— Yury Volcokv: O Chamado**
Dois meses restavam até que minhas férias terminassem. Dois meses em que o silêncio era meu aliado, e a distância da Rússia um alívio constante. Eu e Enzo estávamos nos aproximando mais do que eu imaginava possível. O irmão gêmeo que carregava a responsabilidade da Bratva não só respeitava meu espaço, como, de maneira inesperada, havia criado um vínculo baseado em confiança mútua. Surpreendentemente, suas piadas e provocações discretas começavam a me arrancar sorrisos que eu não mostrava facilmente.
Naquela noite, decidi jantar na casa de **Nikolai**. O convívio com meu pai, Ivan, sempre fora complicado. Confrontos silenciosos, olhares cheios de julgamento e tensão constante tornavam qualquer interação um campo minado. Com Nikolai, porém, era diferente. Havia uma facilidade em falar sobre qualquer coisa, uma liberdade que não existia em nenhum outro lugar da família. Além disso, ele sempre preservava a tradição Volcokv de histórias macabras — contos de violência, poder e sangue que, de algum modo, ainda faziam parte do nosso legado.
O jantar estava tranquilo. A mesa posta com cuidado, pratos que mesclavam requinte e simplicidade, o aroma de assados e ervas frescas preenchendo a sala. Nikolai sentava-se à cabeceira, olhando para mim com aquele sorriso sagaz que nunca parecia totalmente acolhedor, mas que, naquele momento, transmitia mais confiança do que qualquer outro gesto familiar. Helena, minha tia, ajudava na conversa, trazendo leveza e curiosidade aos relatos que Nikolai narrava. Yecataryna não estava presente; seu mundo de tecnologia e negócios a mantinha ocupada, e nós respeitávamos essa distância silenciosa.
Entre uma garfada e outra, Nikolai contava uma história sobre uma negociação que envolvera lealdade e traição. Eu ouvia atentamente, analisando cada detalhe, mas também permitindo-me relaxar. Risadas surgiam a cada exagero que ele adicionava aos episódios, histórias macabras misturadas a ironia e humor negro. Helena comentava, acrescentando detalhes que só alguém presente poderia saber, e eu me permitia ouvir sem julgar, sem pesar, apenas observando a harmonia inesperada que preenchia aquele momento.
Foi então que meu telefone vibrou. O som interrompeu a cadência da conversa, e todos os olhos se voltaram para mim por um instante. Peguei o aparelho, e a tela indicava o número de **Enzo**. Meu coração endureceu levemente, mas não por medo — apenas pelo instinto de alerta que sempre surgia quando ele aparecia em minhas notificações.
Atendi, e a voz do meu irmão ecoou com a urgência que apenas ele conseguia imprimir:
— **Irmão, preciso de você. Uma amiga Selena ela foi esfaqueada. Está mal. Vem para a minha boate.**
Eu arqueei uma sobrancelha, quase sem acreditar na forma direta de Enzo. Ele não era de me dar rodeios.
— **Enzo, chame uma ambulância e vá para o hospital. Eu não sou clínico geral, sou neurocirurgião.** Minha voz estava firme, controlada, mas não podia esconder a tensão que começou a subir.
— **Você me deve isso, Yury.**
Suspirei, sabendo que discutir seria inútil. Ele tinha o hábito de impor demandas com a naturalidade de quem comanda um império inteiro, e eu sabia que não podia negar.
— **Ok, caralho. Já estou indo.**
Com o coração acelerado, desliguei o telefone. Nikolai, que estava no meio de uma história sobre a última “limpeza” de uma negociação mal resolvida, arqueou uma sobrancelha. Helena me olhou com preocupação instantânea.
— O que houve? — perguntou, a voz baixa, mas firme.
Com poucas palavras, expliquei. Cada detalhe necessário, sem exagero, mas transmitindo a urgência que a situação exigia. Nikolai permaneceu em silêncio por um instante, processando a informação. Helena segurou minha mão de leve, transmitindo mais cuidado do que qualquer gesto verbal poderia expressar.
Levantei-me da mesa, sentindo a tensão acumulada em cada músculo do corpo. A noite, que até então era de risadas e histórias macabras, transformara-se em expectativa e responsabilidade. Peguei minhas chaves, conferi o carro e me preparei para sair. A adrenalina começou a percorrer meu corpo, misturando-se com a habitual calma que sempre mantinha diante de crises médicas.
O trajeto até a boate seria silencioso, controlado, mas meus pensamentos já iam mais rápido do que os quilômetros percorridos. A lembrança do nome de **Selena**, a mulher que Enzo mencionara, surgiu com clareza na mente. Não a conhecia pessoalmente ainda, mas sabia o suficiente para sentir a urgência do caso. Cada segundo importava. Talvez uma namorada, Enzo nunca foi de se importar com alguém além dele mesmo.
Enquanto dirigia, senti a familiar frieza se misturar à preocupação. Não havia tempo para hesitação, nem para análise prolongada de riscos — apenas ação. A experiência de anos em cirurgia agora se aplicava à vida fora do hospital: avaliar rapidamente, agir com precisão, controlar cada passo e cada decisão.
O silêncio do carro era absoluto, quebrado apenas pelo som do motor e pela luz das ruas refletindo nas vidraças. Pensamentos passavam rapidamente, estratégias para o atendimento mentalmente ensaiadas. A cada curva, a expectativa aumentava, misturada à tensão que não desapareceria até que eu estivesse diante dela, diante da situação real, da dor concreta.
Ao chegar perto da boate, meus instintos afiaram-se ainda mais. Observei os arredores, as entradas, os seguranças, e a dinâmica do lugar, absorvendo tudo em segundos. Cada detalhe era importante: saber onde e como entrar poderia significar a diferença entre controle e caos.
Antes de estacionar, respirei fundo. Concentração total. O mundo lá fora podia ser caótico, mas dentro de mim havia um foco absoluto. Eu sabia o que precisava fazer. Minha mente, treinada para precisão, já avaliava possibilidades, riscos, soluções.
Desliguei o carro, peguei minha bolsa de equipamentos, e preparei-me mentalmente para entrar. Enzo já estava me esperando, provavelmente impaciente, provavelmente com aquela postura de homem que controla tudo ao redor. Mas não havia tempo para formalidades ou orgulho.
A responsabilidade pesava sobre meus ombros, e eu sentia cada grama desse peso. A urgência, a necessidade de ação imediata, a expectativa de salvar uma vida — todos esses fatores moldavam meu corpo e minha mente em um estado de alerta máximo.
Eu estava pronto. Não havia espaço para medo, hesitação ou distração. Yury Volcokv, neurocirurgião, frio, virgem, solitário, isolado, estava prestes a entrar em um mundo de dor, tensão e decisão que exigiria tudo de mim.
E naquele instante, enquanto caminhava para a entrada da boate, a consciência da situação me envolveu completamente: minha presença seria a diferença entre vida e morte, controle e caos.
O telefone ainda descansava no bolso da minha calça, a chamada de Enzo ecoando mentalmente. Minhas mãos firmes seguravam a bolsa, mas meu coração batia em ritmo acelerado. Cada passo era calculado, cada respiração medida. O mundo inteiro desapareceu, restando apenas o objetivo claro à frente: chegar até ela, enfrentar o desafio e salvar uma vida que agora dependia de mim.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 34
Comments
Mavia Dantas
/Angry/
2025-08-23
1