PRIMEIRO DIA DE AULA

Minhas mãos suavam dentro dos bolsos do meu moletom novo — um presente da minha mãe com estampa discreta de constelações, como um lembrete silencioso de tudo o que me trouxe até aqui.

O colégio particular era enorme, com paredes claras e uma entrada imponente que mais parecia saída de um filme. Os estudantes passavam por mim aos montes, todos impecáveis, confiantes, muitos com mochilas de marca e celulares reluzentes nas mãos.

Eu estava tentando controlar a respiração e manter os ombros retos quando ouvi uma voz familiar:

"Ei, Bianca!"

Me virei no mesmo instante.

Rosana vinha na minha direção com seu passo leve e cabelo castanho balançando suavemente nas costas. Usava o uniforme impecável e um lacinho delicado combinando com o tênis branco — como se tivesse saído direto de uma vitrine de papelaria fofa.

Meus olhos se arregalaram.

"Você aqui?!"

Ela riu, com um brilho divertido nos olhos.

"Minha mãe não aceitou o “não” do resultado. Disse que não importava se fosse com bolsa ou sem, que eu ia estudar aqui e ia ser líder de torcida, nem que fosse no grito."

"Uau…" — eu ri, genuinamente surpresa. "Fico feliz por você estar aqui. De verdade."

Ela passou o braço pelo meu e sorriu.

"Achou que você ia se livrar de mim, né? Mas vai ter que me aguentar agora."

Sorri de volta, sentindo um alívio imenso que nem eu sabia que precisava. Ter alguém ao meu lado, além do Lucas, me dava uma sensação de pertencimento que eu nunca tinha sentido antes numa escola. Pela primeira vez… eu não queria ser invisível.

A presença da Rosana era como uma âncora suave no meio daquele oceano barulhento de adolescentes ricos e seguros de si. E pela primeira vez, em muito tempo, eu não senti que precisava me esconder por trás de roupas largas, ou olhar para o chão para passar despercebida.

Talvez… talvez eu pudesse existir ali também.

ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ

A cada passo no pátio lotado do Colégio Saint Claire, eu me sentia que eu não pertencia àquele lugar.

"Isso aqui parece uma passarela e a gente tá desfilando pra morrer de vergonha" - resmunguei, ajeitando os óculos no rosto e puxando a blusa larga para cobrir melhor o quadril. "Eles realmente têm um lugar separado só pros bolsistas pegarem uniforme? Me senti marcada como gado."

Rosana caminhava ao meu lado, segurando a alça da mochila como se estivesse tentando se proteger do mundo.

"Pelo menos você não foi empurrada pra ser líder de torcida" - ela disse, com a voz emburrada.

Ela não parecia muito afim de ser líder torcida, mas sentia que deveria dar orgulho a sua mãe.

No fundo, eu entendia.

 Eu faria o mesmo se fosse o sonho da minha mãe que já fez tanto por mim.

Mas eu estava ali por mérito. Minha bolsa era resultado de muito esforço, noites de estudo e finais de semana dentro de uma lan house fazendo lições online, sonhando com um futuro melhor.

A gente parecia pertencer a mundos diferentes. Mas, estranhamente, nos entendíamos.

O som de rodinhas no concreto me tirou dos pensamentos.

Um grupo de garotas se aglomerava perto da pista de skate improvisada. No centro da atenção, um garoto deslizava no skate como se o chão fosse feito de nuvem. Subia na mureta, girava no ar e pousava com uma confiança irritante. As meninas ao redor riam, ajeitavam os cabelos, mordiam os lábios.

Ele parecia não notar. Ou notava demais.

"Quem é esse?", Rosana perguntou, e eu percebi que ela estava olhando tempo demais.

"Não sei", respondi, sem disfarçar o sarcasmo. "Mas parece saído de um comercial de perfume. Aposto que o ego dele é do tamanho da habilidade de flertar."

Ele sorriu — aquele tipo de sorriso fácil que só gente muito bonita e muito segura distribui.

"Você acha que ele é do primeiro ano?", ela perguntou de novo.

"Espero que não. Ou eu vou reprovar por falta de foco."

Ela deu um passo à frente e tropeçou levemente. Disfarçou. Eu fingi que não vi.

O alto-falante do colégio chiou:

"Alunas interessadas em se inscrever para a equipe de líderes de torcida, dirijam-se à quadra após o intervalo. Treinamento obrigatório começa amanhã."

Rosana me olhou, meio em pânico.

 Era estranho. Depois que meu pai sumiu da minha vida, prometi que não ia mais me apegar a ninguém. Mas Rosana furou essa promessa antes que eu percebesse.

"Vem comigo?", ela perguntou.

Ergui uma sobrancelha, só por estilo.

"Claro. Mas depois vamos à biblioteca pegar nossos livros."

Suspirei. Por mais que eu não entendesse aquele universo de pompons e sorrisos forçados, ela precisava de mim.

E eu fui.

Eu me sentia meio deslocada na arquibancada da quadra, com minha mochila no colo e nervosa como se eu estivesse prestes a me apresentar.

 Mas não era por mim. Era pela Rosana.

Ela estava lá no meio da quadra, no centro de um círculo de garotas saltitantes, com uniformes emprestados e sorrisos tensos. E mesmo que não admitisse, eu sabia que aquilo significava muito pra ela.

Era estranho sentir tanto nervoso por alguém que conheci há tão pouco tempo. Mas ver Rosana com aquele olhar determinado, a postura ereta e a expressão de quem ia fazer o que fosse preciso, me deu um orgulho inesperado.

Quando a música começou, ela respirou fundo — e dançou.

E não foi só dançar. Rosana fluiu. Seus movimentos eram precisos, leves e firmes ao mesmo tempo, como se o corpo dela soubesse exatamente o que fazer antes mesmo de pensar. Ela girava com graciosidade, os cabelos castanhos acompanhando os movimentos, e quando ela sorriu no final, eu soube: ela tinha arrasado.

Meu coração batia rápido como se fosse o meu nome que estaria em jogo. Eu aplaudi antes de todo mundo, me levantando um pouco da arquibancada. Uma garota ao meu lado me olhou esquisito, mas não liguei.

Torcer por Rosana era fácil. Natural.

Talvez porque ela me fazia lembrar que mesmo quando a gente tem medo, a gente ainda pode tentar. E brilhar.

A treinadora das líderes de torcida fez suspense, olhando as fichas. Todo mundo em volta murmurava. Rosana ficou parada no fundo da quadra, mordendo o canto da boca.

E então:

"Rosana Alves, seja bem-vinda à equipe das Glam Girls"

Eu soltei um grito.

"É ISSO, ROSANA!", vibrei, batendo palmas, levantando da arquibancada com um entusiasmo que parecia fora de mim.

Ela me olhou, surpresa, e depois abriu um sorriso tímido, quase aliviado. Acenou discretamente como se dissesse obrigada por estar aqui.

E eu sorri de volta.

Porque, pela primeira vez em muito tempo, eu estava deixando alguém novo entrar.

E era bom.

Era leve.

Era… amizade.

Ainda estava sorrindo quando a treinadora voltou ao centro da quadra com uma prancheta na mão e a voz firme no microfone:

"Agora, atenção para a lista dos jogadores selecionados para o time oficial de futebol do Colégio Saint Claire."

A arquibancada se agitou. Murmúrios. Risos animados. Um grupo de garotas se inclinou para frente, prestando mais atenção do que durante os testes de líder de torcida. Eu fiquei curiosa também, mas ainda estava com o coração acelerado pela vitória da Rosana.

A treinadora começou a listar os nomes dos jogadores, um a um, e a cada nome anunciado, mais palmas e gritos surgiam da arquibancada.

"Goleiro: Rafael Mendes. Zagueiros: Henrique Costa e João Pedro Lima. Meio-campo..."

Eu assistia, distraída, quando ouvi:

“Lucas Augusto Vieira, atacante titular.”

Meu corpo gelou.

Olhei, quase sem respirar.

E lá estava ele.

Mas não era o mesmo Lucas.

O cabelo mais curto, bagunçado de propósito. A camiseta marcando os ombros largos. O andar seguro, quase arrogante.

Era como se eu estivesse conhecendo alguém pela segunda vez.

"Lucas…" — sussurrei.

Ele levantou o rosto. Nossos olhares se encontraram.

O mesmo sorriso de sempre — mas agora com uma fachada nova.

E eu fiquei com a sensação de que nada ali seria simples.

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