Não sei em que momento da noite deixei de ser apenas uma visitante na mansão Blackthorne para me tornar parte de seus segredos. Talvez tenha sido quando cruzei os portões de ferro enferrujado, ignorando o aviso silencioso de cada sombra. Talvez quando aceitei entrar, mesmo sabendo que cada passo poderia me custar caro. Talvez quando Adrian, em vez de me expulsar, permitiu que eu permanecesse.
A mansão era como um organismo vivo. As paredes exalavam lembranças. O chão rangia como se respirasse sob meus pés. E os olhos pintados nos retratos que ladeavam os corredores me seguiam com uma persistência inquietante.
Adrian caminhava à minha frente, firme, o som de suas botas ecoando entre as paredes silenciosas. Eu o seguia, tentando não demonstrar o quanto minhas mãos tremiam. Havia algo nele que era magnético e destrutivo ao mesmo tempo, como fogo contido em vidro.
— Eles me observam até hoje — disse ele de repente, sem se virar. Sua voz grave e baixa vibrou no corredor como um segredo que não deveria ser partilhado. — A família inteira. Cada olhar, cada julgamento, cada sombra.
Toquei de leve a moldura de um retrato à minha esquerda. Era de uma mulher jovem, o rosto belo mas austero, olhos tão frios que pareciam me atravessar.
— Quem é ela?
Adrian parou. Virou-se devagar, seu olhar cinzento faiscando sob a luz fraca das velas.
— Minha bisavó. A mulher que começou a maldição.
A palavra ficou suspensa no ar, pesada. Maldição.
Continuei andando ao lado dele, e, por um instante, percebi o quanto ele parecia carregar não apenas seu corpo, mas séculos de histórias, erros e pecados.
Chegamos então a uma porta diferente de todas as outras. De madeira escura e reforçada com ferro, ela parecia mais um obstáculo do que uma passagem. Havia símbolos gravados em sua superfície — marcas antigas que não consegui identificar.
Adrian pousou a mão sobre a maçaneta, mas hesitou. Seu rosto endureceu, e por um instante vi nele não apenas um homem, mas um guardião.
— Se eu abrir essa porta, não haverá volta — disse, sua voz carregada de uma gravidade quase sagrada. — Você terá visto demais.
Meu coração disparou. Parte de mim gritava para recuar. Mas outra parte — a mais perigosa, a mais honesta — queria ver. Precisava ver.
— Então abra.
Ele me encarou por longos segundos, como se procurasse fraqueza em meus olhos. Quando não encontrou, soltou um suspiro pesado e girou a maçaneta.
A sala era um mergulho na escuridão. As paredes estavam cobertas por estantes repletas de livros antigos, encapados em couro gasto, com títulos em línguas que eu não reconhecia. No centro havia uma mesa grande, coberta por papéis amarelados, mapas e fotografias. Sobre eles, símbolos estranhos estavam desenhados — runas, círculos, marcas que pareciam pulsar com um significado oculto.
— O que é isso? — perguntei, aproximando-me devagar.
— É o que me mantém vivo… e o que me mantém preso. — Sua mão percorreu uma das marcas, quase com reverência. — Cada símbolo, cada pacto… são correntes invisíveis.
Aquelas palavras soaram como veneno e confissão ao mesmo tempo.
— Isso é… algum tipo de magia? — arrisquei.
Adrian riu, mas sem humor.
— Não do tipo que você imagina. Mas é poder. Poder que a minha família conquistou e que nos condenou para sempre.
Ele pegou um dos papéis e jogou sobre a mesa diante de mim. Era uma fotografia antiga, em preto e branco. Nela, reconheci vagamente a mesma mulher do retrato no corredor, ladeada por homens de expressão sombria. Havia símbolos gravados nas paredes atrás deles.
— A minha bisavó acreditava que podia controlar as sombras. — Seus olhos estavam distantes, mas sua voz carregava raiva contida. — Ela fez pactos. E cada geração pagou o preço.
Olhei para ele, buscando compreender.
— E você? Qual é o seu preço?
Ele se aproximou lentamente, fechando a distância entre nós. Estava tão perto que o calor de seu corpo me envolvia. Seus olhos cinzentos queimavam com uma intensidade que me fez perder o fôlego.
— O meu preço é nunca poder me afastar das trevas. — Seus lábios quase roçaram os meus quando completou: — E arrastar comigo quem ousar se aproximar demais.
Minha respiração falhou. Eu deveria ter recuado. Mas em vez disso, avancei.
— Então me arraste.
Por um instante, vi sua máscara rachar. Ele fechou os olhos, como se minhas palavras fossem uma lâmina contra sua carne. Quando voltou a me encarar, havia dor e desejo misturados em sua expressão.
— Você não sabe o que está pedindo, Elena. — Sua voz era grave, carregada de um aviso final.
— Sei que não quero voltar atrás. — Minha resposta saiu firme, ainda que minhas mãos tremessem.
Ele tocou minha pele pela primeira vez. Um gesto simples, a ponta de seus dedos roçando minha mandíbula, mas que incendiou meu corpo inteiro. A intensidade daquele toque era mais do que física — era como se ele tivesse marcado minha alma.
— Eu não consigo dizer não a você — murmurou.
Seu rosto se aproximou mais, e por um instante pensei que ele me beijaria. Mas ele parou a poucos milímetros, os olhos fechados, respirando fundo como um homem prestes a se perder.
— Essa foi a primeira porta. — Sua voz soou como um sussurro contra minha boca. — Existem outras. Todas mais perigosas do que a anterior.
E eu sabia, sem dúvida, que iria atravessá-las. Uma por uma.
Porque já não era mais uma questão de escolha.
Eu estava presa em Adrian Blackthorne.
E não queria ser libertada.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 37
Comments