Na manhã seguinte, Ayra acordou com a sensação de que sua pele ainda ardia. O que acontecera na noite anterior não havia passado de olhares, palavras carregadas de duplo sentido e a presença avassaladora de Dean pairando sobre ela. Ainda assim, aquilo a marcara de uma forma quase dolorosa.
Ela se levantou devagar, tentando ignorar a culpa que a corroía. A lembrança da mão dele roçando em seu braço, o tom grave da voz avisando que ela estava brincando com fogo… tudo parecia ecoar em sua mente como uma música proibida.
No andar de baixo, a casa estava em movimento. Sua mãe, Clara, já saíra para o trabalho, como fazia quase todos os dias. Ayra desceu as escadas, apenas para dar de cara com Dean na cozinha. Ele usava calça social e uma camisa branca ainda sem gravata, as mangas dobradas até os cotovelos. Preparava café como se fosse a coisa mais normal do mundo, mas nada nele parecia comum para Ayra.
— Dormiu bem? — perguntou ele, sem olhar para ela, mexendo a colher dentro da xícara.
O coração dela falhou por um segundo. Fingir naturalidade parecia impossível.
— Mais ou menos… — respondeu, prendendo uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Você ficou até tarde no escritório.
Dean ergueu os olhos, e o olhar atravessou-a como uma lâmina quente.
— E você ficou até tarde na porta do meu escritório — retrucou com calma, mas havia um tom acusatório misturado à provocação.
Ayra corou de imediato. Estava prestes a se defender quando ele deu um leve sorriso de canto, aquele que parecia desmontar todas as suas forças.
— Cuidado, Ayra. Sua curiosidade pode te levar a lugares dos quais não conseguirá voltar.
Ela respirou fundo, sentindo o estômago se revirar. A cada palavra dele, a cada gesto, era como se ele a testasse, a provocasse, e ao mesmo tempo tentasse manter distância. Mas a distância já não existia.
Ela pegou um copo d’água apenas para disfarçar o tremor das mãos.
— Talvez eu não queira voltar — murmurou, quase inaudível.
Dean franziu o cenho, aproximando-se devagar. O cheiro de sua colônia, misturado ao café recém-passado, deixou o ar ainda mais intoxicante. Ele se inclinou ligeiramente, apoiando uma das mãos no balcão, tão perto dela que Ayra sentiu a respiração quente contra sua pele.
— Você não sabe do que está falando — disse ele, num sussurro rouco. — Uma vez que atravessar essa linha, não haverá retorno. Nem para você… nem para mim.
A intensidade das palavras o traía. Ele lutava contra algo dentro de si, mas o desejo queimava em seus olhos, visível, incontrolável. Ayra se perdeu naquele olhar por um instante, sentindo os joelhos quase cederem.
Ela baixou os olhos, mas não recuou. Pelo contrário, a proximidade parecia um convite silencioso, um abismo do qual ela queria saltar.
— Talvez seja isso que eu quero… — ousou responder.
O silêncio que se seguiu foi esmagador. Dean a observava como se tentasse decifrá-la, como se buscasse qualquer traço de dúvida que o fizesse afastar-se. Mas não havia. Ayra estava entregue, mesmo sem nunca ter provado nada além de olhares e palavras.
De repente, ele se afastou, como se tivesse recuperado o controle por um fio. Virou-se, pegou a xícara de café e tomou um gole lento.
— Vá se arrumar, Ayra. — Sua voz voltou a ser firme, quase fria. — Vou te levar até a faculdade hoje.
Ela assentiu em silêncio, mas o corpo inteiro tremia. Aquilo era um jogo, ela já percebia. Um jogo de provocações, aproximações e recuos. Mas até quando eles resistiriam?
Mais tarde, no carro, o silêncio entre eles era sufocante. Ayra olhava pela janela, tentando ignorar o fato de que cada vez que ele mudava de marcha, os músculos do braço se contraíam debaixo da manga dobrada da camisa. Dean parecia concentrado na estrada, mas seu maxilar travado entregava a tensão.
Quando o carro parou em frente à faculdade, Ayra se inclinou para soltar o cinto. Nesse instante, os olhos dos dois se encontraram. Houve um lapso de tempo que pareceu eterno — um instante em que nenhum dos dois respirou.
Dean ergueu a mão como se fosse afastar uma mecha de cabelo dela, mas parou no meio do caminho. Recuou, fechando o punho, e sua voz saiu baixa, carregada de algo que Ayra não soube definir:
— Entre nós, nada disso deveria existir.
Ela abriu a porta do carro, mas antes de sair, inclinou-se levemente e sussurrou:
— Então por que existe?
Saiu sem esperar resposta, deixando-o sozinho com o peso da pergunta.
Dean fechou os olhos, encostando a cabeça no banco. Por mais que tentasse, não conseguia apagar a imagem da enteada, com os lábios entreabertos e o olhar cheio de desafio. Aquela proximidade perigosa o estava destruindo.
Clara Moore
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Atualizado até capítulo 51
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