipo que engana, porque por dentro tudo está cinza.

— Senhoras e senhores, estamos nos aproximando de nosso destino...

O anúncio me despertou dos pensamentos. Em menos de quinze minutos, pousaríamos.

Chicago.

A cidade onde minha mãe nasceu. Onde morreu. Onde meu pai construiu memórias que decidiu enterrar por mais de uma década.

E agora... onde ele decidiu recomeçar. Com a gente.

O avião tocou o solo com um leve solavanco. Chloe aplaudiu, como se fosse a primeira vez que voava. Ben zombou dela. E eu... respirei fundo pela décima vez naquela manhã.

Quando descemos, o vento gelado de Chicago me acertou no rosto como um tapa. Era mais frio do que eu lembrava. Ou talvez só fosse eu, congelando por dentro.

Olhei em volta, procurando a cara do destino.

Mas tudo o que vi foi rostos estranhos.

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Aldeci Marinho

Aldeci Marinho

Riani você tem tanto talento pra escrever suas histórias que nos prende de uma maneira surreal

2025-09-04

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