Na primeira aula, quando a coordenadora leu a lista da minha turma, meu coração já estava disparando. Era como se uma parte de mim tivesse certeza de que ouviria o nome dele depois do meu.
“Bianca Rocha… Lucas Augusto Vieira…”
Mas o nome dele não veio.
Veio só o da Rosana, o que foi um alívio.
"Ah, deve ter tido algum erro", pensei, ainda meio esperançosa. “Talvez ele tenha trocado de turma depois, ou algo assim.”
Mas não.
Lucas não estava na mesma sala.
A gente não dividia nem o mesmo corredor.
Ele estava na 1B. Eu e Rosana, na 1D.
Era como se o universo tivesse me dado uma pequena dose de coragem… só pra depois lembrar que ele ainda estava no controle.
Passei os primeiros dias observando de longe, como se estivesse assistindo a um filme onde eu não tinha sido escalada. Via Lucas no intervalo, cercado por colegas que pareciam saídos de catálogos de moda adolescente — bonitos, ruidosos, sempre rindo de algo que eu não entendia.
Ele não usava mais óculos. Tinha um novo corte de cabelo, um novo jeito de andar. Mais seguro. Mais confiante.
Mais… inalcançável.
E, pior: ele nunca estava sozinho.
Sempre tinha alguém ao lado. Um amigo, duas meninas da turma dele, um grupo inteiro do time de futebol. Era como se ele tivesse construído uma muralha de popularidade ao redor de si — e eu, do outro lado, com meu uniforme dois números maiores e minha timidez crônica, não tivesse a mínima ideia de como atravessar.
Rosana, que passava os dias comigo, ainda não sabia de nada.
Eu não tinha coragem de contar.
Tinha medo que ela risse. Que dissesse que era só ilusão. Que, num mundo real como o nosso, um garoto como Lucas jamais olharia pra mim daquele jeito.
Era mais fácil guardar aquilo só pra mim.
Mesmo que me apertasse por dentro.
Mas toda vez que a dúvida surgia, quando a distância entre a gente parecia absurda, eu pensava em Bella e Edward. Ele, um vampiro centenário. Ela, uma garota comum de cabelos castanhos e blusa xadrez.
E, mesmo assim… era amor.
As diferenças não importavam quando o que se sentia era real.
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A semana passou como se alguém tivesse apertado o botão de avanço rápido.
E eu ainda não tinha conseguido trocar uma palavra com ele.
Nem um “oi”.
Nem um “lembra de mim?”.
Nada.
Só o olhar dele na quadra, no primeiro dia… e mais nada depois disso.
Às vezes, eu pensava em escrever alguma coisa. Um bilhete. Uma mensagem. Até entrei no perfil dele no Orkut de novo. As fotos novas, o número de amigos, os depoimentos com piadinhas internas que eu não entendia.
Era como assistir à vida dele andando rápido demais… e eu tentando alcançá-lo, descalça.
Mas, ao mesmo tempo, um laço inesperado se fortalecia: Rosana.
Ela realmente tinha entrado para o time de líderes de torcida, mesmo com a mãe pagando a mensalidade com a insistência de quem queria realizar o próprio sonho através da filha. Mas, apesar da pose impecável e do estilo delicado, Rosana parecia travar uma batalha secreta a cada passo da coreografia.
Eu ia todos os dias assistir aos treinos, no começo só por apoio moral. Sentava no canto da arquibancada com um caderno e fingia estudar enquanto observava Rosana tropeçar de leve e sorrir como se nada tivesse acontecido.
Mas, na terceira vez em que a música parou no meio por falha no som, eu não aguentei.
"Eu posso ver o que está acontecendo com isso." — ofereci, me aproximando do aparelho empoeirado que mais parecia um dinossauro eletrônico.
A treinadora arqueou uma sobrancelha, e as outras meninas me olharam como se eu fosse um ser de outro planeta. Menos Rosana. Ela sorriu, aliviada.
A partir daí, me tornei “a garota do som”.
Chegava antes das líderes, conectava os cabos, organizava a playlist no celular da treinadora e, de vez em quando, ajudava a contar os tempos da música. Nada demais. Mas Rosana fazia parecer que eu era essencial.
"Você salva a minha vida, Bianca."— ela disse num dos intervalos, tomando água com os cabelos castanhos grudados na testa de tanto esforço.
"Você que está fazendo tudo." — respondi. "Eu só aperto o play."
"Apertar o play é a parte mais difícil quando se está nervosa. Acredite."
Sorri. E, pela primeira vez desde que o colégio começou, senti que talvez... eu tivesse encontrado meu lugar. Mesmo que fosse nos bastidores.
Rosana errava bastante, mas se esforçava o triplo. E eu me via nela mais do que gostaria de admitir.
Talvez não precisássemos ser perfeitas para pertencermos.
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O som abafado dos tênis correndo no corredor ecoava atrás de mim enquanto eu organizava os últimos cabos da caixa de som portátil. O primeiro jogo do time da escola estava prestes a começar, e eu tinha prometido pra treinadora que tudo estaria pronto antes do sinal.
As líderes de torcida já estavam no pátio, fazendo o aquecimento, e por algum milagre Rosana parecia menos insegura do que na semana anterior.
Eu só precisava guardar a extensão no armário dos equipamentos do vestiário masculino — onde ninguém deveria estar ainda.
Mas o cheiro de desodorante masculino me avisou que eu estava errada… segundos antes de ouvir a voz dele.
“Olha só… achei que você fosse só uma lenda urbana.”
Minha espinha congelou.
Virei devagar. Lucas estava encostado na parede, a camiseta do uniforme esportivo jogada no ombro e o cabelo bagunçado de um jeito que, claramente, não era acidental. Um sorrisinho torto brincava no canto da boca, e os olhos escuros me analisavam com a calma de quem sabia exatamente o efeito que causava.
“Bianca Rocha, em carne, osso e fone de ouvido pendurado. Você anda se escondendo bem.”
“Eu não estou me escondendo.” — menti, continuando a enrolar o fio como se aquilo fosse de extrema importância para a segurança nacional.
Ele soltou uma risada baixa, meio debochada.
“Claro que não. Deve ser só coincidência você virar pro outro lado toda vez que me vê no corredor.”
“Talvez seja só um instinto de sobrevivência.” — retruquei, com a sobrancelha arqueada. “Você parece ter virado um personagem saído direto de série adolescente de streaming.”
Ele se afastou da parede, caminhando até ficar perto demais. Meu cérebro mandava eu dar um passo pra trás, mas meus pés não obedeceram.
“E você…” — ele disse, olhando nos meus olhos. “Continua exatamente como eu lembrava. Com aquela mania de fugir antes mesmo de eu dizer alguma coisa.”
Engoli em seco.
“Talvez eu só achei que não tinha mais motivo pra falar com você.”
“E você decidiu isso sozinha?” — ele sorriu de lado. “Democracia é um conceito meio novo pra você?”
Revirei os olhos. Ele estava insuportável.
Insuportável… e absurdamente bonito.
Lucas suspirou, mais leve dessa vez. E o tom da voz mudou — só um pouco, como se tivesse deixado a armadura escorregar por um segundo.
“Você vai ver o jogo, né?”
Assenti, mesmo sem saber por quê.
Ele deu mais um passo, e agora era quase como se a gente estivesse de novo naquela fogueira do acampamento, cercados por gente demais, mas presos só no olhar um do outro.
“Então faz o seguinte…” — ele disse, com a confiança irritante de quem nunca ouviu um “não”. “Depois do jogo, me encontra atrás da arquibancada velha.”
“Por quê?”
Ele sorriu de canto. Aquele sorriso.
“Porque você ainda me deve uma conversa. E eu não gosto de ficar devendo.”
Fiquei em silêncio. Parte de mim queria dizer “não”. A outra parte… bom, já estava lá desde o primeiro dia de aula, quando nossos olhos se cruzaram na quadra.
Lucas se virou, já indo em direção à saída.
“Não atrasa, nerd. Eu não sou muito paciente.”
E saiu.
Me deixando sozinha com o cabo de extensão nas mãos… e um caos novo no peito.
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Atualizado até capítulo 28
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